O cérebro é um órgão capaz de, ao longo da vida, produzir novas células, de se adaptar a qualquer situação, de se regenerar e reinventar constantemente. Mas, com as tarefas rotineiras, pode surgir alguma confusão mental, falhas de memória, dificuldade em concentrar, e achamos que isso é normal, associando ao cansaço ou ao natural envelhecimento do cérebro. Mas pode não ser só isso.
A psicóloga Sandra de Carvalho Martins explica que o cérebro é uma máquina, mas que precisa de ser motivada. Assim, com o livro “Cérebro Eficiente”, promete ensinar a estimular o cérebro, e, por isso, apresenta um programa de 8 semanas com mais de 224 exercícios. Estes, diz, “vão desenvolver o raciocínio lógico e numérico, a linguagem, a memória, a atenção, a concentração e a criatividade”.
Cérebro Eficiente
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Se por um lado nos animam os avanços da medicina e das próprias condições de vida que tornaram possível viver muitos mais anos do que as gerações anteriores, por outro é usual o medo de não conseguirmos preservar as capacidades mentais durante a nossa longevidade.
Como fatores que interferem com o desenvolvimento de uma demência, há alguns que não estão sob o nosso controlo, como a genética. No entanto, temos motivos para estar otimistas: as evidências atuais demonstram uma maior influência do ambiente em oposição aos fatores genéticos, no que toca ao envelhecimento e longevidade humanos. Nesta linha, investigadores concordam que os fatores genéticos influenciam 25% da forma como o nosso cérebro enfrenta o processo de envelhecimento, ao passo que os fatores ambientais ou comportamentais têm um peso de 75%.
Para Nussbaum (2015), a saúde do cérebro é «o resultado de um processo dinâmico em que uma pessoa se envolve em comportamentos e ambientes de forma a moldar o seu cérebro para uma existência mais saudável». Assim, temos sempre a capacidade de moldar o nosso cérebro mediante escolhas que promovam o nosso bem-estar psicológico e saúde cognitiva, e não apenas quando já estamos em idade mais avançada.
Fatores de risco
Existe um conjunto de fatores de risco que contribuem para uma maior probabilidade de comprometimento cognitivo ou demência, sendo eles:
• Alcoolismo, abuso de substâncias e tabagismo.
• Coagulopatias (distúrbios da coagulação sanguínea) e dislipidemia (níveis anómalos de lípidos no sangue).
• Endocrinopatias (doenças que afetam o sistema endócrino) tais como: diabetes tipo 2, hipotireoidismo e hipercortisolemia.
• Desnutrição (deficiências alimentares e má absorção).
• Excesso de peso e obesidade.
• Ansiedade, stress, depressão.
• Doença vascular e hipertensão.
• Sedentarismo e isolamento social.
• Baixos níveis de atividade mental complexa ao longo da vida ou de estimulação no início da vida.
A depressão continua a ser o problema de saúde mental mais prevalente que afeta, em grande parte, a população idosa em todo o mundo. Paralelamente, há evidências de que a depressão aumenta o risco de problemas de saúde e diminui a longevidade. Há também estudos que indicam que é improvável que a depressão seja uma causa de demência – em vez disso, os sintomas depressivos parecem representar uma expressão clínica precoce de demência na vida adulta.
Um destaque também para a relação entre condições que afetam o coração e vasos sanguíneos, como hipertensão, colesterol alto, diabetes tipo 2, obesidade e tabagismo, e que aumentam o risco de desenvolvimento de demência mais tarde na vida. Estas condições, com impacto no sistema cardiovascular, estão frequentemente ligadas ao estilo de vida, como inatividade física e/ou dieta mal equilibrada, e são passíveis de mudanças.
Fatores protetores
Muitos dos fatores ambientais que conduzem a um melhor funcionamento do cérebro são questões quotidianas – a qualidade do contexto social e das interações, a alimentação, o exercício físico e o sono – que podem parecer óbvias, mas são facilmente negligenciadas.
