Carlos Santos Bernardes, gastroenterologista no Hospital CUF Cascais e na Clínica CUF S. Domingos Rana, tira todas as dúvidas sobre este problema de saúde. Veja as respostas do médico.
O que é a dor?
“Dor de estômago” é um termo frequentemente utilizado para designar algum tipo de desconforto sentido nas regiões superiores do abdómen. Esta dor ou este desconforto pode ser extremamente variável, diferenciando-se pelo tipo de sensação (“queimadura”, “aperto”, “guinada”), pelo local (no centro, vulgarmente designado por “boca do estômago”; mais para o lado direito; a “fugir para as costas”), pelos fatores que a desencadeiam ou a aliviam (jejum, refeições, café, bebidas alcoólicas), entre outros.
Quais são as causas?
Tal como as características da dor, as suas causas também poderão ser múltiplas. Na maioria dos casos, alguém que sinta “dor de estômago” pode apresentar complicações geralmente ligeiras, tais como gastrite, refluxo gastroesofágico ou distúrbios funcionais do tubo digestivo. No entanto, esta dor pode também ser compatível com uma úlcera no estômago ou no duodeno, com inflamação no esófago ou com problemas com origem noutros locais, como a vesícula, o pâncreas ou até órgãos de outros sistemas, como o coração. Embora as características da dor possam dar-nos pistas acerca de qual o órgão envolvido e o problema subjacente, é difícil conseguir um diagnóstico sem uma história clínica aprofundada, um exame físico dirigido e recurso a exames complementares de diagnóstico. Por exemplo, alguém que tenha dor de estômago depois das refeições pode ter uma úlcera, mas também poderá ter esofagite ou gastrite. Adicionalmente, existem casos de úlceras em que os sintomas tendem a aliviar com as refeições, em vez de serem desencadeados pelas mesmas, pelo que a realização de exames é frequentemente fundamental para um melhor esclarecimento.
Quais os principais exames de diagnóstico?
De uma forma geral, a avaliação começa por uma história clínica cuidada e observação com exame físico realizado em consulta. Depois, os exames mais frequentemente utilizados são as análises ao sangue e às fezes, a endoscopia alta com anestesia e a ecografia abdominal, podendo, dependendo da circunstância, ser necessário recorrer a outros, como a tomografia computorizada (TAC), a ressonância magnética, o teste respiratório para deteção de Helicobacter pylori, entre outros.
Os gases são uma causa? O que é o estômago inchado?
Nalgumas pessoas, a acumulação de gases pode ser a razão das dores sentidas.
Em doentes cujo estômago se esvazia de forma mais lenta do que o habitual, por exemplo por estar inflamado, a comida e o ar ingeridos podem acumular-se mais tempo do que seria desejável, levando a sensação de inchaço, enfartamento, necessidade de arrotar frequentemente, entre outros sintomas. Noutras pessoas, a acumulação de gases e a dor/inchaço decorrente podem ter origem no intestino, e não no estômago.
Quais os sinais de gravidade?
Além de uma dor muito intensa, de início súbito, que “foge” para as costas ou cuja intensidade ultrapassa aquela que é habitual para aquele doente, a existência de fezes negras e/ou sangue misturado com as fezes, perda de peso, vómitos prolongados, incapacidade de se alimentar, mal-estar geral ou febre associada deverão chamar a atenção para a existência de uma complicação relacionada com o estômago ou com outro órgão próximo, passível de provocar dor nesta localização.
O que pode estar por detrás?
Isabel Pedroto, diretora do Serviço de Gastrenterologia do CHUP e professora catedrática convidada do ICBAS, explica o que pode causar esta dor
Na “maioria das vezes, a dor não é grave”, avança Isabel Pedroto, lembrando que costuma estar associada a outros sintomas, como azia, enjoo, vómitos, gases, enfartamento, distensão abdominal ou diarreia, por exemplo. No entanto, a diretora do Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar Universitário do Porto diz que pode ser sinal de algo mais grave. Segundo a médica, as dores de estômago podem ter uma causa orgânica ou serem só funcionais. Dentro das causas orgânicas, as mais comuns são úlceras, gastrites e cancros. Veja as explicações da médica sobre cada uma delas.
ÚLCERAS
Onde se localiza?
A dor ou o desconforto no abdómen superior é o sintoma mais frequente. Embora o desconforto das úlceras seja geralmente centrado no epigastro (região superior e média do abdómen, situada por cima do estômago), pode ocasionalmente localizar-se nos quadrantes abdominais superiores, direito ou esquerdo.
O que são?
As úlceras pépticas são feridas abertas que se desenvolvem no revestimento interno do estômago e na porção superior do intestino delgado. As úlceras pépticas ocorrem quando o ácido destrói a superfície interna do estômago ou do duodeno. O tubo digestivo é revestido por uma camada mucosa que normalmente protege do ácido. Mas se a quantidade de ácido aumentar ou a quantidade de muco diminuir, pode desenvolver-se uma úlcera.
Tipos de úlcera
As úlceras gástricas e as úlceras duodenais são os dois tipos de úlcera péptica. A principal diferença é que elas afetam diferentes partes do tubo digestivo.
