São poucos os metros percorridos na rua sem parar para falar com alguém.
Luciano Amarelo dá sugestões, ouve queixas, apresenta pessoas, provoca. É uma mistura de “presidente da junta” com “administrador de condomínio” do Bairro das Artes Circuit, projeto do qual é diretor artístico e programador. Ligar, cruzar, dinamizar, potenciar estas são as palavras-chave que utiliza para criar uma nova aldeia dentro do Porto.”Conheço muitas pessoas, faço por isso.”
Dá dois passos e encontra Marisa, uma estudante de 20 anos, ali residente, rendida às línguas afiadas das “conversas sujas” na Lavandaria Olímpica, as aulas de dança contemporânea na Bombarda Oficina de Artes (BOA) ou as sessões de curtas-metragens no Museu Soares do Reis, entre outras atividades promovidas.
“Antigamente cruzava-me todos os dias com algumas pessoas e não trocávamos uma palavra. Ontem passei a tarde a falar com a minha vizinha de 70 anos. Ultrapassamos a fase em que ela se limitava a queixar-se das dores e agora chegamos à parte interessante. Esteve a contar-me, por exemplo, como tomava banhos de leite de burra.”
Agarrando numa zona conhecida pelas galerias de arte e pelo comércio diferenciado, desde a Rua Miguel Bombarda ao largo da Maternidade, criou-se uma plataforma de dinamização que serve quem lá vive os Bairrões, quem lá trabalha os Bairristas e quem a visita. Públicos que, muitas vezes, vivem de costas voltadas. “É um bairro com muitos bairros dentro, com contornos únicos”, diz Luciano. Juliana Cerdeira, da Miau Frou Frou, confirma: “Moro no Porto há 11 anos e já vivi em 10 casas diferentes.
Quando abri a loja/atelier, vim morar para aqui. Gosto muito, consegue ter as particularidades de uma terra pequena.” A intenção é promover este espírito bairrista, olhando de fora para dentro e descobrindo um potencial que não se esgota em acontecimentos pontuais.
“Havia a perceção de que o bairro só era animado por altura das inaugurações simultâneas das exposições, de seis em seis semanas.” Entre os aderentes, a opinião é unânime: era preciso criar uma nova dinâmica, com pretextos de visita diários. O velho slogan, “a união faz a força”, é repetido por várias bocas. Para Cristina Camargo, da BOA, “o Bairro das Artes Circuit pôs as pessoas a partilhar ideias e recursos. E o Luciano faz bem o seu papel. Insiste, pergunta, sugere… Eu não tinha lata. Mas queria alguém que a tivesse”.
Ano do Bairro
Esta é uma iniciativa inserida na terceira edição do festival TRANSdisse, organizado pela associação Terra na Boca “uma associação sem qualquer tipo de apoio, mas que não desiste de apoiar projetos”, segundo Luciano. A ideia é não esgotar o festival num só dia, mas prolongá-lo durante um ano, com um tema unificador, dando tempo para saborear cada evento. Em 2010 trabalharam as máscaras.
Em 2011 viraram-se para a rua. E, em 2012, resolveram focar-se no bairro e funcionar como força agregadora.
Para se juntarem ao projeto, os bairristas pagam um condomínio mensal (€20) ou trimestral (€50), garantindo a divulgação das suas atividades, o acolhimento de novos eventos pensados pela Terra na Boca e a participação em iniciativas dos vizinhos, com preços mais em conta. O Bairro das Artes Circuit arrancou, no início do ano, com 22 aderentes e, de mês para mês, a equipa tem-se reforçado. Hoje, rondam os 50, entre lojas de design, cafés, bares, hostels, oficinas de restauro e muitos outros.
Não só deste espaço geográfico, mas também da vizinhança. “É um projeto comunitário, feito por todos os aderentes. Para a máquina funcionar como um todo, cada peça é importante.” Curiosamente, conquistou poucas galerias de arte. Só a Trindade e a AP’Arte responderam positivamente ao apelo. “Tudo o que traga mais iniciativas à rua é positivo. É uma questão de tempo, penso que vão aderir mais”, considera Paula Sá, da galeria Trindade. Luciano acredita que funcionará o efeito contágio.
“Se o outro está, porque não estou eu?”. Para Cátia Brandão, da AP’Arte, “não faz muito sentido as galerias fecharem-se. É preciso criar outros incentivos para o público comparecer”.
Os bairrões, muitas vezes alheados do circuito cultural, recebem uma atenção especial.
Têm direito a 10% de desconto em ações de formação e a promoções de 50% nas entradas em eventos realizados pelos lojistas/galeristas aderentes. Em ensaios abertos, feitos em locais improváveis, são também convidados a partilhar com os artistas o processo criativo. No primeiro andar da loja Zoorb ou na entrada do restaurante vegetariano Nakité, Luciano Amarelo acompanha as leituras encenadas dos textos Relicário, de Jorge Palinhos, e Dias de Vinho e Rosas, de Owen McCafferty. Peças fortes, que pretendem contaminar a assistência com as suas reflexões.
“O teatro não pode afastar as pessoas.”
Alimentar o mapa
Todos os meses é lançado o mapa Bairro das Artes Circuit, com uma tiragem de 2 000 exemplares, que além de garantir informação sobre os locais, aumenta a visibilidade das suas iniciativas. Em qualquer dos aderentes é distribuído gratuitamente.
Exibe atividades para todos os gostos, nas áreas artística, cultural, social, ambiental e de bem-estar. Os programadores querem ainda aguçar a oferta, sistematizando-a em circuitos especializados: Da cama; da saúde e bem-estar; da boca; dos sons e da música; das artes plásticas e visuais; do design de moda; infantil; e do design de mobiliário e decoração. Cada um agregando os espaços com temáticas comuns.
Algumas propostas são permanentes, como é o caso do Circuito Eco-Social Caminhos do Romântico, com Pedro Jorge Pereira como guia. Funciona todas as sextas-feiras, de manhã (€8, necessária inscrição), indo além da visita turística convencional. Mas também há projetos de dança, aulas de ioga, meditação, capoeira e muito mais. Com a boa vontade dos aderentes e um pouco de imaginação, faz-se a festa. José Humberto, da 8 Casa Moura, abriu as portas e logo surgiu a Limoura, a limonada criada a partir dos frutos do seu imenso jardim, para refrescar os convívios da comunidade.
Sem apoios institucionais, até ao momento, o Bairro das Artes Circuit vive no fio da navalha.
“Estou a dar o sangue”, conta Luciano. As ideias continuam a chegar. “Porque não colocamos no largo da Maternidade uma pirâmide de cordas para as crianças?”, sugere o bairrista e bairrão Nicola Cavallini, da carpintaria 9 Lenho Lento. Luciano ouve e sorri. Como canta Jorge Palma, “enquanto houver estrada para andar/ A gente vai continuar…”.
Bairro das Artes Circuit
Mais informações: terranaboca-associaocultural.blogspot.pt