Que o sono é importante para o equilíbrio saudável do corpo humano, é ponto assente. Mas, como tudo na vida, o que é demais enjoa. Para certas pessoas, dormir muitas horas não se trata de um sinal de preguiça, falta de vontade ou de um simples capricho. Sofrem sim de hipersonia.
O distúrbio pode provocar tanto um sono noturno prolongado como uma sonolência diurna excessiva, além de falta de energia e concentração, irritabilidade e cansaço intenso.
No primeiro caso, “a pessoa até pode ter um sono noturno razoavelmente bom, mas há uma pressão excessiva para dormir. São pessoas que têm sono a mais, ponto”, explica Paulo Simões Coelho, neurologista do Hospital CUF Porto, especializado em patologias do sono.
Já na sonolência diurna excessiva, “o que se passa é que o sono noturno não é suficiente para garantir os efeitos normais do sono. Portanto, durante o dia, o cérebro tenta exigir, entre aspas, esse sono reparador, dormindo em situações de pouca atividade ou mais aborrecidas, como por exemplo períodos passados numa sala de espera, tarefas monótonas ou reuniões de trabalho”.
O neurologista recorda mesmo pacientes que chegaram a adormecer no trânsito, acabando por ter acidentes com o carro, e assegura que nunca esquecerá uma doente que lhe confessou não ter tempo para a vida dos filhos nem conseguir ajudá-los a fazer os trabalhos de casa, por estar constantemente cheia de sono. “O sono é muito bom, mas quando é demais tira-nos muito da vida”.
E o que faz com que certas pessoas sofram deste tipo de problema? Depende. Na base da questão podem estar privações crónicas de sono, o uso de ansiolíticos, antidepressivos ou estabilizadores do humor, e doenças como a apneia do sono, a doença de Parkinson, o hipotireoidismo, a deficiência de ferro ou a depressão.
Porém, a hipersonia pode tratar-se também de uma consequência de lesões centrais, “doenças primárias do sistema nervoso em que os processos que condicionam e regulam os períodos de vigília e de sono estão perturbados”, explica Paulo Simões Coelho. Algumas das mais famosas perturbações do tipo que o médico refere são a hipersonia idiopática, a narcolepsia e a síndrome Kleine Levin.
Quem sofre de hipersonia idiopática “tem muito sono durante o dia, em situações inapropriadas”, explica o médico. Estas pessoas podem chegar a dormir mais de 18 horas sem conseguirem sentir-se restabelecidas.
A narcolepsia, por seu lado, caracteriza-se pelas chamadas “intrusões de sono”, períodos de sono repentinos e irresistíveis durante o dia, sonhos muito vívidos e momentos em que as pessoas perdem o tónus muscular, “sobretudo em situações em que estão muito bem dispostas”, caindo no chão sem força.
Por fim, a síndrome de Kleine-Levin é uma doença rara que afeta principalmente adolescentes do sexo masculino e cujos sintomas incluem períodos repetidos de sono excessivo (até 20 horas por dia). Os sintomas ocorrem como “episódios”, que duram de alguns dias até algumas semanas, e podem estar relacionados ao mau funcionamento das partes do cérebro responsáveis pelo apetite (hipotálamo) e pelo sono (tálamo).
CAUSAS
Apesar das causas para as lesões centrais na base da hipersonia serem pouco conhecidas, sabe-se que “existem genes envolvidos”, afirma Paulo Simões Coelho. O neurologista explica que existem alterações genéticas, chamadas polimorfismos, “muitas vezes relacionados com a imunidade”, que, não sendo doença, constituem um fator de risco para o problema.
Quando, por outro lado, a hipersonia é a consequência de doenças como hipotiroidismo ou a doença de Parkinson, a causa é evidente e trata-se a doença de base como forma de também resolver a hipersonia.
SINTOMAS
O diagnóstico da hipersonia é feito por um neurologista especialista em distúrbios do sono que, além de realizar análises ao sangue do paciente para excluir a presença de doenças que causem cansaço excessivo, analisa detalhadamente os sintomas reportados.
Por esta razão, é importante estar atento aos sinais de alerta, os quais, neste caso, são cansaço constante durante o dia, mesmo após uma boa noite de sono, dificuldade em acordar após longos períodos de sono, f falta de energia, sonolência excessiva, desorientação ou falta de atenção e foco, fala lenta, dificuldade em pensar e tomar decisões, perda de concentração ou de memória, cansaço intenso ao longo do dia, irritabilidade, inquietação, ansiedade e perda do apetite.
Além disso, é muito comum a pessoa ter necessidade de dormir por períodos muito prolongados, de fazer várias sestas durante o dia ou de dormir mais de 24 horas seguidas. Paulo Simões Coelho recorda um jovem paciente que, apesar de dormir normalmente todas as noites, adormecia taxativamente em todas as aulas do dia.
Os principais sintomas da hipersonia são:
- Cansaço constante durante o dia, mesmo após uma boa noite de sono;
- Dificuldade para acordar após longos períodos de sono.
- Sensação de falta de energia;
- Sonolência excessiva;
- Desorientação ou falta de atenção e foco;
- Fala lenta;
- Dificuldade em pensar e tomar decisões;
- Perda de concentração ou de memória;
- Cansaço intenso ao longo do dia;
- Irritabilidade;
- Inquietação;
- Ansiedade;
- Perda do apetite
TRATAMENTO
“Tratamento há sempre, ainda que não exista um tratamento incisivo que, por exemplo, cure a doença numa semana”, revela Paulo Simões Coelho. A primeira coisa a assegurar é que “o sono seja de qualidade, porque um mau sono agrava os sintomas”.
Depois, existem soluções farmacológicas que potenciam a vigília. “Um dos mais conhecidos e utilizados hoje em dia é o modafinil, que é um tratamento sintomático”. Ou seja, toma-se o fármaco e, quando o efeito passa, tem de se tomar de novo.
É ainda importante as pessoas irem descobrindo os seus estimulantes naturais. “Na maior parte dos casos não são suficientes, por si só, mas estimulantes como café, exercício físico ou interação social estimulam a vigília”, aponta o médico.