A promoção da saúde envolve a mudança do comportamento, e as pessoas tendem a resistir às mudanças. Pense o quão difícil pode ser fazer mudanças como a de se sentar à mesa numa cadeira diferente ou dormir do outro lado da cama. As pessoas idosas desenvolveram uma vasta experiência ao longo da vida e, assim, adquiriram um amplo conjunto de rotinas. Estas rotinas e hábitos são difíceis de mudar, muito porque são eles que revestem o dia a dia de confiabilidade e segurança. A flexibilidade é um requisito crucial para o desenvolvimento de estratégias de adaptação bem-sucedidas e para alterar hábitos que podem não ser já os mais adequados, implementando outros mais benéficos.
Um cérebro saudável não se trata meramente de um cérebro que não é afetado por doenças, mas sim do cérebro de alguém que adota um estilo de vida promotor da resiliência cerebral e facilitador do bem-estar, independentemente da sua idade. Esta parece ser uma boa aposta, pois a saúde cognitiva é essencial para envelhecer com saúde, com impacto substancial no grau de autonomia, na adesão ao plano de medicação, na manutenção da vida social, gestão financeira e escolhas alimentares.
Assim, o estilo de vida é cada vez mais reconhecido como decisivo para a longevidade saudável e agilidade ou degeneração cognitiva. Um número crescente de estudos demonstra que as atividades cognitivas, físicas e sociais, assim como uma boa alimentação, estão consistentemente associadas com melhor saúde cognitiva e funcional. Há muito que podemos fazer para assumir o controlo da nossa saúde cerebral e manter as nossas capacidades cognitivas, não importa quantos anos temos. São esses fatores protetores que estão nas nossas mãos, que seguidamente serão analisados.
(Re) Viver experiências positivas
O bem-estar psicológico refere-se à capacidade de a pessoa ter uma visão positiva de si mesma e da vida, ter um propósito e sentido para a vida, sentir-se autónomo, cultivar relacionamentos positivos e manter-se em contínuo estado de desenvolvimento pessoal.
«O homem é o único animal que pode guiar os seus pensamentos para gerar sentimentos de felicidade ou infelicidade.» Esta capacidade não deve ser menosprezada, tanto mais que se sabe que as experiências positivas beneficiam a cognição e o bem-estar psicológico. Relembrar memórias positivas ajuda a que nos foquemos nos bons sentimentos, altera pontos de vista relativamente a outras situações e ajuda-nos a desenvolver estratégias para superar o stress causado por eventos negativos.
Sempre a estimular a mente
Atividades cognitivamente estimulantes são atividades ou exercícios mentalmente envolventes que desafiam a nossa capacidade de pensar. Essas atividades podem ajudar-nos a preservar habilidades cognitivas como a memória, pensamento, atenção e raciocínio, à medida que envelhecemos.
As pesquisas têm confirmado a precisão da máxima «use-o ou perca-o» aplicada ao cérebro. Há cada vez mais evidências de que a participação em atividades cognitivamente estimulantes pode reduzir o risco de demência e comprometimento cognitivo à medida que se envelhece, além de melhorar o funcionamento diário. Mesmo o treino cognitivo em idosos produz um acentuado efeito protetor e persistente no desempenho neuropsicológico.
Quando o cérebro é confrontado com estímulos que são novos e complexos estamos a potenciar o desenvolvimento da reserva cognitiva. As atividades que são novas e complexas são aquelas em que temos pouca habilidade, pouca ou nenhuma experiência, e há um sentimento de desconforto ao desenvolvê-las. Em sentido oposto, é prejudicial para o cérebro que os estímulos e atividades se limitem a ser os mesmos de sempre (como bordar ou fazer sopas de letras, se estas forem atividades rotineiras).
Desta forma, pela saúde do nosso cérebro, devemos ocuparmo-nos com novas e complexas atividades e reduzir aquelas que desempenhamos de forma mecânica e passiva. Alguns exemplos de atividades desafiantes para o nosso intelecto são: aprender um novo idioma, viajar para novos lugares e usar novas rotas em ambientes conhecidos, tocar um instrumento musical, juntar-se a um clube ou grupo para conhecer pessoas e fazer amigos, ouvir músicas novas, dedicar-se a atividades artísticas, jogar jogos de tabuleiro, ler livros que o façam refletir, escrever o que lhe aprouver e fazer diariamente exercícios de treino cognitivo (como os deste livro). Há muitas formas de desafiar o seu cérebro, só tem mesmo de selecionar as que mais lhe agradam.
