Os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) são ainda a principal causa de morte no nosso País, ocorrendo, em média, 20 a 25 mil por ano. Em conversa com a VISÃO, José Ferro, diretor do departamento de Neuro-ciências e Saúde Mental do Centro Hospitalar Lisboa Norte e professor de Neurologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sublinhou a importância de conhecer os sintomas, os fatores de risco e as formas de prevenir este problema.
Em primeiro lugar, o médico aponta a diferença que existe entre AVC e ataque cardíaco, muitas vezes confundidos pelos pacientes. “A confusão parte da definição de acidente cardiovascular, que engloba todos os acidentes vasculares”. Mas, enquanto que um enfarte do miocárdio é, nas palavras de José Ferro, uma doença que dá uma dor no peito e outras alterações cardíacas, o AVC, também chamado apoplexia ou trombose, é um sintoma no cérebro, “algo completamente diferente”.
Quem sofre de um AVC pode, no entanto, ter um dos dois tipos existentes: isquémico ou hemorrágico. No primeiro caso, que segundo José Ferro representa nove em cada dez AVC, estamos perante “um entupimento, uma trombose da artéria”, já no segundo, “há uma hemorragia”, sendo este tipo de AVC mais perigoso e causador de uma maior mortalidade, relativamente ao primeiro.
Os sintomas
Quanto aos sintomas, estes dependem mais da zona do cérebro que está a ser afetada e não tanto do tipo de AVC, assegura José Ferro. Ainda assim o neurologista refere que, “se o AVC for hemorrágico, é mais frequente que haja dor de cabeça”.
Os sinais a não ignorar são ter a “boca ao lado, dificuldade em falar e falta de força num braço”. Perante estes alertas, “o doente não deve perder tempo a ligar para o médico assistente, um especialista ou deslocar-se ao hospital”, mas sim ligar imediatamente para o INEM e explicar o que se está a passar, para que possa ser transportado para um centro capaz de fornecer tratamento hiper-agudo para o problema.
Os fatores de risco
Apesar de ser importante todas as pessoas estarem particularmente atentas a tais sintomas, José Ferro assegura que “o AVC aumenta exponencialmente com a idade, sobretudo a partir dos 70 anos, e a partir dos 50 vai aumentando sempre lentamente”. Para além da idade, existem ainda outros fatores de risco, nomeadamente a hipertensão, a diabetes, o colesterol, o fumo do tabaco, a obesidade, a falta de exercício físico e, sobretudo atualmente, a presença de uma arritmia designada fibrilhação auricular, consequência da hipertensão e mais frequente em pessoas mais velhas.
Prevenir o AVC é, segundo José Ferro, um esforço que se refletirá também na prevenção de outras patologias como as doenças cardíacas, a demência ou as alterações na marcha que podem surgir em idade avançada. O neurologista aconselha a adoção de um estilo de vida saudável desde cedo e sublinha a importância de “ não fumar de todo, usar o álcool com muita moderação, fazer exercício físico diário, não ter excesso de peso, verificar a tensão arterial e, uma vez por ano, fazer uma avaliação analítica para ver qual o nível de açúcar e colesterol”.
Quem sobrevive a um AVC nem sempre sai ileso. José Ferro revela que a sequela mais frequente é a falta de força em metade do corpo, “que torna, muitas vezes, impossível mexer os dedos da mão e dificulta a marcha”. Outras perturbações são as dificuldades com a linguagem, alterações da sensibilidade e perturbações da visão, como deixar de ver metade do espaço ou ficar a ver a dobrar.
Os tratamentos
A fim de evitar chegar a tais desfechos, o médico enfatiza a importância do tratamento agudo, o qual tem duas modalidades. Uma, a trombólise química, consiste em “infundir, pelo soro, numa veia, um produto que dilui os coágulos”, e tem de ser feita até às quatro horas e meia após o início dos sintomas. A outra, “muito eficaz”, consiste na introdução de um catéter nas artérias “para ir buscar o coágulo” e pode ser feita, pelo menos, até seis horas após o início dos sintomas. Em ambos os casos “os tratamentos devem ser feitos o mais cedo possível, porque cada minuto que passa são umas tantas células cerebrais que morrem”.
A recuperação
Para quem, ainda assim, fica com sequelas, José Ferro refere a importância da reabilitação, seja ela feita através da fisioterapia, eletro-estimulação ou mesmo robótica. “Em Portugal temos ainda uma dificuldade grande de acesso precoce à reabilitação, porque há muito poucos centros de reabilitação com internamento, a nível nacional”, revela, no entanto, o neurologista, explicando que, quase sempre, há um intervalo entre a reabilitação que é feita no hospital e aquela que é feita depois em ambulatório e “nem sempre se consegue rapidamente um lugar para os doentes que estão com défices graves”.
O médico refere ainda que a maior parte da recuperação ocorre nos primeiros três as seis meses, mas que é importante manter um exercício e reabilitação constantes no tempo, para que não sejam perdidas funções previamente já readquiridas pelos sobreviventes.
A importância da família
Uma vez que quem já teve um AVC está em maior risco de ter um segundo episódio, é importante que tanto o paciente como a família estejam atentos à redução dos fatores de risco bem como ao seguimento de uma medicação específica, da aspirina aos medicamentos para a redução do colesterol. A família deve ainda “ajudar o doente a suprir as suas limitações na autonomia e a compreender a própria frustração que o doente vai ter em relação ao defeito neurológico com que ficou”.
Vacinas contra a Covid-19
Muito se falou, nas últimas semanas dos coágulos provocados pelas vacinas da Astrazeneca, mas José Ferro recorda que este foi “um problema que afetou apenas cerca de 200 a 300 pessoas no mundo inteiro para milhões de pessoas que foram vacinadas”. O neurologista assegura que o risco de haver um problema de trombose venosa cerebral é de cinco por milhão de pessoas vacinadas “e não tem nada a ver com as pessoas terem fatores de risco vascular ou já terem tipo um acidente vascular”.
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