As úlceras pépticas incluem:
- Úlceras gástricas, que ocorrem no interior do estômago;
- Úlceras duodenais, que ocorrem no interior da porção superior do intestino delgado (duodeno).
Sintomas
Os sintomas das úlceras gástricas e duodenais são geralmente semelhantes.
Dor de estômago
- Sensação de plenitude, inchaço ou eructação.
- Azia.
- Náusea.
O que alivia e agrava a dor?
A queixa mais comum é uma dor ardente e persistente no estômago. É descrita como uma sensação de roer ou queimar e ocorre após as refeições.
Classicamente, logo após as refeições com as úlceras gástricas, e duas a cinco horas depois com as úlceras duodenais.
O ácido do estômago piora a dor, assim como o estômago vazio. Muitas vezes, a dor pode ser aliviada pela ingestão de certos alimentos que neutralizam o ácido do estômago ou pelo uso de um medicamento inibidor do ácido, mas pode voltar. A dor pode ser pior entre as refeições e à noite.
Os alimentos aliviam a dor das úlceras duodenais, mas proporcionam pouco alívio na úlcera gástrica. Embora os sintomas típicos da úlcera duodenal ocorram duas a cinco horas após as refeições ou à noite (entre as 23h e as 2h), quando o padrão circadiano de secreção ácida é máximo, as úlceras pépticas também podem estar associadas a arrotos pós-prandiais, plenitude epigástrica, saciedade precoce, intolerância a alimentos gordurosos, náuseas e vómitos ocasionais.
Cerca de 50% a 80% dos pacientes com úlcera duodenal sofrem de dor noturna.
A dor geralmente segue um padrão diário específico para cada doente.
Causas mais comuns
- Infeção pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori).
- Consumo de anti-inflamatórios não esteroides, como ibuprofeno, naproxeno, diclofenac, ou aspirina − principalmente se tomados por um longo período ou em altas doses.
Como são tratadas?
Com o tratamento, a maioria das úlceras cura-se em um ou dois meses.
Inibidor
A maioria das pessoas receberá um medicamento chamado inibidor da bomba de protões, para reduzir a quantidade de ácido produzido pelo estômago e permitir que a úlcera cicatrize.
Antibióticos
Se uma infeção por H. pylori estiver presente (são realizadas biopsias no estômago para a sua pesquisa), os antibióticos também são usados para matar as bactérias, durante dez a 14 dias.
Alternativas
Se as úlceras são causadas pelo uso de anti-inflamatórios não esteroides, os inibidores da bomba de protões são prescritos e deve conversar com o seu médico sobre a continuidade dos mesmos. Uma medicação alternativa, como o paracetamol, pode ser recomendada.
A gastrite
O que é?
É a inflamação da mucosa que reveste a parte interna do estômago, provocando uma dor “na boca do estômago” que varia de leve, moderada até intensa, e que costuma ser do tipo queimor ou aperto após as refeições.
Quais os sintomas?
Geralmente, além da dor, a gastrite provoca outros sintomas, como náuseas, sensação de estar muito cheio após a refeição, vontade de arrotar, gases excessivos e até vómitos. Os vómitos ou as eructações geralmente produzem uma sensação de alívio.
Causas
Esta inflamação pode ser desencadeada por várias causas, sendo as mais frequentes uma infeção pela bactéria Helicobacter pylori (H. pylori) e o consumo de anti-inflamatórios não esteroides, como ibuprofeno, naproxeno, diclofenac, ou aspirina − principalmente se tomados por um longo período ou em altas doses.
Quais os tratamentos?
- Medicamentos – Os fármacos usados para tratar a gastrite incluem: antibióticos para erradicar a Helicobacter pylori e medicamentos que bloqueiam a produção de ácido.
- Vigilância – Pode estar ou não indicada a vigilância endoscópica da gastrite. Depende se tem metaplasia intestinal (considerada uma lesão pré-maligna gástrica) e qual a sua extensão. Recomenda-se a erradicação de H. pylori e, habitualmente, a vigilância endoscópica a cada três anos. No caso de existir história familiar de cancro gástrico, sugere-se reduzir o intervalo entre endoscopias para um a dois anos.
O cancro gástrico
Quais os fatores de risco?
- Infeção do estômago por Helicobacter pylori;
- Gastrite crónica (inflamação do estômago);
- Síndromes familiares, por exemplo, a polipose adenomatosa familiar;
- Dieta rica em alimentos com sal e fumados e pobre em fruta e legumes;
- Ser mais velho ou do sexo masculino;
- Ser fumador;
- Ter pai, mãe ou irmão que teve cancro gástrico.
Como se diagnostica?
A endoscopia digestiva alta (EDA) é o procedimento utilizado para visualizar o tubo digestivo superior, incluindo o esófago, o estômago e o duodeno, através de um tubo flexível equipado com uma pequena câmara na extremidade que transmite a imagem para um monitor. O tubo flexível (endoscópio) é inserido na boca e passa através da garganta para o esófago, o estômago e o duodeno. Posteriormente, é retirado pela boca.