Faltam cerca de 30 minutos para os comensais chegarem ao restaurante Ceia, e o chefe Pedro Pena Bastos, 28 anos, verifica a sala de refeições. Confirma se as ementas desta noite estão corretas e pede para baixar um pouco o som da música, entre outros detalhes. Após esta supervisão, volta à cozinha para começar a tratar dos snacks que servirá no terraço deste antigo palacete, construído em 1728, agora transformado em hotel de charme pelo arquiteto Manuel Aires Mateus. Antes de a equipa da VISÃO Se7e se infiltrar na cozinha (a convite do chefe, claro), apreciamos o enorme quadro de autor desconhecido que ocupa uma das paredes, comprado no vizinho Mercado de Santa Clara, e folheamos os livros de arte, gastronomia e arquitetura, arrumados nas prateleiras.
Na mesa corrida de madeira, a peça-chave do restaurante Ceia, aberto a 21 de agosto, serve-se o único menu de degustação, composto por 15 momentos, e para apenas 14 pessoas. Já na zona de empratamento, entre a sala de refeição e a cozinha, veem-se frascos com rótulos, gel de cebola e de sabugueiro, por exemplo, que vão sendo usados nos pratos e arrumados novamente no frigorífico. Reparamos ainda nas tigelas feitas pela ceramista Anna Westerlund, nas taças do designer Gonçalo Prudêncio e nas facas trabalhadas por Paulo Tuna, que apetece logo manusear – mas não nos atrevemos a tocar em nada!
Quando espreitamos finalmente para a cozinha, reinam a concentração e o silêncio, apenas interrompidos por palavras de ordem e algumas gargalhadas. De lá chegam as primeiras iguarias para serem empratadas. A umas fatias fininhas e douradas de torresmo e grão, Pedro Pena Bastos acrescenta maionese de ovas fumadas e flores violetas e brancas. Ao terminar esta tarefa, olha com atenção o resultado e prova um dos exemplares, deixando escapar um som de satisfação. Pelas 20 horas, o chefe e a sua equipa de quatro cozinheiros saem do seu espaço de trabalho para cumprimentar quem chega, levando na bandeja os pratos acabadinhos de preparar, assim como a tempura de algas nori.
“Vir para Lisboa chefiar o restaurante Ceia implicou repensar a minha vida, mas sinto que houve uma certa magia e uma grande sintonia com o João Rodrigues, o mentor deste hotel e de outros projetos da Silent Living”, explica o chefe, que não esconde o encantamento pelo Santa Clara 1728 e pelas suas linhas simples e elegantes. Depois da passagem pelo Restaurante Esporão, em Reguengos de Monsaraz, Pedro Pena Bastos voltou ao Porto, cidade onde nasceu, até decidir aceitar este desafio. Explica que “não há uma ceia sem pão, azeite, vinhos e bolachas”, revelando alguns dos produtos que estão presentes nesta sua mesa.
Comecemos pelo pão, feito com cereais biológicos –, trigo integral, centeio, malte de cevada e espelta – segundo métodos artesanais e de fermentação longa. É ideal para barrar com a manteiga com pó de iogurte torrado e flor de sal ou “molhar” no azeite produzido pelo chefe e os seus irmãos, em Moreiras Pequenas, Torres Novas: “O meu avô já fazia azeite. O nosso tem notas muito vegetais e é uma produção pequena”, conta. Já os citrinos são comprados no Lugar do Olhar Feliz, no Cercal do Alentejo. “Gosto de trabalhar com os produtos que estão na sua época, faço uma cozinha que segue o seu próprio caminho, e que se baseia no que vejo, sinto e no que me rodeia”, nota.
Na sua ementa, “a cromática e a estética vêm a seguir à sensação de conforto”. Nesta noite, houve tártaro de cabrito com gema de ovo e vinagre; cavala, granita e brócolos; abóbora hokaido, cantarelos–amarelos, capuchinhas e rabanadas de berbigão com pezinhos de porco, entre outras sugestões. Não ficámos na cozinha até à sobremesa, mas acreditamos que a combinação de figos, cardamomo e erva-príncipe tenha agradado tanto a quem estava à mesa como nos soou a nós. E que as bolachas, acompanhadas pelo café, tenham proporcionado a tal sensação de conforto que Pedro Pena Bastos tanto procura.
Ceia > Hotel Santa Clara 1728 > Campo de Santa Clara, 128, Lisboa > www.silentliving.pt > qua-sáb 20h-24h > €100 (menu), €150 (com drink pairing)