Exercitar o corpo
A atividade física melhora a função cognitiva dos idosos e reduz a progressão do declínio cognitivo relacionado com a idade. Um estudo relevante sobre o papel da atividade física na promoção da saúde em idosos demonstrou que a prática de exercício físico está associada a um risco 38% menor de declínio cognitivo, melhora vários aspetos da cognição e reduz as alterações relacionadas com o avançar da idade nas regiões do cérebro implicadas nas funções executivas, aprendizagem e memória. Além do mais, prevê um risco 28% menor de desenvolver qualquer tipo de demência e um risco 45% menor de desenvolver a doença de Alzheimer em específico.
A prática de exercício físico, em particular exercícios aeróbicos como caminhar, andar de bicicleta e nadar, é recomendável e benéfica em qualquer idade, com inúmeras vantagens para a nossa saúde física e cerebral: melhora o humor e combate a depressão; proporciona o fluxo sanguíneo hipocampal levando a melhorias na memória e na aprendizagem; possibilita que mais sangue e oxigénio fluam para o cérebro; aumenta os níveis de substâncias químicas cerebrais que estimulam o crescimento de neurónios, isto é, favorece a neurogénese; e aumenta o número de células glia, que são células cerebrais que protegem os neurónios e têm impacto na velocidade de processamento.
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Para autores como Fissler et al. (2013) 18 o exercício físico aumenta o potencial de formação de novos neurónios e sinapses, mas é pela estimulação cognitiva que é feito o devido aproveitamento e manutenção destes novos recursos neuronais. Assim, se à prática de exercício físico adicionarmos a prática de estimulação cognitiva, teremos melhorias mais significativas a nível cognitivo do que se nos focarmos apenas numa destas duas atividades.
Um ser social
À medida que envelhecemos, permanecermos socialmente ativos e em contacto regular com a família e amigos é uma das melhores formas de conservarmos as nossas capacidades. Com efeito, algumas evidências sugerem que as pessoas que se envolvem em mais atividades sociais são menos propensas a desenvolver demências e depressões. Por outro lado, o isolamento social tem sido associado a uma maior predisposição para a doença e mortalidade. Estes resultados não serão de estranhar se pensarmos que a pertença a uma boa rede social possibilita: apoio nas questões quotidianas; ajuda na manutenção de objetivos e sentido para a vida; comunicação, partilha de vivências e troca de afetos, tão eficazes na redução do stress; a estimulação da cognição em geral; e a preservação da memória em particular.
Autoeficácia reforçada
A autoeficácia pode ser definida como a capacidade de preservarmos algum grau de autonomia nas nossas vidas, adaptarmo-nos aos desafios da vida, e sentirmos que somos importantes para a nossa família e para a sociedade. O sentimento de autoeficácia leva a que se sinta bem consigo mesmo e acredite que a sua vida faz a diferença. Esta atitude parece prevenir o declínio cognitivo, de acordo com vários estudos que registaram o estilo de vida de pessoas que permaneceram mentalmente «argutas» já em idades avançadas. As razões parecem não ser totalmente claras, mas alguns especialistas acreditam que pode estar relacionado com uma menor vulnerabilidade ao stress.
Duas excelentes formas de reforçar o seu sentimento de autoeficácia são: o voluntariado numa causa com a qual se identifique; o apoio a familiares, seja participando na educação dos seus elementos mais novos (como ir buscar o neto à escola ou levá-lo a brincar no parque), seja acompanhando os que estão mais sozinhos ou vulneráveis (como convidar um familiar que está isolado para passeios ou visitando regularmente alguém que está num lar de idosos).
Calma, sem stress
O stress crónico é conhecido por prejudicar a nossa saúde e o nosso cérebro. Embora o stress, moderado e num período de tempo limitado, possa beneficiar a atenção e a memória, o stress crónico afeta o desempenho cognitivo, prejudica a memória e aumenta a probabilidade de comprometimento cognitivo no envelhecimento. Além do mais, o stress prejudica a proteção imunológica contra infeções e aumenta a inflamação, deixando-nos vulneráveis a doenças como aterosclerose, pressão alta e diabetes, que podem danificar gravemente o cérebro.
