Deambulámos – a palavra é mesmo esta – durante horas pela FNAC do Colombo, em Lisboa. É dia de jogo no estádio da Luz e as camisolas encarnadas proliferam. Dia atípico, pode pensar-se, para justificar o constante entra e sai de gente, mas não. Estamos na loja que mais fatura no País e o jogo é só mais um pretexto para vir à FNAC. A variedade de oferta num só espaço (os livros, a música, os computadores e os tablets são os mais procurados) e a possibilidade de folhear, ouvir e experimentar, sem pressa ou sem pressão para comprar, fazem dos portugueses frequentadores assíduos da FNAC.
Alguns ou muitos, quem sabe até viciados, como é o caso de António Manuel Ribeiro, vocalista dos UHF, que encontramos já à saída. “A primeira vez que entrei numa FNAC foi em Paris e fiquei maravilhado com a imagem das pessoas de cesto de plástico na mão, com livros e discos lá dentro, como num supermercado”, conta. “Quando a loja do Colombo abriu, atravessava o Tejo só para cá vir e hoje conheço as lojas todas acho que só a de Braga é que não.” É aqui que António Manuel Ribeiro procura as novidades literárias e musicais, mas também reedições de discos para a sua coleção.
Do café faz uma espécie de escritório, onde marca as reuniões de trabalho. “Agrada-me muito este ambiente, estar rodeado disto tudo, é um ponto de encontro”, justifica. E, como músico, não pode deixar de destacar a importância do auditório na divulgação de bandas que estão a começar. “Proporcionar uma digressão pelo País, em condições que as bandas, muitas vezes, não têm, foi e é muito importante.”
O fórum FNAC é um dos segredos do êxito da multinacional que, em fevereiro de 1998, abriu a sua primeira loja em Portugal (ver infografia). A ideia de haver um centro cultural, com programação regular, a funcionar no centro da loja, surgiu logo no início, em 1954. Mas, curiosamente, foi no Colombo, em Lisboa, que veio a concretizar-se. Entre exposições de fotografia, lançamentos, apresentações de livros, música ao vivo, ciclos de filmes, demonstrações de novas tecnologias, conversas literárias, colóquios, debates e animações infantis, há sempre qualquer coisa a acontecer ali.
É precisamente este ponto que o escritor Pedro Mexia destaca. “A programação cultural foi sempre muito relevante e é a marca forte da FNAC”, diz enquanto participante/assistente de mais de uma centena de eventos. “Os suplementos culturais passaram a misturar as diversas ofertas culturais que não eram tão óbvias e o tempo das caixas estanques acabou. E haver livros, discos e DVDs no mesmo espaço, ajudou”, explica. Por outro lado, considera ainda, “a FNAC trouxe uma dimensão cosmopolita ao mercado português e habituámo-nos a ter ficção estrangeira, sobretudo anglo-saxónica, nos escaparates.”
De França e Espanha é que chega muito pouca coisa, lamenta. Pedro Mexia nunca sentiu a FNAC como “a sua livraria”, esse lugar ficou reservado para a Buchholz, onde começou a fazer a sua biblioteca nos tempos de estudante. Reconhece, porém, que é um dos grandes casos de sucesso, que entrou nos nossos hábitos como se existisse desde sempre. O saco de cor amarelo torrado é um exemplo de como a marca tomou conta do panorama nacional. E o cartão-cliente? “Não é uma coisa que destaque. Tenho, mas não me agrada a ideia de fidelização. Não gosto de cartões, nem de ser sócio”, remata. Na opinião de Pedro Mexia, a maior mudança no mundo livreiro é a Amazon, até porque, hoje em dia, há “uma decadência do mercado e muito lixo literário” que empurra borda fora dos fundos das livrarias títulos, por exemplo, da literatura portuguesa, com um, dois, três anos. Ainda assim, vai dizendo que “o online não substitui essa dimensão do folhear e mexer num livro o chamado browsing” e só a ideia da extinção da livraria o angustia.
