Uma equipa de cientistas do Laboratório Chang – afeto à Universidade da Califórnia, nos EUA – desenvolveu um implante cerebral bilingue. O dispositivo, que recorre a um sistema de Inteligência Artificial, é capaz de transformar a atividade cerebral de um paciente em frases, bem construídas, em inglês e espanhol. O implante permitiu assim que o doente – incapacitado na sequência de um AVC – fosse capaz de comunicar em ambos os idiomas e até alterná-los durante uma conversa.
“Pancho” – nome fictício dado ao paciente para quem o implante foi construído – ficou gravemente paralisado na sequência de um acidente vascular cerebral quando tinha apenas 20 anos. Além da mobilidade muito reduzida, o paciente perdeu também a capacidade de se exprimir oralmente. Tendo como língua materna o espanhol, Pancho vivia nos EUA quando sofreu o AVC, adotando o inglês como a sua segunda língua, características que levaram a equipa de investigadores a usar o seu caso para desenvolver um implante cerebral capaz de comunicar de forma bilingue.
“Uma caraterística única e definidora do comportamento humano é a nossa capacidade de comunicar através da fala. O nosso laboratório está interessado em determinar os mecanismos básicos que estão na base da nossa capacidade de perceber e produzir a fala. O nosso objetivo central é fornecer uma explicação mecanicista para as principais propriedades do comportamento da fala em falantes normais e naqueles com perturbações da linguagem”, pode ler-se na página do Laboratório.
A investigação teve início em 2019 após a instalação de um primeiro implante neural no cérebro de Pancho. O dispositivo serviu como uma ferramenta de monitorização da sua atividade cerebral, dando aos investigadores dados cruciais para o desenvolvimento do dispositivo final. O projeto recorreu à utilização de um sistema de Inteligência Artificial – conhecido enquanto rede neural – capaz de descodificar e transformar a atividade cerebral de Pancho em frases que pudessem ser transmitidas nas duas línguas do paciente.
Já em 2021, o projeto conheceu avanços significativos quando, pela primeira vez, os investigadores foram capazes de restaurar a capacidade de comunicação de Pancho através, apenas, da língua inglesa. Um sucesso que serviu para o desenvolvimento do sistema de descodificação que, mais tarde, tornou o implante cerebral de Pancho bilingue.
Após compreenderem que o cérebro de Pancho possuía “atividade cortical” em ambas as línguas, os investigadores foram capazes de treinar o implante cerebral para ser bilingue, sem necessitar de recorrer à programação de sistemas de descodificação separados para cada língua. “Utilizámos a eletrocorticografia, juntamente com modelos de aprendizagem profunda e modelos estatísticos de linguagem natural do inglês e do espanhol, para registar e descodificar a atividade do córtex motor da fala de um bilingue espanhol-inglês com paralisia do trato vocal e dos membros em frases em qualquer uma das línguas”, pode ler-se no estudo.
Descobertas que ficaram provadas em 2022, quando a equipa voltou a utilizar a “rede neural” para programar o implante de forma a ser capaz de descodificar a atividade cerebral produzida pelo seu discurso bilingue. Os detalhes da investigação, que resultaram no desenvolvimento do implante, foram publicados recentemente sob a forma de artigo na revista científica Nature Biomedical Engineering.
De acordo com conclusões retiradas, o paciente foi capaz de utilizar o sistema de descodificação bilingue ao conseguir participar numa conversa, alternando entre [ambas] as línguas. “De um modo geral, os nossos resultados sugerem representações articulatórias corticais partilhadas que persistem após a paralisia e permitem a descodificação de várias línguas sem a necessidade de treinar descodificadores específicos de cada língua”, lê-se nas conclusões do estudo.
Os investigadores partilharam ainda as suas descobertas através de uma série de publicações recentes na rede social X.