Aprender a evitar o stress pode ser um longo, mas gratificante, caminho para melhorar a sua saúde. Apesar de não ser realista eliminar totalmente o stress das nossas vidas, podemos e devemos dispor de estratégias para o gerir e manter em níveis reduzidos. Neste sentido, algumas das recomendações que lhe posso deixar são: pratique exercício físico, desenvolva interações sociais positivas, medite, pratique atividades de relaxamento, não se foque no que não depende de si nem tão-pouco consegue controlar e despenda o seu tempo com atividades que aprecia e com pessoas com quem gosta de conversar.
Alimentação que faz bem
O cérebro é constituído por 60% de gordura, e as gorduras adequadas podem ajudar a nossa cognição e habilidades motoras. A dieta mediterrânea, que privilegia o consumo de vegetais, legumes, frutas e nozes, peixes e frutos do mar, em detrimento do consumo de carnes vermelhas e alimentos processados, é uma das que mais propicia a saúde do cérebro e a saúde vascular. O importante é, assim, comer as gorduras certas e incluir antioxidantes, como frutas cítricas e frutas vermelhas.
Se é importante que a alimentação nos nutra de forma adequada, também o é não ceder aos excessos alimentares, que conduzem ao sobrepeso e à obesidade e são nefastos para a saúde. A obesidade, além de ser um fator de risco para a demência, aumenta os riscos para uma série de outras doenças que também são fatores de risco, por si só, para a demência.
Embora possamos precisar de menos calorias à medida que envelhecemos, precisamos de muitos nutrientes essenciais. Por exemplo, a vitamina D é vital para manter a resistência óssea, e vários estudos sugerem a sua importância também para a saúde do cérebro: baixos níveis sanguíneos de vitamina D parecem estar associados a um maior risco de demência. O corpo pode fabricar vitamina D a partir da exposição solar, mas este processo diminui acentuadamente com a idade, pelo que se devem ingerir alimentos que sejam boas fontes desta vitamina, como a gema de ovo, laticínios, sardinha e fígado de galinha. Outras sugestões que lhe deixo em prol de uma alimentação mais saudável são: reduza o consumo de sal, que tem sido associado à hipertensão; substitua produtos açucarados como guloseimas ou bolachas por frutas, vegetais ou produtos integrais; aprenda a cozinhar refeições saudáveis; e beba muita água, nunca menos do que 8 copos de água diariamente.
Lembre-se de que o que custa é a mudança de hábitos (neste caso) alimentares. Assim que descobrir o quanto pode ser agradável uma alimentação saudável e os benefícios que proporciona ao seu corpo e mente, verá que a mudança vale a pena.
Sono reparador
As pesquisas mostram que os bons hábitos de sono são fundamentais para a consolidação das memórias: se não dormimos bem, também não aprendemos. Além de prejudicar o funcionamento cognitivo, dormir mal também leva ao aumento do stress e aumenta o risco de depressão.
À medida que envelhecemos, os distúrbios do sono e o défice de sono tornam-se mais frequentes. Pessoas com mais de 65 anos tendem a dormir menos profundamente, e mais de metade refere ter problemas de sono. O sono interrompido e a sensação de cansaço durante o dia não devem ser aceites e tolerados como partes normais do envelhecimento.
Promover a higiene do sono é uma forma segura de melhorar a função cerebral. O sono ideal, de sete a oito horas para a maioria de nós, melhora a resposta ao stress, o equilíbrio hormonal, a resposta imunológica, a energia e o humor.
Para melhorar as suas noites, deixo-lhe algumas propostas: exercite-se regularmente, mas não nas horas antes de dormir; não coma refeições pesadas e evite cafeína, nicotina e álcool ao final do dia; defina uma hora para se deitar e outra para acordar, e seja disciplinado no cumprimento deste horário; se não adormecer no período de 20 minutos após se ter deitado, levante-se e ocupe-se com uma tarefa até se sentir cansado; mantenha a temperatura do quarto estável (não muito quente); evite atividades estimulantes antes de dormir, como ver televisão; acorde com o sol pela manhã para manter o seu relógio biológico sintonizado.
Em suma, os fatores de proteção da função cognitiva no envelhecimento ajudam a preservar e a melhorar as habilidades cognitivas, logo a prevenir a demência. Estes fatores associam-se ao estilo de vida e, como tal, dependem de nós. Por isso é que é extremamente relevante conhecer os factos e tomar medidas para melhorar a saúde do cérebro.