A CONCORRÊNCIA DA AMAZON
De auscultadores nos ouvidos, Pedro Matos, 40 anos, sorri e baloiça a cabeça, animado, enquanto revive as músicas dos Simple Minds. Passou pela FNAC do Norteshopping, em Matosinhos, durante a pausa de almoço. “Sempre me distraio um pouco.” Antes, ouvira The Smiths, em destaque na área da música pop/rock. Cliente habitual, especialmente de livros, bilhetes para espetáculos e jogos eletrónicos para os filhos, só lamenta que não apostem mais nos audiobooks. “Viajo muito e gosto de os levar. Opto por comprar na Amazon.”
Ali ao lado, escutam-se risos divertidos de duas crianças. É dia de semana, mas os primos Miguel e Eduardo Loureiro, 5 e 7 anos, respetivamente, ainda não recomeçaram as aulas, após as férias da Páscoa. Enquanto a mãe e a avó tomam um café no fórum, divertem-se a olhar as caixas da Lego, livros e jogos didáticos da área Kids, destinada a crianças dos 0 aos 12 anos. “Gosto de tudo aqui dentro, menos das coisas de meninas…”, diz o mais novo.
Não são, porém, apenas os mais pequenos que se sentam no chão ou nos pufes, a ler. Deambulando, agora, na segunda loja FNAC a abrir em Portugal, são vários os adultos sentados nos sofás das diferentes áreas. Como se estivessem numa biblioteca. E leem páginas e páginas. Muitas vezes, decoram o número da folha para regressarem a ela no dia seguinte.
É o caso de Guilherme Fernandes, 67 anos, presença habitual, “especialmente na secção de livros”. Hoje, anda às voltas com o A Física do Futuro, de Michio Kaku, um retrato de como a ciência moldará o mundo, nos próximos 100 anos. Todos os dias percorre mais umas quantas páginas. Até terminar o livro. António Jorge Pacheco, diretor artístico da Casa da Música, confessa já não frequentar a FNAC como antes: “Era cliente habitual da área de música erudita, mas este setor tem vindo a ser de tal modo reduzido que perdeu atratividade. Opto pela compra de CDs ao alcance de um clique.” Considera, no entanto, que “a abertura da FNAC em Portugal teve, no início, um impacto considerável nos hábitos de consumo e induziu até novos consumidores”.
Na área de informática, o poeta/escritor José Emílio-Nelson aproveita um dos computadores para enviar um email urgente. Antes, já tinha estado no setor da literatura. “Este ano, tenho aqui deixado 300 euros por mês em livros”, conta, queixando-se, contudo, da escassa oferta de “livros estrangeiros, especialmente em francês”. E lamenta: “A FNAC de hoje não é a mesma de há 15 anos. Agora, é mais massificada. Há edições de valor que estão escondidas nas prateleiras. As de Madrid e Paris são totalmente diferentes. Esta é como uma loja chinesa que vende várias coisas.” Apesar de elogiar as lojas do grupo francês de retalho por terem “democratizado a cultura”, o escritor chama a atenção para o facto de “corresponderem às camadas mais exigentes” do mercado.
Crítico em relação ao grupo de distribuição de bens culturais e eletrónicos é João, 39 anos, que não revela o seu apelido. Natural de Coimbra, aproveitou uma passagem pelo Porto para levar vários CDs de jazz. “Existe uma discriminação entre as várias lojas. Em Viseu ou em Coimbra, a área do jazz é reduzida. Costumo comprar através da Amazon.” E vai mais longe: “Não sou fundamentalista, mas a FNAC secou tudo à volta. Fecharam-se várias livrarias e lojas de música.”
Enquanto, nas mesas do fórum/ café, várias pessoas permanecem horas sentadas a ler um jornal ou uma revista, no setor dos filmes, Álvaro Silva, 49 anos, leva vários DVDs debaixo do braço. Dos clássicos aos filmes mais recentes, vai aproveitando a baixa de preços para completar a sua coleção. É, diz, “como se fosse uma coleção de selos”.