Luísa Schmidt, vencedora do Prémio Verde VISÃO + AdP na categoria de Personalidade, ex aequo com Nuno Maulide, é socióloga especialista nas áreas da comunicação e do ambiente, doutorada pelo ISCTE jornalista, professora e investigadora principal do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Luísa integrou o grupo de investigadores que criou e montou em 1996 o OBSERVA – Observatório de Ambiente, Território e Sociedade, e é membro do CNADS (Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável).
Escreveu 19 livros e recebeu mais de duas dezenas de prémios e é uma referência e inspiração para várias gerações nos temas ambientais, assinando no jornal Expresso a coluna “Qualidade Devida” há 32 anos.
Acompanha as questões do Ambiente há mais de 30 anos. Quais eram as grandes preocupações quando começou a seguir o tema?
Quando comecei a escrever sobre ambiente no início dos anos 1990, os grandes problemas eram a falta de saneamento básico urbano e industrial, com tremendas consequências para a poluição das águas dos rios, das albufeiras e das áreas costeiras, assim como as centenas de lixeiras a céu aberto que proliferavam pelo país afetando solos, águas e populações. Muitos dos fundos comunitários que chegaram ao país no período pós-adesão à Comunidade Europeia foram desperdiçados em ETAR que nunca funcionaram, outras mal dimensionadas, outras que nunca se ligaram às indústrias, ou em supostos aterros que afinal não passavam de lixeiras… Enfim, um escândalo, um desperdício e uma vergonha.
Onde é que Portugal mais evoluiu, em termos ambientais?
A agenda mais avançada está no setor da água e no modo como nos últimos 15, 20 anos se conseguiu fornecer água própria para consumo à totalidade dos portugueses. Também na área dos resíduos urbanos, o País teve avanços assinaláveis no sistema da separação e respetiva reciclagem, apesar de precisar de fazer muito mais, pois as exigências hoje são muito maiores.
E onde é que ainda temos um grande caminho a percorrer?
No que respeita às áreas protegidas, Rede Natura 2000 e conservação da natureza, o processo de estagnação e até mesmo de retrocesso tem sido tristemente notável. Ao cabo de tantos anos, ainda não se conseguiu envolver as populações, estudar o potencial científico destas áreas e criar uma dinâmica sustentável de conservação da natureza e da biodiversidade. Sem meios técnicos e financeiros, sem projetos mobilizadores dos agentes locais, sem uma estratégia de simples divulgação e sobretudo sem liderança, estas preciosas áreas têm vindo a ser reduzidas a uma intolerável insignificância. Outros problemas ambientais que revelam uma inquietante persistência são a ocupação urbanística das zonas costeiras, a suburbanização imparável com o consequente aumento do transporte rodoviário privado, e o desordenamento florestal com a ausência de cadastro.
A crise financeira, depois a pandemia, agora a guerra. O ambiente em geral e as alterações climáticas em particular serão sempre uma preocupação secundária?
As crises são sempre obsessivas ocupando a atenção pública que, como sabemos, é um recurso escasso. Mas a verdade é que a crise ambiental não saiu da agenda: com a pandemia ficaram claros os excessos de exploração sobre a Natureza e ao mesmo tempo criou-se uma necessidade crescente dos espaços naturais. A guerra na Ucrânia veio reconfigurar de facto o campo do ambiente e das agendas noticiosas, tornando-se prioritária e secundarizando tudo o resto. Mas, infelizmente, trouxe ‘velhas’ questões ambientais como a ameaça apocalítica do inferno nuclear e, ao mesmo tempo, evidenciou a urgência da transição energética e da descarbonização, bem como da segurança de produção e abastecimento alimentares, alertando a sociedade civil para estes problemas
Quão otimista está que o mundo será capaz de cumprir o Acordo de Paris ou pelo menos de reduzir as emissões de forma a evitar males maiores?
Temos hoje tecnologia que permite avançar mais rápida e eficazmente na descarbonização; temos poderes locais, regionais e até empresariais empenhados no assunto; temos acima de tudo uma sociedade civil cada vez mais atenta e preocupada com os impactos das alterações climáticas, com destaque para as gerações mais novas, que estão verdadeiramente empenhadas em combater as alterações climáticas e em pressionar os decisores políticos para que o façam… É disto que tudo depende, e também da capacidade de os media vencerem as estratégias de manipulação do ‘greenwashing’, que não pararam de ganhar sofisticação e força e a que muito bom jornalismo se tem oposto com heroísmo. E depois há sempre a esperança, e essa não morre nunca.
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