Um documento de trabalho da Comissão Europeia (CE) conclui que a energia nuclear é importante para acelerar a descarbonização, ajudando a reduzir as emissões de dióxido de carbono da produção de eletricidade. A proposta estabelece os critérios para que tanto o nuclear como o gás natural sejam considerados energia ‘verde’. No caso do nuclear, a grande maioria das centrais modernas cumpre os critérios exigidos.
O rascunho de 60 páginas, assinado pela presidente da CE, Ursula von der Leyen, e que será discutido ainda este mês, cita um relatório técnico encomendado ao Centro Comum de Investigação (JRC, na sigla internacional, o organismo de investigação e aconselhamento científico da União Europeia). “A energia nuclear pode dar uma contribuição substancial para a mitigação das mudanças climáticas, não causando danos significativos aos outros quatro objetivos do Regulamento da Taxonomia, desde que atenda às propostas técnicas dos critérios de seleção”.
O relatório, a que a VISÃO teve acesso, acrescenta ainda que, com a tecnologia moderna, a deposição de resíduos nucleares é segura. “Os repositórios geológicos profundos podem ser considerados – no estado de conhecimento atual – meios adequados e seguros de isolar o combustível irradiado e outros resíduos radioativos (…) por escalas de tempo muito longas”. Além disso, “onde e quando os impactos ambientais são potencialmente prejudiciais, podem ser implementadas medidas apropriadas para prevenir os impactos ou para mitigar suas consequências, usando tecnologia existente”.
É ainda dito que “o impacto do ciclo de vida completo da energia nuclear, incluindo o fim do ciclo do combustível nuclear, para os humanos e o ambiente, permanece abaixo dos níveis prejudiciais”.
Gás também pode ser sustentável
A produção de eletricidade a partir da energia nuclear não emite gases com efeito de estufa. Esse argumento tem sido utilizado por um grupo de países defensores do nuclear, liderado pela França (que produz 70% da sua eletricidade nas suas centrais nucleares), para incluir esta fonte energética na “taxonomia das finanças sustentáveis”. Isto significa que, a ser aprovada esta propsta, o nuclear que preencha os requisitos – e que na prática são todas as centrais modernas – será considerada energia “verde”, equiparada a fontes renováveis como a eólica, a solar e a hídrica, podendo passar a ter acesso aos subsídios para investimentos sustentáveis.
O objetivo da taxonomia é listar as atividades que podem ser consideradas uma solução para a transição energética, de modo a restringir o acesso a apoios e a impedir que empresas rotulem certos investimentos como “verdes” – o chamado greenwashing.
A proposta da CE lembra que 75% das emissões da UE têm origem no setor energético, pelo que é essencial reduzir as emissões da produção de eletricidade. Mas acrescenta que, “apesar do seu potencial para contribuir para a descarbonização da economia, os setores do gás natural e do nuclear não estão incluídos no Regulamento Delegado 2021/2139. Este regulamento enumera os “critérios técnicos de avaliação para determinar em que condições uma atividade económica é qualificada como contribuindo substancialmente para a mitigação das alterações climáticas ou para a adaptação às alterações climáticas” e estabelece “se essa atividade económica não prejudica significativamente o cumprimento de nenhum dos outros objetivos ambientais”.
As centrais a gás natural também são visadas no documento, podendo, sob determinadas circunstâncias, serem consideradas sustentáveis. Por exemplo, não devem emitir mais de 270 gramas de dióxido de carbono equivalente por cada kWh (kilowatt hora) de eletricidade produzido e terão de ter licença de construção até 31 de dezembro de 2030. No caso das centrais nucleares, o prazo é 2045.
A oposição portuguesa
Portugal tem sido dos Estados mais ativos, na UE, contra o nuclear. Ainda o mês passado, na Cimeira do Clima, em Glasgow, o ministro português do Ambiente e da Ação Climática foi um dos quatro ministros que assinaram um documento conjunto contra a energia nuclear como opção sustentável, para impedir a sua integração na taxonomia da União Europeia. Na declaração que acompanhou a assinatura, João Pedro Matos Fernandes e as suas congéneres da Alemanha, Áustria e Luxemburgo disseram considerar a energia nuclear “demasiado cara, demasiado perigosa e demasiado lenta” para ser uma opção na descarbonização.
“Não queremos definir as políticas dos outros países, mas consideramos que o orçamento da UE não deve ir nunca para o nuclear”, disse na altura o ministro português do Ambiente e da Ação Climática. “O dinheiro que se põe no nuclear é dinheiro que não vai para as energias renováveis. É, por isso, importante que fique de fora da taxonomia europeia.”
A nova ministra do Ambiente da Alemanha, Steffi Lemke, já veio criticar a proposta, apelidando-a de “absolutamente errada”, afirmando que a energia nuclear pode provocar desastres ambientais devastadores. A Alemanha, durante décadas um dos países com maior produção de eletricidade a partir do nuclear, vai encerrar as três centrais ainda ativas até ao final deste ano.
Entre os países que têm lutado a favor do nuclear encontram-se, além da França, Bulgária, Croácia, Chéquia, Eslováquia, Eslovénia, Finlândia, Hungria, Polónia e Roménia. Mais de um quarto da eletricidade produzida na UE vem de fontes nucleares.
Depois de ser aprovada, a lei entra em vigor daqui a um ano, a 1 de janeiro de 2023.