Aos 64 anos, José Graça entrou para as estatísticas dos cinco a seis mil novos casos de cancro da próstata diagnosticados em Portugal. E ainda se lembra bem dos 10 minutos que demorou a encontrar a saída do hospital, desorientado, depois de saber que tinha esse tumor. Assim que foi operado por via robótica – correu tudo bem, sem sequelas nem tratamentos complementares – procurou uma associação que apoiasse os doentes para poder ajudar outros com o mesmo diagnóstico. Hoje é vice-presidente da associação portuguesa de doentes da próstata (APDP).
Neste tipo de cancro, a informação tem particular importância, pois ele tem a particularidade de evoluir de forma silenciosa, sem sintomas que liguem o alarme. Além disso, a probabilidade de sofrer de um tumor da próstata aumenta com a idade: aos 80 anos, mais de 80% dos homens sofrerão desta neoplasia.
Novembro é o mês azul, que este ano tem como mote uma campanha de sensibilização. O movimento Movember tem desafiado os homens a deixarem crescer o bigode durante este mês com o objetivo de consciencializar e sensibilizar a população para as doenças masculinas e em particular para o cancro de próstata.
Se for diagnosticado a tempo, o cancro da próstata tem grandes possibilidades de ser tratado e curado, como foi o caso de José Graça que, há oito anos, arrumou o assunto e continua a receber resultados com valores exemplares. Mas atenção, porque é a terceira principal causa de morte por cancro na população masculina. Em Portugal morrem aproximadamente 1800 homens por ano vítimas desta doença, o que representa mais de 10% das mortes por cancro a nível global.
Para José Graça, vice-presidente da APDP, “os dados que temos sobre a incidência do cancro da próstata em Portugal são preocupantes, mas o que nos deixa ainda mais alarmados é este ser um cancro com muito tabu associado, que por vezes acaba por levar a um rastreio tardio da doença”. Segundo um inquérito realizado a homens com cancro da próstata e seus familiares, promovido pela associação portuguesa de urologia e pela APDP, cerca de 50% dos doentes nunca fala ou passa meses sem falar com a sua família sobre o assunto.
Miguel Silva Ramos, presidente da Associação Portuguesa de Urologia (APU), alerta para a urgência em “promover a partilha de informação sobre a doença e os seus sintomas, bem como consciencializar para a realização de exames periódicos, que permitam um diagnóstico e tratamento atempados. E este inquérito demonstra que a informação sobre a doença (54%) e sobre as opções terapêuticas (41%) são os tipos de informação que os inquiridos consideram fazer-lhes mais falta.”
Para acabar com o preconceito, a APDP defende que a despistagem ao Antigénio Específico da Próstata (PSA) passe a fazer parte de qualquer rol de análises de rotina. Esse é o primeiro e mais simples passo para o diagnóstico. No entanto, ressalve-se que um valor alterado não significa automaticamente que se reflita num tumor.
É o toque retal, que consiste na palpação da próstata para verificar o seu tamanho, consistência e eventual presença de nódulos, que dá mais pistas sobre a presença ou não do tumor e a sua localização. Mas só uma biópsia pode concluir o que se passa na realidade. Estes passos podem ser dissuasores, mas uma vez ultrapassados podem significar a diferença entre a vida e a morte.
“A nossa missão é trabalhar todos os dias para desmistificar e relembrar que é essencial fazer o rastreio. Só assim conseguimos evitar que o número de mortes associado à patologia continue a ser tão elevado”, acrescenta o vice-presidente da APDP.
Estar atento!
Na maioria dos casos, o tumor desenvolve-se sem manifestar sintomas. O tipo e intensidade das queixas dependem do estádio da doença. Quando o tumor metastiza, ou seja, ultrapassa os limites da próstata e afeta outros órgãos, podem existir sintomas diferentes e não relacionados com o aparelho urinário, como dores nos ossos, fadiga e cansaço.
- Dificuldade/urgência em urinar
- Micções dolorosas
- Dor ou desconforto na região
- Disfunção erétil (registada apenas em alguns casos)
De acordo com as recomendações das sociedades médicas urológicas, o rastreio ao cancro da próstata deve ser feito a todos os homens a partir dos 50 anos, exceto se houver história familiar ou se for de etnia africana. Nestes dois casos, a pesquisa deve começar aos 45 anos. Além da idade, da existência de casos na família ou da etnia, há ainda a que estar atento aos níveis de testosterona, pois esta hormona é responsável pela degeneração e multiplicação das células da próstata.
A mudança de estilo de vida também é um fator a considerar, nomeadamente evitando dietas ricas em gordura ou demasiado proteicas, a obesidade e a exposição a produtos tóxicos.
O cancro da próstata tem impacto considerável na qualidade de vida dos doentes, sendo a disfunção urinária, a disfunção sexual e o desequilíbrio da saúde mental as áreas mais afetadas.
Metade fica em silêncio
Eis as primeiras conclusões do inquérito feito a doentes com cancro da próstata e seus familiares promovido pela associação portuguesa de urologia e pela associação portuguesa de doentes da próstata, divulgadas no mês de prevenção do cancro da próstata, com a campanha de sensibilização #VamosTocarNesteAssunto. O estudo incidiu sobre 160 doentes, familiares e cuidadores.
- Cerca de 50% dos doentes nunca falou ou passou vários meses sem falar com a sua família sobre o cancro da próstata.
- Quase metade dos inquiridos (46%) avaliou o seu nível de informação no momento do diagnóstico como sendo bastante reduzido e 26% dos doentes afirmou que não sabia nada sobre a doença.
- 66% dos inquiridos tinha menos de 65 anos quando foi diagnosticado com cancro da próstata.
- As principais fontes de informação sobre o cancro da próstata são: o médico especialista (78%), o médico de família (44%) e as associações de doentes (23%). A internet é referida por menos de 20% dos participantes do inquérito.
- 57,5% dos homens com cancro da próstata está em situação laboral ativa.
- 68,2% dos inquiridos afirma ter a doença controlada.
- 92,5% dos doentes toma medicação para outras doenças, como hipertensão arterial, colesterol elevado, coagulação ou diabetes.