A História explica foi a resposta de António Costa, no debate a nove da RTP, quando questionado sobre o porquê de Portugal ter sido ultrapassado pela maioria dos países que aderiram à União Europeia mais tarde e com níveis de pobreza mais elevados e economias mais debilitadas, já que acabavam de se libertar do domínio soviético. Desempenhando António Costa cargos públicos há 40 anos, esperava-se uma resposta ligeiramente mais elaborada, ainda que esse seja um debate sistematicamente adiado ou abordado com truques de ilusionismo.
Vejamos o que me parece que a História explica:
– Primeiro, que os países com democracias mais robustas e modelos de desenvolvimento mais sustentáveis têm um ecossistema de think tanks ativo e atuante, que apoia a construção das políticas públicas, algo que não acontece em Portugal. Apesar de tudo, Guterres teve o seu momento com a iniciativa Estados Gerais – e sem o poder nem a liberdade orçamental de António Costa. Também a União Europeia tem vindo a promover a iniciativa Conference of the Future of Europe. Não seria difícil seguirmos-lhe o exemplo, adotarmos modelos de governação mais inteligentes e colaborativos, tirando partido da transformação e literacia digitais atuais;
– Segundo, que a administração pública e os titulares de cargos públicos precisam de (muita) formação e de ser escolhidos com base no mérito, não em relações pessoais, familiares ou partidárias, como acontece tão frequentemente em Portugal;
– Terceiro, que urge um novo contrato social para o século XXI e que as crises são excelentes momentos para acelerar transições. As crises do subprime e das dívidas soberanas, de 2008 e 2011, foram uma oportunidade perdida para acelerar a transição para uma Europa e um mundo mais sustentáveis do ponto de vista social e ambiental. Temos, agora, menos de uma década para atingir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, bem como as metas do Acordo de Paris sobre o clima e do Pacto Ecológico Europeu. Como alertava António Guterres, esta semana, na abertura da conferência anual do World Economic Forum de Davos, se nada fizermos, as emissões globais de gases com efeito de estufa deverão aumentar 14% até 2030 – sendo que a meta que é necessário atingirmos, até 2030, é uma redução superior a 45%. Acresce que os países desenvolvidos têm uma taxa de vacinação Covid-19 sete vezes superior à dos países em desenvolvimento e que as dez pessoas mais ricas do mundo têm hoje o dobro da riqueza que tinham antes da pandemia – sendo, atualmente, seis vezes mais ricas do que os 3,1 mil milhões de pessoas mais pobres do mundo. Em Portugal, após as eleições, é urgente uma ecogeringonça, capaz de repensar o nosso modelo de crescimento, de o dotar de maior competitividade e sustentabilidade – algo que deveria ter acontecido a montante do Plano de Recuperação e Resiliência em curso;
– Quarto, que para construirmos um novo contrato social e acelerarmos a transição para a sustentabilidade, precisamos de mais colaboração e moderação na governação, de uma cultura de diálogo, ou seja, o contrário da lógica atual – em que tudo ou é indiferente ou extremamente;
– Quinto, que o PIB é uma medida demasiado pobre para medir desenvolvimento e que a inovação e o reforço da União Europeia são o caminho;
– E, sexto, que os partidos que detêm o poder absoluto e precisam dele para governar são perigosos e não merecem o nosso voto. Se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Aliás, uma das boas surpresas destas eleições tem sido a pluralidade de propostas claras e alternativas.
Em jeito de conclusão, o que a História explica é que cabia ao primeiro-ministro liderar esse debate. Ou seja, num contexto de enormes desafios macroeconómicos, democráticos, demográficos, ecológicos, sociais e geopolíticos, que país queremos e podemos ser?