Texto publicado na Visão Sete nº 990, de 23 a 29 de fevereiro
Desde o início da semana que começaram as primeiras sessões do FANTASPORTO (Festival Internacional de Cinema do Porto), o chamado Pré-Fantas, com uma maratona de filmes dedicados a Ed Wood e uma sessão simultânea dos clássicos Nosferatu (de Murnau) e Drácula (de Francis Ford Coppola), repetidos esta quinta, 23, um dia antes do arranque oficial da 32.ª edição daquele que é considerado “o maior festival de cinema em Portugal”.
Shame, de Steve McQueen, o drama de um viciado em sexo, vencedor de vários prémios do Festival de Cinema de Veneza, e a antestreia europeia de Bag of Bones, de Mick Garris (Prémio Carreira do Fantas no ano passado), com Pierce Brosnan no papel de um escritor que não consegue lidar com a morte da mulher, abrem o primeiro dia com chave de ouro. A fechar este megafestival, a 3 de março, estará This Must Be the Place, de Paolo Sorrentino, com Sean Penn no papel principal.
Até 4 de março, mais de 400 filmes (90% inéditos no nosso país) são exibidos entre o Rivoli e, pela primeira vez, também o Hard Club que, além de receber o mítico Baile dos Vampiros a 3 de março, mostra diariamente (das 12 às 14 horas) sessões de curtas inéditas e temáticas (de França, Holanda, Irlanda e Croácia).
A celebração dos 30 anos de Blade Runner (cuja versão original passa dia 24) e a homenagem a Mike Hodges (pelos 40 anos de Get Carter) são outros dos destaques.
Filmes europeus como resposta às críticas
Este ano, 80% dos filmes são de origem europeia, “para calar as pessoas que dizem haver uma tendência americana”, ironizava, há dias, Mário Dorminsky, diretor da Cinema Novo, entidade responsável pela organização.
O festival conta com seis antestreias europeias:
The Whisperer in Darkness, The Holding, Shiver, A Gentle Rain for Fukushima, Bag of Bones, os quatro últimos com a presença dos respetivos realizadores, e A Moral Conjugal, a primeira apresentação mundial do último filme de Artur Serra Araújo.

Catarina Wallenstein e José Wallenstein, cena do filme "A Moral Conjugal". O passado sábado, dia 25, marcou a apresentação mundial do filme de Artur Serra Araújo no Fantas
Este ano, o Prémio Carreira Fantasporto 2012 será entregue a António-Pedro Vasconcelos (haverá uma retrospetiva do realizador que “foi capaz de atrair mais de um milhão de espetadores às salas de cinema”). Nesta edição, celebra-se, ainda, o Teatro de Marionetas do Porto (homenageando o seu criador João Paulo Seara Cardoso) exibindo alguns trabalhos que marcaram os últimos anos.
Além do CINANIMA (Festival Internacional de Cinema de Animação de Espinho) e, entre outros, do Festival Black & White. Outra das novidades é a exibição de filmes de escolas de cinema (Universidade Católica, Universidade do Minho, RESTART, ETIC, Escola Soares dos Reis e Universidade Lusófona), que concorrem ao Prémio Cinema Português. Esta quinta, 23, terminam as conferências O Futuro Agora (outra novidade), que percorreram, ao longo dos últimos dias, 14 temas de diferentes áreas, desde o teatro, ao cinema, às artes em geral, e amanhã, 24, será inaugurado um holograma gigante criado pelo Museu da Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto a pretexto do trigésimo aniversário de Blade Runner.
Vão longe os tempos em que o festival começou a ser esboçado no antigo Café Luso e em que recebia 15 contos de subsídio do Estado… Hoje, os subsídios e apoios não chegam para sustentar financeiramente o FANTASPORTO. Mas valem-lhe os milhares de adeptos e a notoriedade internacional.
Como, por exemplo, no International Film Guide, o maior portal de cinema, ou na revista Variety, que o considerou, no ano passado, o maior festival de cinema em Portugal.
Programa completo (e venda de bilhetes) em http://www.fantasporto.com/
Entrevista a MÁRIO DORMINSKY,
diretor da Cinema Novo, organizadora do FANTASPORTO

