É uma evidência para todos que viver em espaços urbanos com uma boa qualidade ambiental é um sinal de progresso, que está proporcionalmente ligado a bons resultados em indicadores na saúde, bem-estar e felicidade.
Neste capítulo, são várias as organizações que nos têm alertado e tornado evidente a perigosidade da poluição e os seus efeitos na saúde, como se veio provar recentemente com a pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que nove em cada dez pessoas no mundo respiram ar com altos níveis de poluição atmosférica. Em 2017, estimou-se que a poluição ambiental tenha provocado a morte prematura a 5 milhões de pessoas, sendo que o último relatório, de fevereiro deste ano, avançou com 9 milhões/ano, por doenças cardiovasculares, enfartes, infeções respiratórias, cancro, diabetes e outras. Outro aspeto, é a perda da aptidão agrícola dos solos pela falta de água, pelo que, entre 2030 e 2050, se estima que as alterações climáticas causem adicionalmente 250 mil mortes prematuras por ano, devido à subnutrição, malária, diarreia, desidratação e stress por calor. Neste momento, morrem anualmente cerca de 500 mil crianças abaixo dos 5 anos, por doenças provocadas por falta de água potável.
Já́ os desastres naturais provocados pelas alterações climáticas matam em média 60 mil pessoas por ano e têm provocado a massificação de refugiados climáticos. Sendo que, em 2019, cerca de 22 milhões de pessoas em todo o mundo foram obrigadas a deixar as suas terras devido a catástrofes naturais, provocadas pelas alterações climáticas.
Todos estes eventos climáticos extremos, têm impactos socioeconómicos brutais, sendo muitos deles considerados custos e perdas, por inação. Segundo o World Economic Forum, se acrescentarmos às catástrofes climáticas o stress económico, os custos rondaram, entre 2011 e 2020, 2,5 triliões de dólares. Em Portugal, entre 1980 e 2019, as perdas provocadas pelos desastres climáticos chegam aos 7,6 mil milhões de euros e mais de 3 mil vidas perdidas.
É perante este cenário que a União Europeia adotou o silencioso Plano de Ação para a Poluição Zero, enquadrado na estratégia do Pacto Ecológico Europeu, com o título “Rumo à poluição zero no ar, na água e no solo”.
Apesar de pouco falado, este plano consiste em reduzir a poluição atmosférica, da água e do solo para níveis que deixem de ser considerados nocivos para a saúde e para os ecossistemas naturais, respeitando os limites a que o nosso planeta pode fazer face, criando assim um ambiente sem substâncias tóxicas. Com metas bem específicas já para 2030, como por exemplo reduzir em 55% o número de mortes prematuras causadas pela poluição atmosférica, ou diminuir em 50% a produção de resíduos urbanos finais, tem como objetivo de futuro atingirmos em 2050 o nível de poluição zero.
Este plano reforçou ainda a importância do programa 100 cidades na Missão da UE, Cidades com Impacto Neutro no Clima e Inteligentes até 2030, do qual se destacam as cidades portuguesas Lisboa, Porto e Guimarães, recentemente incluídas neste programa, com 377 candidatas, e que beneficiarão de um total de 360 milhões de euros, entre 2022 e 2023. Estas três cidades, tal como este programa, referidas no meu livro “A Missão das Cidades no combate às alterações climáticas: A Governança Multinível para o êxito da Saúde Planetária”, são e serão inspiradoras e excelentes exemplos para as restantes cidades europeias, que querem e devem atingir a neutralidade climática em contexto urbano até 2050. Uma meta difícil e só possível de alcançar com financiamento e também com políticas ambientais nacionais e europeias condicentes com os objetivos.
Uma das ações desta “missão”, iniciada em setembro de 2020, designada por 100 Climate-neutral Cities by 2030 – By and for the Citizens, é avançar com todos os aspetos de participação ativa integrada, de cooperação multilateral e governança multinível, através de um Climate City Contract, acompanhado pela plataforma www.netzerocities.eu, permitindo uma monitorização e avaliação de indicadores de desempenho ambiental, bem como um compromisso de metas e objetivos, com o envolvimento de todos os stakeholders e um contributo real e oficial para a neutralidade climática nestas 100 cidades até 2030, com base no processo antecedente do Global Covenant of Mayors. Com este propósito, o primeiro passo é medir. Mas para medir é preciso saber o quê e ter indicadores universais mensuráveis e comparáveis entre cidades, regiões e países. Neste momento, este é o principal desafio que os estados devem urgentemente ultrapassar. Quais são os principais indicadores de desempenho ambiental, que a par de outros indicadores económicos, sociais e demográficos podem ser objeto de comparação, a fim de medir o desempenho ambiental das cidades e das regiões? Ou seja, uma taxonomia de indicadores verdes, para o desenvolvimento sustentável.
Nesta matéria, o setor financeiro, o mercado segurador e algumas das grandes empresas multinacionais têm dado passos muito mais significativos que os Estados e os Municípios, muito por força do Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE), dos Mercados Voluntários de Carbono e por implementação das medidas ESG (environmental, social, and corporate governance).
Definida a bateria de indicadores ambientais, todo um “mundo novo” se abrirá para o desenvolvimento e a aplicação de políticas que venham a criar medidas de incentivo para o território, que vão desde o financiamento aos Municípios com melhor performance ambiental, comparando com um ano de referência, a remuneração dos ecossistemas numa lógica redistributiva de recursos financeiros e internalização dos seus benefícios, a implementação de politicas de fiscalidade verde municipal, dando uso aos Fundos Municipais de Sustentabilidade Ambiental e Urbanística, entre outros.
Para uma boa gestão integrada do território (holística, transversal, inclusiva, sustentável e resiliente), aplica-se igualmente a frase usada no mundo dos negócios: «Não se gere o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há́ sucesso no que não se gere», miticamente atribuída ao estatístico americano William Edwards Deming.
Portanto o êxito da Saúde Planetária está no que gerirmos localmente, traçando o caminho dessa gestão sustentável.