E quando o seu filho ou neto tosse toda a noite, vá à cozinha e faça-lhe o clássico xarope de cenoura. “O efeito mais importante, por vezes, nos xaropes é a cremosidade, ou seja, a capacidade que tem de aderir à base da língua ou às zonas onde há muita irritação. Tanto a consistência cremosa como a presença de açúcar fazem por si só o alívio”, explica o pediatra Pedro Flores, do Hospital CUF Descobertas.
Da tosse à escarlatina, das alergias à prematuridade, das bronquiolites provocadas pelo vírus sincicial respiratório à vacina da tuberculose, uma conversa cheia de respostas sobre as doenças respiratórias nas crianças.
Como funciona, afinal, o vírus sincicial respiratório de que tanto se fala agora?
Trata-se de um vírus que é conhecido desde os anos 1950, portanto não é novo, e que é a causa principal da bronquiolite nas crianças mais pequenas. Na verdade, ele infeta cerca de 90% dos bebés no primeiro ano de vida e praticamente todos até aos 3 anos de idade. É um vírus para o qual o ser humano não tem grande capacidade de criar imunidade. Afeta todas as crianças, mas pode causar bronquiolites graves nos bebés pequenos – com grande inflamação nos brônquios e sintomas como falta de ar ‒, há bebés que chegam mesmo a ter de ser internados e ventilados. Sempre aconteceu todos os invernos…
Estamos é mais atentos aos vírus.
Com a Covid-19 houve um grande incremento das zaragatoas e agora faz-se mais também para deteção de outros vírus,ou seja, damos um nome às viroses. Também é possível que este ano haja mais casos, porque a sociedade esteve dois anos fechada e as crianças estão muito suscetíveis.
Essa suscetibilidade traz problemas acrescidos?
Há sempre crianças que sofrem mais com estes vírus e que ficam com sequelas, são vírus que deixam os brônquios mais “sensíveis”. Portanto, são crianças que sempre que se constipam têm pieira, alguns com mais risco de terem asma… Mas o problema do sincicial é principalmente na fase aguda.
E, no seu consultório, aparecem mais crianças com alergias? O que podem os pais fazer?
Há a chamada hipótese higiénica que tenta explicar o aumento das alergias – o nosso menor contacto com sujidade. As crianças não brincam na rua, têm menos contacto com lama, com animais, com parasitas… O seu sistema imunitário fica “desempregado” e vira-se para as reações alérgicas. Nos países desenvolvidos há muitos mais problemas alérgicos. Em Portugal também, são situações que têm aumentado nos últimos anos. O que os pais podem fazer, para prevenir as alergias respiratórias, é tentar que os filhos brinquem na rua e tenham uma vida mais ao ar livre.
Havendo cada vez mais bebés prematuros, há também mais problemas pulmonares entre as crianças?
Sim, há algumas sequelas da prematuridade. Quando os bebés nascem muito prematuros, podem ter os pulmões pouco desenvolvidos; alguns até precisam de ser ajudados a respirar com ventilação mecânica e esta pode ser, por si, agressiva para os pulmões, levando a algumas lesões. É verdade que há problemas respiratórios mais frequentes nos bebés prematuros, principalmente nos primeiros três anos de vida. Os menos prematuros não têm tantos problemas, é certo, mas têm sempre uma suscetibilidade maior a infeções respiratórias ou à asma: têm sempre menos desenvolvimento pulmonar e da imunidade e, portanto, aquele hábito de provocar o parto às 37 semanas ou um bocadinho antes do tempo parece que é inofensivo mas não é. Nós, pediatras, lutamos para evitar os partos agendados para essa altura da gravidez. É melhor deixá-los estar até às 39 ou 40 semanas.
Quais são as infeções respiratórias comuns na infância?
A maior parte das crianças tem infeções respiratórias altas: rinofarangites, amigdalites, etc., provocadas por vírus. A bronquiolite é muito frequente, assim como a otite, que podemos considerar como sendo uma infeção respiratória. Menos frequente é a pneumonia.
Ainda se receia a escarlatina?
É uma amigdalite bacteriana que pode dar ou não manchas na pele. Antigamente era mais assustadora, porque se associava à febre reumática, mas agora trata-se com os antibióticos mais habituais e, em Portugal, não vemos complicações.
Concorda com a retirada do Plano Nacional de Vacinação da vacina contra a tuberculose (BCG)?
Sim. Portugal era considerado um país de elevada incidência de tuberculose. Felizmente, nas últimas décadas, esse problema melhorou muito. Foi então decidido que a política vacinal seria semelhante à dos países de baixa incidência, caso dos outros países europeus e da América do Norte. Vacinam-se grupos de risco e em caso de surgir algum foco em alguma comunidade. É justificável. E a BCG não é muito eficaz. Útil, sim, na prevenção de formas graves na criança pequena, mas não tanto em crianças mais velhas ou adultos.
O que diz aos pais que se assustam muito com a tosse dos filhos?
A tosse é um mecanismo de defesa para limpar as secreções ou partículas estranhas. Obviamente, pode ser provocada por inúmeros problemas que ao serem tratados, em princípio, a tosse melhora. Às vezes, há muita preocupação com o facto de a criança ficar muito cansada com a tosse, e pode haver lugar a uma medicação com xaropes. Mas nunca abaixo dos três anos de idade, porque pode ocorrer acumulação de secreções e originar complicações. Na criança mais velha, cinco ou seis anos, pode existir um alívio de sintomas por períodos curtos, com acompanhamento.
Esses xaropes funcionam mesmo?
A maior parte das situações banais que provocam tosse evoluem para a cura. Os xaropes aliviam um bocadinho, sobretudo quando a criança está muito cansada, à noite.
E o “xarope” de cenoura?
Isso também é bom. O efeito mais importante, por vezes, nos xaropes é a cremosidade, ou seja, a capacidade que o xarope tem de aderir à base da língua, onde há muita estimulação de receptores da tosse. Tanto a consistência cremosa como a presença de açúcar fazem, por si só, o alívio. Daí o efeito dos xaropes caseiros.
Qual é o grande perigo para o qual gostaria de alertar os pais?
O tabaco. Os miúdos começam a fumar no início da adolescência, aos 13 ou aos 14 anos, é vê-los à porta dos liceus. É um vício tramado do qual a pessoa não se consegue libertar. Devia haver uma sensibilização contra o tabaco nas idades pediátricas. Também para as novas formas de tabaco aquecido, etc. que fazem muito mal. É um importante desafio para a sociedade.
Entrevista publicada na VISÃO Saúde nº27, de dez 22/jan23