Trinta e sete por cento da população adulta portuguesa sofre de dor crónica, uma dor que se arrasta no tempo e prolonga-se mesmo após a lesão que lhe deu origem. Enxaquecas, osteoartrose, lombalgias, dores traumáticas ou pós operatórias condicionam a vida de centenas de pessoas que, muitas vezes, acabam por desenvolver quadros depressivos, alterações de sono, insatisfação pessoal, familiar e até a nível da realização profissional.
O problema é uma doença por si só e não pesa pouco na Saúde nacional já que é a segunda doença mais prevalente no nosso país e custa à população portuguesa cerca de 4610 milhões de euros por ano.
O quadro é semelhante em todo o mundo e os esforços dos investigadores têm-se concentrado na procura de tratamentos e opções terapêuticas que permitam medicar cada vez menos os doentes com analgésicos opióides, os quais, além de oferecerem apenas alívio limitado aos pacientes, têm efeitos adversos graves, como depressão respiratória e adição.
Mas o panorama parece estar a mudar. Cada vez mais, a investigação concentra-se na forma como o nosso cérebro perceciona a dor e menos nas lesões que lhe deram origem, que, no caso da dor crónica, muitas vezes já nem existem. Exemplo disso são algumas descobertas recentes que podem mudar para sempre o modo de tratar a dor crónica.
O medo e a memória são maus professores
Com base em ressonâncias magnéticas funcionais ao cérebro, um grupo de investigadores em colaboração entre a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e a Northwestern University, mostrou que o cérebro, em particular o sistema límbico, um sistema de processamento emocional, está implicado na dor da artrose.
Dois componentes deste sistema, a amígdala (medo) e o hipocampo (memórias), em contacto com o córtex prefrontal geram aprendizagem e o que acontece é que “há como que uma aprendizagem mal adaptativa de um processo emocional que que juntamente com o estímulo doloroso levam à cronificação da dor”, explica a médica e neurocientista Joana Barroso, membro da equipa responsável pela investigação.
Curar a lombalgia com psicoterapia
Os investigadores da Universidade de Northwestern focaram-se na artrose, mas outro estudo da Universidade do Colorado, publicado a 29 de setembro na revista científica JAMA Psychiatry, mostrou conclusões semelhantes no caso da lombalgia.
O estudo dividiu 151 indivíduos com dor persistente nas costas em três grupos e ofereceu a um deles oito sessões de uma hora de um novo tratamento denominado “terapia de reprocessamento da dor” (PRT).
Desenvolvida por Alan Gordon, diretor do Pain Psychology Center em Los Angeles, a técnica ensina os pacientes a reinterpretar a dor como sendo uma sensação neutra vinda do cérebro e não um sinal de uma condição física perigosa. 66% dos indivíduos que receberam PRT ficaram quase ou totalmente sem dor após esta intervenção puramente psicológica, em comparação com apenas 10% do grupo de controle.
A atual falta de sucesso no tratamento da dor passa por se limitar o problema ao corpo
joana barroso – médica e neurocientista
Outro estudo, publicado este mês, por um grupo de investigadores de Harvard, chegou a conclusões semelhantes, revelando que um curso de terapia mente-corpo foi significativamente mais eficaz no alívio da dor persistente nas costas do que um programa de redução de stress mais geral ou os cuidados habituais.
Joana Barroso sublinha a importância desta descoberta no futuro do tratamento da dor crónica. “A atual falta de sucesso no tratamento da dor passa por se limitar o problema ao corpo”. Tratar a dor de forma multidimensional, com psicoterapia, reabilitação, conjugada com fármacos direcionados ao sistema límbico, entre outros, poderá ser o futuro do tratamento da dor crónica.