“Chega de blá blá blá”, repetiu, e bem, a ativista sueca Greta Thunberg, durante a manifestação em Glasgow que uniu dezenas de milhares de pessoas para protestar contra a inação dos líderes políticos no combate às alterações climáticas. A acusação tem toda a razão de ser. É um facto que os países de todo o mundo continuam a marcar passo, com mais retórica do que ação. Antes de começar a cimeira do clima, os planos de mitigação em cima da mesa, apresentados como grandes avanços pelos governos, levavam o aquecimento da temperatura média global muito para lá do que foi assumido há seis anos, no Acordo de Paris – em vez de 1,5 ºC, o planeta encaminhava-se para 2,7 ºC, o que teria impactos destrutivos para centenas de milhões de pessoas.
Mas os despojos da manifestação também deixam a nu a hipocrisia que reina no coração de muitos ativistas. Dias depois dos protestos, lixo com cartazes e outros resquícios da marcha pelo clima, ironicamente amontoado por baixo de cartazes com a nova máxima ambientalista – “blá blá blá” , recorda-nos que muitas vezes é mais fácil olhar para fora do que para dentro.
É verdade que estava a chover, o que transformou vários cartazes de cartão numa pasta disforme. É verdade que Glasgow se tem debatido com problemas na recolha de resíduos, pelo que muitos caixotes estavam cheios. Mas os manifestantes não podiam ter levado o lixo consigo? A alternativa era atirar tudo para o chão? Não podiam praticar alguma da pureza ecológica que exigem aos outros?
Quando fotografei o monte de lixo, numa rua do centro de Glasgow a poucas centenas de metros da COP26, a primeira coisa de que me lembrei foi de dois estudos relativamente recentes, baseados em inquéritos, que demonstravam que as pessoas que praticam pequenos gestos em prol do ambiente estão menos dispostas do que quem não faz nada a pagar impostos ambientais – medidas com um impacto positivo incomparavelmente maior, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. A ideia é: “Eu já faço a minha (pequena) parte, os outros que paguem.”
Aqui, parece ser a mesma coisa: “Vim a Glasgow lutar por um mundo melhor. Já fiz a minha parte e vou dormir descansado à noite. Os outros que apanhem o que eu atirei para o chão.” Ou pior: “Estou a lutar por grandes causas, para salvar o planeta. Para que é que haveria de me preocupar com o comezinho, como o meu lixo?”
A mudança começa em cada um de nós. Mas se até as pessoas mais motivadas para lutar por um mundo melhor se esquecem disto, que esperança podemos ter de que vai ficar tudo bem?