Pela primeira vez foi apurado o número total de represas no Douro: 1201 só no lado português. A Rede Douro Vivo apela a que não se construam novas barragens, alertando para a insustentabilidade da energia hídrica. Ainda assim, anunciam “santuários” de biodiversidade que resistem nos afluentes do Douro português.
Com todas estas barreiras, 57 das quais grandes barragens, o rio fica impedido de cumprir os “serviços do ecossistema”, como a limpeza da água, o transporte de sedimentos e de oxigénio e a manutenção da biodiversidade que dele se alimenta, diz o estudo do grupo de ambientalistas e investigadores que forma a Rede Douro Vivo. Mais barreiras implicam menos animais, água de menor qualidade e menos areia nas praias, o que faz aumentar a erosão costeira.
Com o inventário feito por imagem aérea e de satélite e reconhecimento de campo ao longo de dois anos, identificou-se que 25% das barreiras estão “abandonadas”. O estudo identificou 165 estruturas urgentes para remoção, as prioritárias nos rios Tâmega, Coa, Arda e Tuela.
Mas nem tudo são más notícias: segundo o porta-voz do estudo, Ricardo Próspero, “os focos de resistência estão em Portugal”. A maior riqueza de espécies nativas e de espécies ameaçadas de peixe está no lado português do Douro – autênticos “santuários, oásis de biodiversidade que resistem à perturbação humana”. Com a criação de nova cartografia do Douro, os investigadores identificaram um maior impacto negativo nas zonas do rio do interior e de Espanha, onde há mais grandes barragens.
Habitats à beira-rio ameaçados
Embora tenham sido encontrados “santuários”, há neles espécies em perigo de extinção, como a truta-marisca, o mexilhão do rio e a toupeira d’água. A fauna à beira-rio, dos pequenos insetos às raposas e às águias, é vítima colateral da perda de conectividade causada pelas barreiras, que já fez extinguir o esturjão em Portugal.
Presente na apresentação do estudo, esta quinta-feira, 23, a investigadora do Instituto Politécnico de Bragança Ana Geraldes explica que “o rio é muito mais do que o caudal por onde passa”. A importância de pequenos insetos para um rio como o Douro pode ser desvalorizada, mas a co-autora do estudo revela que a “deterioração da biodiversidade afeta a qualidade da água”.
Outro fator com grande impacto na água dos rios são as “cargas poluentes excessivas” libertadas pela indústria agrícola. A mesma água que, retida nas barragens, abastece as cidades e produz energia.
Água, fonte renovável, mas “insustentável“
Apesar de ser uma fonte de energia renovável, a água é, segundo os ambientalistas, um meio insustentável. O investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Rui Cortes, levanta a questão das fortes emissões de metano, grandes protagonistas do aquecimento global, nas barragens.
As barragens são a principal fonte de energia renovável em Portugal, à frente das eólicas. Segundo a REN, a produção de energia renovável no primeiro semestre de 2020 representou 65% do consumo, com a energia hidroelétrica a liderar (com 31%, seguida pela eólica, a 24%).
Afonso do Ó, da ANF/WFF, nota que “fazer mais barragens não vai fazer mais água”; pelo contrário, “o excesso de procura”, de fragmentação dos rios, “quando a oferta é a chuva de sempre”, pode levar a uma perda de água irrecuperável.
“A nível mundial, os sistemas de água doce são os mais ameaçados”, considera Duarte Gonçalves, investigador da Universidade do Porto – apesar de dois terços da Terra estarem cobertos de água, apenas 3% dela é água doce, consumível, e dessa, só 0,1% está acessível através dos rios. Uma das razões apontadas é a falta de informação, e prova disso é que “ainda hoje se encontram espécies desconhecidas no Douro”, diz o investigador.
Soluções existem, mas precisam de empurrão “político”
Entre as conclusões agridoces, a Rede Douro Vivo apresenta soluções para a manutenção da qualidade da água da bacia do Douro. O principal apelo é para que não se construam novas barragens e que se removam as barreiras “obsoletas”.
Esta remoção já está prevista no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Douro, cuja execução “ainda é muito reduzida” face aos parâmetros europeus, segundo os ambientalistas, que consideram que “falta um impulso político necessário para dar prioridade à sua implementação”.
Outra solução apresentada pela Rede Douro Vivo é a implementação do estatuto jurídico de proteção permanente em certas áreas para permitir a manutenção dos “oásis” de biodiversidade, com “efeitos rio abaixo”. Defende ainda a extensão do Parque Natural de Montesinho, para fortalecer o rio Douro e os afluentes Tua e Tuela.
O Douro é o terceiro rio mais longo da Península Ibérica. Nasce na serra de Urbion, em Espanha, e percorre 957 quilómetros até encontrar o Atlântico, no Porto. Pelo caminho, alimenta uma rede de afluentes que ocupa 97,4 mil quilómetros quadrados. Só cerca de um quinto desta bacia hidrográfica pertence a Portugal. A área espanhola beneficia de pesquisa “muito mais avançada”, dizem os ambientalistas.
Rui Cortes, investigador do estudo e membro do Conselho Nacional da Água, admitiu que o órgão de consulta do Governo tinha em vista um levantamento das barreiras do Douro há cerca de quatro anos, mas o estudo “ficou na gaveta”.
O estudo apresentado esta semana pela Rede Douro Vivo tem em vista “dar início político e social ao movimento de preservação das massas de água” e será enviado ao Governo.
A Rede Douro Vivo é composta pela associação ambientalista GEOTA em parceria com a ANF/WWF e investigadores das universidades do Porto e Coimbra, da Nova de Lisboa, de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Instituto Politécnico de Bragança, bem como a Rede INDUCAR.