Há relatos de aflição, muita aflição, e há também quem esteja também muito zangado com toda a situação. “Tenho direitos e não estão a ser respeitados”, relata Manuela, chamemos-lhe assim, mulher na casa dos 60 anos, a quem foi diagnosticado um cancro peritoneal há um ano, obrigando-a a fazer quase todas as semanas mais de 200 quilómetros, duas horas e meia de caminho para vir a Lisboa receber o tratamento que precisa.
Acompanhada por uma equipa médica de um centro privado na capital, fez quimioterapia logo no início do tratamento, foi operada e retiraram-lhe praticamente todos os órgãos da zona abdominal e depois seguira-se novos tratamentos. Mas desde outubro que há uma medicação muito especial que lhe está vedada: “trata-se de um medicamento dirigido aos novos tumores, evitando a sua formação”, descrição simples do Bevacizumab, tratamento proposto e iniciado no princípio de outubro, cuja administração está associada a um outro (Paclitaxel), o primeiro duas vezes por mês e este semanalmente, com intervalo à quarta semana. A razão? Cada toma custa 2 mil euros e, desde o final do verão, que a sua comparticipação pela ADSE (sigla para Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, instituto criado em 1963 e que gere os serviços de saúde dos funcionários e reformados da Função Pública), está a ser recusada.
É público que se trata de um medicamento sujeito a autorização prévia – ou seja, é preciso que seja considerado a única opção em caso de complicações graves ou risco de vida. “Mas então deixar a doença progredir chama-se o quê?…”, questiona enquanto explica o efeito de cada um: enquanto o paclitaxel(quimioterápico) é o que ataca a doença, o bevecizumab é um medicamento que interfere no mecanismo da criação de novos vasos sanguínios, de que o tumor precisa para se desenvolver. Daí considerar que as razões que lhe foram apresentadas para esse acesso lhe estar a ser negado não serem muito claras. Na resposta que recebeu, há umas referências a “alternativas comparticipadas”, mas “não dizem quais”. A sua médica e a instituição em que trabalha continuam a insistir no pedido de autorização . “Mas dizem-me também que a ADSE está de costas voltadas.”
Este é só um dos muitos casos que, nas últimas semanas, viram o seu tratamento recusado – ou pelo menos interrompido – devido à recusa de comparticipação daquele subsistema de saúde. À VISÃO, vários outros grupos de saúde privados confirmam a prática – por exemplo, uma fonte próxima do grupo Luz Saúde garante que há pelo menos 10 a 15 outros doentes a passar pelo mesmo. “Desde o fim do verão que só estão a diferir pedidos de tratamento para o que está previsto no Serviço Nacional de Saúde, mas a medicação em causa estava autorizada para muitos que começaram os tratamentos em abril”, assegura a mesma fonte.
Perante tudo isto, a ADSE fez saber, por escrito, que “só pode comparticipar medicamentos para os quais exista decisão de financiamento pelo SNS.” Ainda assim, concede-se que, “na ausência desta decisão pelo SNS, pode haver uma autorização especial, designadamente quando haja risco imediato de vida ou de complicações graves para o doente.” E, lê-se ainda nessa comunicação, é por isso que “tem vindo a deferir os pedidos para medicamentos não comparticipados pelo SNS – ou fora de indicação aprovada na Europa para a patologia em causa – nas situações em que se trata de um tratamento iniciado antes das entrada em vigor das novas regras, e caso se verifique uma resposta positiva por parte do beneficiário.”
E isso é o que pode a valer a alguns doentes, acaba por revelar-nos a mesma fonte da Luz Saúde, a confirmar que, insistindo e voltando a insistir, já vai havendo casos em que a ADSE reverteu a decisão.