O cientista que lidera o projeto, o norte-americano Matthew Wheeler, acredita que, dentro de alguns anos, a insulina necessária para tratar todos os doentes diabéticos do mundo pode vir a ser produzida a partir da descoberta agora anunciada: uma vaca transgénica, criada no Brasil através de uma parceria entre investigadores das universidades de São Paulo e de Illinois, foi capaz de “fabricar” insulina humana no seu leite, em quantidades significativas.
“Conseguiria ver um futuro no qual uma manada de 100 cabeças poderia produzir toda a insulina que o país precisa”, afirma Matt Wheeler, como é mais conhecido o professor da Faculdade de Ciências de Agricultura, Consumo e Ambiente da Universidade de Illinois, nos EUA. “Uma manada maior? Poderia fornecer o mundo inteiro num ano”, diz o especialista em biologia reprodutiva, células estaminais, engenharia genética e gado transgénico, citado num comunicado oficial da faculdade.
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A inovação pode tornar-se especialmente importante num contexto global de escassez de insulina, a proteína produzida no pâncreas que regula os níveis de açúcar no sangue. Quando o organismo não a “fabrica” naturalmente, o que está na origem da diabetes, é necessário compensar com a administração artificial de insulina para controlar a doença metabólica, sob pena de ela poder tornar-se fatal.
Segundo Wheeler, se o processo vier a ser autorizado pelas autoridades de saúde (a FDA, no caso dos Estados Unidos), depressa ultrapassará o volume dos métodos de produção de insulina atuais, que recorrem a leveduras e bactérias transgénicas. O cientista baseia-se em estimativas que considera conservadoras, de um grama de insulina por cada litro de leite e de 40 a 50 litros de leite extraídos por dia, por bovino.
Uma vez que cada dose típica de insulina administrada em doentes diabéticos equivale a 0,0347 miligramas, “isso significa que cada grama corresponde a 28.818 unidades de insulina em apenas um litro” de leite, observa Matt Wheeler, convicto de que este novo método será aprovado, mais cedo ou mais tarde.
A magia da glândula mamária
O primeiro passo do processo, agora divulgado no Biotechnology Journal, foi inserir ADN humano, com material genético responsável pela produção de pró-insulina (que depois ativa a produção de insulina), em 10 embriões de gado bovino. Estes foram depois transferidos para os úteros de vacas no sul do Brasil, e uma delas deu à luz uma cria transgénica fêmea.
O procedimento beneficiou da evolução tecnológica da engenharia genética atual, que já permite direcionar a ação do ADN humano para “alvos” específicos. Neste projeto, os cientistas “apontaram” a alteração genética ao tecido mamário, garantindo assim que “não existe insulina humana a circular no sangue da vaca ou noutros tecidos”, ao mesmo tempo que beneficiam “da capacidade da glândula mamária de produzir grandes quantidades de proteína”.
No entanto, quando o animal em causa atingiu a idade fértil, os cientistas não conseguiram que ele engravidasse através de um procedimento normal de inseminação artificial. Em alternativa, provocaram então a produção de leite através de hormonas, e o resultado foi surpreendente. “O nosso objetivo era extrair pró-insulina humana e depois purificá-la para a converter em insulina, mas a vaca processou-a por si. A glândula mamária é uma coisa mágica”, salienta o líder da investigação. “A mãe Natureza desenhou-a como uma fábrica para produzir proteínas de forma verdadeiramente eficiente. Podemos tirar partido desse sistema para produzir uma proteína que pode ajudar centenas de milhões de pessoas no mundo.”
Tendo em conta que a lactação da vaca transgénica não foi obtida de forma natural, por via de uma gravidez e posterior amamentação, a quantidade de leite gerado foi muito mais escassa. Daí que, por agora, não seja possível estimar com mais precisão a quantidade de insulina que poderá ser extraída em cada litro de leite. Por outro lado, as estimativas por baixo já sugerem quantidades bastante assinaláveis, capazes de revolucionar o acesso à insulina humana para o combate à diabetes.
Recebendo luz verde das autoridades sanitárias – na Europa, por exemplo, os organismos geneticamente modificados, ou transgénicos, têm encontrado muito mais obstáculos legais -, não só é plausível imaginar uma produção em grandes quantidades como outra possível facilidade prende-se com as infraestruturas necessárias para concretizar esse objetivo. De acordo com Matt Wheeler, para uma produção em massa, serão necessárias instalações com condições sanitárias de alto nível, o que, assegura, não constituirá um problema para a indústria do leite norte-americana. De resto, faltará depois instalar um sistema eficaz de recolha e purificação da insulina, mais uma vez devidamente autorizado, para que os diabéticos possam beneficiar desta forma prometedora de produzir a proteína que regula o açúcar no sangue.
O propósito final deste grupo de cientistas passa por multiplicar o número de vacas com esta “habilidade” genética, criando manadas para o efeito. Dados da Federação Internacional de Diabetes indicam que mais de 500 milhões de pessoas sofrem da doença no mundo. Em Portugal, estima-se que afete cerca de 13% da população entre os 20 e os 79 anos.