Há previsão para o fim da ameaça SARS-CoV-2?
Esperam-se sucessivas batalhas sem que nunca se ganhe a guerra. Como com outros vírus, por exemplo, a gripe e o HIV, temos de nos preparar para que possam não ser conseguidas vacinas ou medicamentos totalmente eficazes. É ainda possível que o SARS-CoV-2 evolua para formas resistentes a medicamentos futuros e que se dê origem a vagas sucessivas da doença. À COVID-19 pode suceder-se uma COVID-20 ou 21, digamos assim. Esta pandemia não é a primeira e não será a última. Apesar dos sistemas de vigilância e controlo, que já estancaram muitas pandemias no foco inicial, nem sempre será possível. O que é verdadeiramente necessário é que os riscos de pandemias sejam incorporados e previstos nos planos de ações da Proteção Civil dos vários países. Como as cheias, os sismos ou as erupções vulcânicas, são perigos latentes que não sabemos onde nem como eclodem mas sabemos que podem eclodir. No caso presente, notamos o improviso das respostas dos vários países: tomam-se medidas extremas de curto prazo, desfasadas da longevidade do problema, que é de longo prazo.
As condições que surgiram China, em Wuhan, podem voltar a verificar-se, noutro local?
Não podemos pôr a hipótese de lado. A China, com grande proximidade de humanos com animais vivos, em mercados de animais tem condições ótimas para que vírus de outros animais possam transmitir-se a humanos. No entanto, podemos pensar num cenário hipotético em que pombos, por exemplo, que têm praticamente uma dimensão de praga nas nossas cidades, possam transmitir vírus a espécies domésticas, como gatos, que, por sua vez, sirvam de transmissores a humanos. Não nos esqueçamos que já foram registados casos de Covid-19 num cão, num gato e em tigres. Não nos esqueçamos também que pandemia da gripe de 1918 foi transmitida de aves a humanos na América do Norte.
Estaríamos preparados para a “COVID-20”?
Depende do que aprendermos com a COVID-19. Nos anos vindouros há que estudar intensamente o que facilitou o descontrolo e propagação do SARS-CoV-2 e qual teria sido o plano de longo prazo que melhor teria contido o epicentro da pandemia, retardado a propagação e melhor protegido a população no curto, médio e longo prazo. Não é viável parar um país durante tempo ilimitado. Problemas de longo prazo exigem estratégias de resposta de longo prazo. O melhor que podemos fazer é deixar às gerações vindouras estudos científicos que permitam entender o que se está a passar atualmente. Mais que isso, que permitam implementar planos de resposta da forma cientificamente sustentada. Os medicamentos e vacinas demoram anos a surgir, quando surgem.
O conhecimento acerca do SARS-CoV-1, em 2002, não foi suficiente para prevenir a COVID-19, provocada pelo SARS-CoV-2. O que faltou?
Apesar do interesse suscitado pela Pneumonia Atípica (SARS) em 2002/03, que causou mais de 770 vítimas mortais, os anos que se seguiram foram de interesse decrescente até ao ponto do prático esquecimento. Os projetos de estudo do modo de ação do vírus e desenvolvimento de fármacos foram sendo sucessivamente abandonados devido à falta de investimento, quer na investigação académica, quer em ambiente industrial. O conhecimento sobre o SARS-CoV-1 ficou incompleto e os programas de novos medicamentos foram abandonados. É sintomático que alguns desses programas estejam a ser retomados e que seja aí que esteja a maior esperança no desenvolvimento de novos medicamentos anti-SARS-CoV-2.
O que se pode esperar da investigação em medicamentos no curto, médio e longo prazo?
Não é possível desenvolver novos medicamentos, seguros e eficazes, em pouco tempo. A esperança, no curto prazo, é encontrar um medicamento já existente para outros fins que possa, além da sua ação principal, ter efeito contra o SARS-CoV-2. No médio e longo prazo, podem acontecer vários cenários, baseado no historial de outras pandemias. No caso da varíola, a mais mortal das pandemias da história da humanidade (300 milhões de mortes no total), foi desenvolvida uma vacina e a doença foi erradicada, no caso do sarampo (200 milhões de mortes no total), não foi encontrada medicação mas uma vacina controlou a transmissão do vírus a níveis residuais nas populações protegidas; no caso da gripe, em que, considerando apenas a variante da gripe de 1918, matou 50-100 milhões de pessoas, não foi conseguida uma vacina universal mas existem medicamentos que permitem combater a doença; com a SIDA (mais de 25 milhões de mortes até ao momento) tem-se passado algo semelhante: não foi conseguida ainda uma vacina mas temos sido bem sucedidos em gerações sucessivas de novos medicamentos contra o HIV. Todos os medicamentos foram resultado de um grande investimento em investigação científica após o surgimento dos respetivos vírus. O que vai acontecer? Ninguém sabe. Se soubéssemos não era investigação.