Se é dos que batem a porta, entram no carro, passam para o elevador, sentam-se à secretária, voltam a falhar as escadas e a entrar no carro e, em casa, sentam-se no sofá ao serão, provavelmente já se esqueceu de que tem glúteos. Convém lembrar-se: esses músculos que assentam todo o dia em cadeiras têm um papel importante na qualidade de vida – são os principais responsáveis pela impulsão e por movimentos de extensão e estabilização da anca. Não é, por isso, exagero falar em “síndrome do rabo morto” ou em amnésia glútea, como uma das consequências de passar o dia sentado. As outras – o risco de doença cardíaca aumenta em 64%, o de cancro da mama e da próstata sobe 30% e a predisposição para a diabetes cresce acentuadamente – já são mais conhecidas.
“A amnésia glútea não é mais do que a perda dos movimentos naturais desse músculo, a sua falta de força ou deficiente ativação”, explica Pedro Correia, especialista em Educação Física.
Lamentavelmente, não existem sintomas que alertem para este problema, porque os glúteos vão simplesmente adormecendo, deixando de cumprir as suas funções mais importantes. As nádegas não começam a doer, quando se dá por ela, já a aflição vai por ali abaixo, pela anca, passando pelo joelho e podendo até atingir o tornozelo. “A fraqueza do glúteo também tem sido associada a dor lombar crónica inespecífica”, avisa o especialista. Trata-se de um sintoma que nem sempre se liga à demissão deste grupo muscular. Luís Teixeira, ortopedista, presidente da Associação Nacional Spine Matters, explica melhor porque a morte do músculo do glúteo dá sinais nas costas. “Trata-se do processo de inibição recíproca, que ocorre quando uma contratura de um grupo muscular cria um estiramento no lado oposto da articulação. Ao longo do tempo, há uma inibição progressiva da contração devido a este desequilíbrio, ocorrendo dessensibilização, alongamento e diminuição da força de contração muscular. As alterações nos nadegueiros podem desencadear desequilíbrios a nível da pelve com aumento da obliquidade e stresse na coluna vertebral, podendo originar uma dor lombar incapacitante.”
Proteína para o músculo
A inibição do glúteo afeta negativamente o nosso desempenho diário e a força dos membros inferiores, o que deixa o corpo exposto a uma série de lesões. Helena Sanches, fisioterapeuta, dá muitas vezes por esta deficiência muscular quando diagnostica uma síndrome da banda iliotibial (a “dor do corredor”), que se manifesta frequentemente em pessoas que começam a praticar jogging de repente. “Quando se queixam de dores nas pernas, elas não se prendem com o exercício, mas sim com o facto de terem fraquezas nos estabilizadores”, nota. “Tudo se explica porque não fazem pausas de estarem sentadas nem alongam os músculos ao longo do dia”, lamenta.
O ortopedista Luís Teixeira lida com o mesmo tipo de problema, que atinge a maioria da população que se desloca de carro, passa o dia à secretária e a noite em frente à televisão. E, às vezes, ainda é pior quando se começa a fazer alguns desportos. “A natureza repetitiva de certos exercícios, como a corrida ou o ciclismo, pode provocar alguma rigidez nos flexores da anca, podendo perpetuar ainda mais o problema causado pela má postura. Devem, por isso, evitar-se longos períodos em posições estáticas, alternando esses momentos com alguns movimentos de ativação muscular ao longo do dia.”
Por vezes, nem temos noção de que a fatura será alta. No entanto, à medida que estamos mais sentados, de manhã à noite, perdemos flexibilidade, com consequências muito graves a nível do esqueleto, no futuro. Pedro Medeiros, personal trainer, adianta que o corpo “arranja ajustes para compensar a falta de mobilidade, claro, só que isso vai acabar por se refletir em tensões noutras zonas do corpo”. Também aconselha que a alimentação – saudável – seja rica em proteína (de acordo com as necessidades de cada um), porque ela ajuda a consolidar os músculos.
Luís Sardinha, investigador da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa, prefere centrar-se em opções mais práticas que evitem a morte dos glúteos, como as secretárias que permitem que se trabalhe ora de pé, ora sentado. Depois de uma experiência de um ano letivo na Escola Secundária Eça de Queirós, na capital, em que os alunos usaram essas elevações nas aulas, agora o mobiliário tornou-se normalidade na FMH. “Todos os funcionários as usam. Daqui a uns anos, sentiremos a diferença no nosso organismo”, garante. Pudera, está munido de uma série de estudos científicos que provam os malefícios de não fazer pausas da cadeira. O último aconteceu no laboratório da faculdade – chamaram um grupo de pessoas com mais de 65 anos e dividiram-no em dois: um passava o dia sentado, o outro de vez em quando interrompia essa inatividade. Quando mediram os respetivos índices de glicemia, verificaram que o segundo grupo apresentava um melhor controlo dos açúcares no sangue. “Não estar sentado até pode ser preventivo para não contrair diabetes”, conclui.
Depois de recordar que tem glúteos vai começar a evitar o elevador e o maple da sala?
Toca a acordá-los!
Há que fazer um trabalho específico, não só de mobilidade, mas de reforço muscular de todo o corpo. São pequenos gestos, mas ao entrarem na nossa rotina não deixam que os glúteos adormeçam
1 – Em vez de chamar o elevador, convoque os músculos das nádegas para o ajudar a subir as escadas até à secretária. É que vencer os degraus ou uma rampa obriga a um desequilíbrio que põe os glúteos em ação
2 – Aproveite a hora de almoço para dar uma volta a pé
3 – Duas a três vezes por semana, faça os quatro exercícios com maior impacto nos glúteos: agachamento, bridge (deitado no chão, com as pernas dobradas, suba a anca), lunge (com uma perna à frente da outra, agache alternadamente) e peso morto (agarre numa garrafa de água, por exemplo, e desça o tronco com as pernas ligeiramente fletidas)
4 – Durante o dia, vá contraindo os glúteos – isso permite uma reativação e a modificação da forma deste grupo muscular
5 – Antes de ir para a cama, alongue-se: puxe os joelhos ao peito e depois ponha-se em posição de cadeira, cruzando uma perna sobre a outra