Ele foi um compromisso para acabar com a desflorestação durante esta década; outro para cortar um terço do metano; outro para eliminar o carvão; outro ainda para o setor financeiro financiar a transição energética. Um início em grande da COP26, em Glasgow, emoldurado por dois relatórios que estimaram um aumento de temperatura até ao fim do século em 1,8 ºC e 1,9 ºC, cumprindo-se as novas promessas. Não é ainda o desejado aumento de 1,5 ºC, definido no Acordo de Paris, mas é muito melhor do que os 2,7 ºC que se previam, antes de a COP começar.
Entretanto, já na segunda semana, anuncia-se o fim dos carros a combustão (em 2035 nos países mais ricos, em 2040 nos menos ricos); uma coligação para acabar com as novas explorações de gás e petróleo; uma declaração para excluir a energia nuclear do caminho para a descarbonização.
Cereja no topo do bolo: um primeiro rascunho da decisão ainda não fala da eliminação dos combustíveis fósseis, mas ao menos já refere, ainda que timidamente, o fim progressivo dos subsídios ao petróleo e ao gás.
Os líderes sorriem para as câmaras e congratulam-se entre eles. “Estamos a ir no sentido certo! Confiem em nós! O pessimismo foi exagerado!”
Mas, subtilmente, vão surgindo aqui e ali alguns sinais de que talvez as coisas não estejam a correr tão bem como nos venderam. Um relatório da Climate Action Tracker fez soar os primeiros alarmes, ao apontar para uma subida de temperatura de 2,4 ºC, se levarmos em conta apenas os compromissos de curto prazo (o aumento desce para 1,8 ºC, com as promessas de longo prazo, mas a organização considera-as pouco credíveis).
Chegados ao penúltimo dia da cimeira do clima, que termina amanhã, 12 (ainda que o prolongamento seja quase certo), uma nuvem pesada começou a abater-se sobre o SEC Centre de Glasgow, quando o porta-voz de uma coligação de 22 países em desenvolvimento, que inclui a China e a Índia, avisou que tinha pedido à presidência da COP para remover completamente do rascunho a secção relativa à mitigação.
Entretanto, declarações do presidente da COP26 do secretário-geral da ONU vieram dar novas pistas de que as negociações podem estar a sair dos carris. “Quero ser muito claro: ainda não estamos lá nos temas mais críticos. Há muito trabalho a fazer”, avisou Alok Shorma. “A um dia do final da COP26, não podemos nos contentar com o menor denominador comum de ação climática. Apelo a todos os países para aumentarem a ambição na mitigação, na adaptação e nas finanças”, escreveu António Guterres, no Twitter.
Nos corredores da cimeira, diz-se que a Arábia Saudita está a tentar boicotar as negociações, levantando objeção atrás de objeção. A Rússia e a Austrália também não deverão deixar passar sem luta a referência ao fim do carvão e dos subsídios do gás e do petróleo. Alguns delegados já avisaram que estão a ser dados “toques” na secção da mitigação, para a tornar mais “equilibrada”. Tradução: para lhe tirar força.
Ainda tudo se pode resolver nas últimas horas. Mas já uma vez isso deu em disparate: na COP15 (Copenhaga, 2009), Barack Obama chegou mesmo no fim para assinar um acordo bilateral vago com o grupo dos BASIC (China, da Índia, do Brasil e da África do Sul), ignorando a ONU, deixando todos os outros países furiosos e matando efetivamente a cimeira, que passou à História como o maior flop da diplomacia climática.
Sim, é verdade que já foram assinados muitos acordos. Mas são todos tratados paralelos, com uma fração do peso institucional de uma resolução conjunta oficial dos 197 membros da ONU.
O BOGA (acrónimo inglês para “aliança além do petróleo e do gás”, que promete acabar com as novas licenças para exploração destes dois combustíveis), foi lançado por um grupo de oito países. O pacto para o metano deixou de fora a China, que é responsável por 27% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa, e ainda os gigantes Índia e Rússia. As letras pequeninas do tratado do carvão apontam para uma eliminação deste combustível fóssil nas décadas de 2030 e 2040, e não até 2030 ou 2040 – e hoje a Polónia, que assinou, já veio avisar que vai mesmo até ao final do prazo, não abandonando o carvão antes de 2049.
O acordo antinuclear, por outro lado, vai contra as recomendações de centenas de cientistas, que consideram esta fonte de energia essencial para reduzir rapidamente as emissões.
Já o Brasil parece estar a aceitar tudo de olhos fechados, incluindo o documento da desflorestação, deixando muita gente desconfiada da seriedade do governo de Bolsonaro, que há anos dá indicações no sentido contrário.
Finalmente, os EUA e a China assinaram, para surpresa de muitos, um acordo bilateral que parece ser um bom presságio, atendendo às péssimas relações entre eles, mas o documento é vago e não tem medidas concretas.
E há ainda que levar em conta que tudo isto são promessas, e muitas delas a longuíssimo prazo. A Índia aponta a neutralidade carbónica para 2070, quando a hoje adolescente Greta Thunberg já terá 67 anos.
Mas é provável que, quando os trabalhos chegarem ao fim, e a resolução da COP26 ficar aquém do que se esperava, estes tratados curtos e limitados sirvam para nos convencer que a cimeira foi um sucesso.
Não nos podemos deixar enganar.