Mário Dorminsky
O que destaca nesta 32.ª edição do FANTAS?
O principal é, naturalmente, a realização de mais uma edição. O destaque é o facto de, num Norte onde a Cultura e os grandes eventos desapareceram por completo, o Fantasporto mantém-se pujante, jovem, e cada vez mais forte, criativo e multifacetado.
E por ser uma edição dominada por uma programação eminentemente europeia (cerca de 80% dos filmes), com a particularidade de um grande número das obras exibidas serem superproduções. Porque teremos, além dos filmes portugueses a concurso, várias antestreias, ou entre os mais de 400 filmes a exibir cerca de 90% são inéditos em Portugal.
Porque estamos no final de uma francamente importante iniciativa denominada O Futuro Agora que encerrará amanhã, 24, o núcleo de conferências sobre o futuro do País nas mais diversas valências do saber, das artes e das ciências.
Temos um FANTAS mais “sangrento” este ano?
O “sangrento” está no nosso quotidiano e surge nas primeiras páginas dos jornais.
Ou é destaque nas rádios e televisões… O Fantas não é, não foi, nem nunca será um “festival sangrento”. Na sua Secção Oficial de Cinema Fantástico traz-nos o imaginário e este só por vezes poderá ser “sangrento”.
O fantástico emerge dos romances de cavalaria da Idade Média, passa pela literatura inglesa do final do século XIX e já Méliès, há mais de 100 anos, criava a sua Viagem à Lua.
O fantástico é a criatividade à mais elevada potência. Será porventura na Secção Oficial Semana dos Realizadores, com o “horror” da guerra, do nosso quotidiano, da “loucura” do “psicokiller”, que o “sangue” se fará notar mais.
O festival está a dar mais espaço ao cinema português?
O cinema português é uma constante desde a sua primeira edição, em 1981. Nesse ano exibimos cerca de 10 filmes fantásticos portugueses, desde Manoel de Oliveira a António Macedo. O Cinema Português sempre foi motivo de destaque no Fantasatravés da sua presença em competição (em 1985, o filme Nada, de Vítor Silva, chegou a vencer o Grande Prémio de Curta-Metragem no Festival).
Fizemos aberturas Oficiais com Cinema Português como foi o caso de Coisa Ruim, de Tiago Guedes, o realizador e produtor Manuel Mozos, a atriz Dalila Carmo e outros venceram prémios no Festival. Filipe Melo lançou-se no Fantasporto conquistando o Grande Prémio do certame com o seu I will see you in my dreams, João Menezes, Edgar Pêra ou Artur Serra Araújo, entre outros, poderão ser mesmo considerados “filhos do Fantas”, dado que ali encontraram e continuam a ter o seu patamar de lançamento para os seus novos filmes. Cada ano o Fantasporto homenageia um cineasta, ator ou produtor português com uma retrospetiva e há mais de dez anos que abre a porta aos filmes das escolas de cinema portuguesas, que ali apresentam as obras que produzem. A novidade deste ano é a criação dos Prémios de Melhor Filme Português (só para inéditos) e para a Melhor Escola de Cinema Portuguesa.
Resumindo, o cinema português teve e terá sempre forte destaque no Fantasporto.
O futuro é o tema. Como será o futuro do FANTAS? Há dias disse: “Queremos fazer o festival no Porto, mas isso não quer dizer que 2013 seja uma interrogação”. O que significa?
Significa que o Fantasporto nunca foi um evento subsídio-dependente. Tem apoios do Estado, da União Europeia, da Câmara do Porto mas para conseguir manter a imagem nacional e, sobretudo internacional, necessita do apoio dos privados. A opção de sair do Porto é algo que já colocámos em cima da mesa mas parece-nos ilógico lutar por um Norte culturalmente forte e “abandonar o barco”.
Nos últimos anos a crise tem-se feito sentir. Há uns cinco anos teríamos uns dez grandes patrocinadores… este ano temos muito menos. O que nos permite manter um festival com a nossa dimensão são as parcerias com empresas de várias áreas, como as de transportes rápidos, hotelaria, restauração, gráficas e comunicação social.
Numa altura em que vivemos uma recessão, em que não se sabe o vai acontecer no dia de amanhã, é natural retração dos privados, isto é, das empresas, e tal poderá colocar em risco o festival como ele é atualmente.
Mas temos esperança no futuro e continuaremos a lutar para conseguir “dar as mãos” aos privados até porque a Cultura é um desígnio nacional e o Fantasporto é dos poucos eventos realizados em Portugal que maior retorno de imagem pode proporcionar às empresas.
Qual o orçamento deste ano? Os apoios suportam os custos?
Numa altura em que há fome, gente sem casa, um macrodesemprego, falar de orçamentos de um evento é absurdo. O que é lógico é que, por muitos espectadores que tenhamos, e o Fantasporto é o evento cinematográfico que oficialmente mais espectadores tem (50 mil), além de outros tantos que participam nas suas atividades paralelas a custo zero, as receitas nunca cobrem as despesas. Daí os subsídios, a necessidade de parcerias e patrocínios. Até agora, com a gestão financeira que tem sido feita, tem sido possível ao Fantasporto (ou melhor à Cinema Novo, a cooperativa cultural que o realiza) manter em funcionamento a sua microestrutura, que tem de ser extremamente especializada.
Mas, como disse, neste momento vivemos o dia-a-dia não sabendo que futuro nos espera e, tal como em muitas estruturas culturais, tal como nas empresas a incerteza faz parte do quotidiano.

Cena do filme "Attack the Block", escrito e realizado por Joe Cornish. O festival, que termina este fim de semana, contou com a presença do inglês, talvez mais conhecido por apresentar o programa "The Adam and Joe Show"