A descoberta é uma surpresa para o Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis e da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo, África do Sul, e para o mundo. E Penny Moore, a investigadora responsável pelos dados agora anunciados, foi a primeira a ser surpreendida. Afinal, ela fora das primeiras cientistas a revelar que a variante do coronavírus identificada na África do Sul conseguia driblar o sistema imunitário – e isso, como avançou então a virologista, faria supor notícias bem mais sombrias quando se avançou para a avaliação da resposta imunitária das pessoas infetadas com essa variante, denominada B.1.351.
Só que, em vez disso, a equipa encontrou dados que apontam na direção contrária. Ou seja, a infeção por B.1.351 estimulou um desenvolvimento de anticorpos tal que permite ao organismo defender-se de variantes antigas… e novas.
Publicada no bioRxiv, um repositório aberto de pré-publicação de dados da área das ciências biológicas ainda não revistos pelos pares, a análise agora conhecida junta-se a uma série de outras que também já sugeriam que as vacinas conseguem enfrentar quaisquer variantes do coronavírus – do passado, do presente e, alega-se, até do futuro. É o que defende Paul Bieniasz, virologista da Universidade Rockefeller, em Nova Iorque, citado pela Nature, e cujo laboratório está a estudar as diversas variantes: “pode ser que, afinal, já tenhamos a solução”.
As preocupações com a B.1.351
Foi no final de 2000 que um grupo de cientistas sediado na África do Sul identificou a variante B.1.351, que rapidamente se tornou responsável pela maioria dos novos casos no país e alastrou a outros países. A variante atraiu a atenção dos cientistas, antes de mais, porque estava associada a surtos em locais que já tinham sido durante atingidos pela primeira vaga da pandemia, no início do ano – mas também porque trazia alterações que diminuíam a potência de alguns anticorpos, que normalmente desativam o SARS-CoV-2.
Conduzida por Penny Moore e Alex Sigal, seu colega no Instituto Africano de Investigação Sanitária em Durban, a investigação alimentou as primeiras preocupações sobre a B.1.351 – porque a variante conseguira evitar os anticorpos bloqueadores do vírus produzidos por um grande número de pessoas que tinham sido infetadas com a estirpe a circular na primeira vaga. Semanas mais tarde, os resultados dos ensaios clínicos entretanto desenvolvidos mostravam que a variante diminuia a eficácia das vacinas desenvolvidas pela Novavax e Johnson & Johnson, e potencialmente eliminava grande parte da proteção conferida pela vacina da AstraZeneca.
“Não descanso enquanto não descobrir”
Durante o procedimento, Moore e a sua equipa esperavam que a infeção por B.1.351 desencadeasse respostas imunitárias fortes, mas não descartavam a possibilidade de esta variante poder ser menos visível para o sistema imunitário do que outras. Para o descobrir, analisaram anticorpos de 89 pessoas que tinham sido hospitalizadas com infeção com aquela variante – usando um ‘pseudovírus’, ou uma forma modificada do VIH, que infeta células usando a mesma proteína Spike, e assim medir a capacidade dos anticorpos de bloquear a infeção.
No fim, acabaram por descobrir que as pessoas que recuperaram da infeção por B.1.351 produziram tantos anticorpos como as infetadas com variantes circulantes anteriores – o seu sistema imunitário não só fez um bom trabalho no bloqueio do tal ‘pseudovírus’ com a mutação B.1.351 como também bloqueou outras estirpes.
Agora, Moore ainda não sabe porque a resposta imunitária desenvolvida é tão ampla, mas garante que não descansa enquanto não o descobrir: “É a única coisa em que penso nestes dias”, diz. “É possível, por exemplo, que os anticorpos estejam a reconhecer características da proteína do pico viral que não diferem entre essas variantes.”