Faz agora dois anos que ardeu um quarto do Parque Natural da Serra da Estrela, naquele que foi o sexto maior incêndio ocorrido em Portugal desde que há registos. Da maior área protegida nacional foram reduzidos a cinzas 28 mil hectares. Em resposta à tragédia, no início deste ano o Governo cessante aprovou o Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, dotando-o de 155 milhões de euros, montante que deveria destinar-se à recuperação do Parque Natural dos incêndios de 2022.
A realidade, porém, parece ter pouco a ver com o restauro ecológico necessário. Na apresentação pública do Programa de Revitalização do Parque Natural da Serra da Estrela, um dos autarcas locais dava os seguintes exemplos de investimentos a realizar: as obras da segunda fase do hospital da Guarda, a conclusão das obras da Linha da Beira Alta, a reabertura do Hotel Turismo e uma ligação a Coimbra através da concretização do IC7. Não será, assim, de estranhar que o movimento associativo já tenha manifestado a sua preocupação relativamente ao facto de a regeneração do território não constituir uma prioridade no plano de ação desenhado pelas autarquias locais.
Para além da óbvia falta de envolvimento da sociedade civil, também parecem não ter sido ouvidas as entidades que deveriam ter uma visão e uma palavra sobre o ordenamento do território e a gestão dos Parques Naturais. Será possível que a tutela não tenha uma visão para as áreas protegidas nacionais?
A Serra da Estrela sofre há décadas de interferências autárquicas, sendo hoje o estado de conservação dos seus habitats e espécies pior do que quando o parque foi criado, em 1976. Ainda assim, o Parque Natural da Serra da Estrela continua a reunir condições únicas para ser um exemplo de conservação e economia verde, no exigente contexto dos compromissos nacionais assumidos ao abrigo do Pacto Ecológico Europeu e da Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas.
Portugal está comprometido com a conservação de 30% dos seus solos e oceanos, até 2030. Para que tal aconteça, são necessárias uma visão e uma estratégia claras de conservação, mas sobretudo a implementação ambiciosa e participada de um Plano de Ação Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade. Não basta haver áreas protegidas, é necessário assegurar a sua gestão permanente.
Dando um exemplo a sul de ausência de liderança e capacidade de gestão, é incompreensível que no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina se sinta cada vez mais a pressão da agricultura intensiva e a praga das casas pré-fabricadas (ou tiny houses), instaladas off-grid por toda a parte em terrenos rústicos, sem licença de habitação – e com elevados impactos na paisagem, nos ecossistemas e, já agora, no Estado de Direito.
Regressando ao Parque Natural da Serra da Estrela, mais do que das anunciadas obras de alcatrão e betão, o que urge são soluções de base natural para a sua regeneração duradoura, é a preservação dos seus serviços de ecossistema – água, solos, carbono e biodiversidade. A título de exemplo, através da devolução à serra dos cavalos selvagens, dos auroques, e das cabras-montesas, para que estes consigam desempenhar o seu papel no ecossistema e ajudem a controlar a matéria fina vegetal – para que esta não se acumule, à espera do próximo verão quente.
E para que a serra atue como esponja e armazene água são necessárias florestas maduras. Mas, claro, estas não aparecem do dia para a noite, são o resultado de processos longos e complexos. É necessário dar tempo à natureza – em vez de injetar 155 milhões de euros em receitas gastas, à espera de resultados diferentes.
O capital natural é um património que pedimos emprestado às gerações futuras. Haja coragem para se implementar uma ambiciosa política nacional de gestão de áreas protegidas – fazendo do Parque Natural da Serra da Estrela um exemplo a seguir e, porque não, um caso de estudo mundial de conservação da natureza e de economia verdadeiramente verde.