É perante o nosso olhar incrédulo que aquele pedaço de esponja, que ainda há pouco impedia um ecrã de bater na caixa de cartão em que geralmente é armazenado, se desfaz dentro de uma garrafa de água. Luís Ferreira sorri e pergunta, em jeito de provocação: “Podem beber a água. Querem?” Recusamos, sem certezas de que seja boa ideia. “É amido de milho. Começámos a pensar em como substituir esta espécie de esponja, feita com base de petróleo, e chegámos aqui. É um biomaterial domesticamente compostável, feito de resíduos que não serviriam para mais nada”, esclarece o responsável pela equipa de embalagens da Bosch. Estamos num dos edifícios da marca, em Ovar, a tentar perceber o que, nos últimos dois anos, anda a fazer esta equipa que já contribuiu para mais de 200 projetos de embalagens em todo o mundo, criando produtos que evitam a utilização de materiais derivados do petróleo, na esperança de fazer a transição para materiais 100% biológicos, compostáveis e biodegradáveis, em ambiente doméstico e industrial.
É o caso dos moldes para os quais olhamos de seguida, produzidos com um material chamado paper foam e que, neste caso, utiliza milho e fibras de celulose. Tudo produtos naturais que sofrem apenas processos de transformação química, o que lhes permite serem sustentáveis e causarem pouco impacto no ambiente. Para esta equipa de cinco pessoas, que há cerca de três anos começou a pensar as embalagens de outra maneira, interessa que as matérias-primas não só sejam de origem certificada mas que estejam perto. “Não faz sentido pensarmos em embalagens de base de papel para as nossas fábricas na Ásia, porque lá o papel é caríssimo. E transportá-lo para lá seria um contrassenso, se queremos reduzir a pegada ecológica”, continua Luís Ferreira. Por isso, para o mercado asiático desenvolveram, entre outros, materiais à base de folha de palma. E, no Brasil, o material de base é, muitas vezes, a polpa de cana-de-açúcar. Ou o desperdício de mandioca. “Mas, atenção, nós não vamos à cadeia alimentar. Vamos aos resíduos que seriam desperdiçados de qualquer forma”, salienta Pedro Batista, o designer da equipa e um dos mais entusiastas quando fala do projeto. “Está a ver esta dobra que fizemos nesta embalagem? Foi um problema para os fabricantes. Não queriam fazê-la porque nunca tinham feito”, conta, a sorrir. “Mas o que poupámos em espaço de armazenagem e em material, porque agora consigo ter embalagens muito mais pequenas, representa uma poupança enorme”, explica, enquanto nos mostra a mais recente caixa de um comando – o produto mais pequeno que têm de embalar. A dobra serve para segurar as pilhas, e a nova embalagem tem quase metade do tamanho da anterior, além de ser composta apenas por uma peça, ao invés das duas ou três.
Podem parecer minudências, mas Luís Ferreira apressa-se a mostrar-nos o que aconteceu com a China: para um pedido em concreto, esta equipa conseguiu reduzir de 36 para 16 o número de embalagens a transportar. Com caixas otimizadas, a poupança anual foi de 90 contentores, o que representou uma economia de 130 toneladas de dióxido de carbono e de mais de 360 mil euros.
“Somos a única equipa que desenvolve embalagens. Trabalhamos para cinco fábricas em todo o mundo, incluindo para os EUA”
Luís FerreiraResponsável pela equipa de Desenvolvimento de Embalagens da Bosch Portugal
Alterar a forma, reduzir a dimensão
Claro que acabar definitivamente com a utilização de plástico está longe de ser uma solução – não só não é uma estratégia viável como teria custos ambientais enormes, como qualquer substituição total de uma indústria. Mas o que é certo é que as alterações climáticas custaram à economia mundial cerca de 320 mil milhões de dólares só em 2017, segundo os dados mais recentes da Comissão Mundial sobre a Economia e o Clima da ONU, para lá das irreparáveis perdas humanas. Por isso, para que continue a haver planeta e economia, o importante, agora, é alterar a forma como usamos produtos com base de petróleo e outros poluentes, e tentar reduzir a sua utilização ao máximo. Disso mesmo nos fala Luís Ferreira, explicando que, apesar de a Bosch continuar a usar produtos que têm base de petróleo, o facto de terem conseguido alterar, em alguns casos, a sua forma, dimensão e utilização acabou por ajudar a reduzir consideravelmente a pegada ecológica da empresa. É o caso das pequenas folhas de foam utilizadas para proteger produtos na hora do transporte. “Deixámos de reciclar 130 mil folhas que são agora retornadas ao fornecedor, e que podem ser reutilizadas por ele. Isso permitiu à empresa poupar €30 mil ao ano”, conta-nos Jorge Cardoso, depois de explicar que a ideia, vencedora do prémio Melhor Ideia de Sustentabilidade, partiu de Sofia Lopes, uma das funcionárias da Bosch Portugal. A organização tem uma espécie de “caixa de ideias” e, assim, todos podem contribuir para tornar a empresa mais sustentável, continua o engenheiro de manufatura que nos guiou pela fábrica, com uma arrumação que impressiona.
Recorde-se que a primeira grande Estratégia Europeia sobre Plásticos só foi adotada pela Comissão Europeia em janeiro de 2018 e que se espera que esta consiga contribuir para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e os compromissos climáticos globais da próxima década. Numa altura em que a Europa produz cerca de 58 milhões de toneladas de plástico por ano e que, em Portugal, o consumo é de, em média, 31 kg por pessoa – um valor acima da média europeia –, começou a tornar-se urgente repensar a sua utilização. Assim, espera-se que até 2030 todas as embalagens de plástico na União Europeia sejam recicláveis e que o consumo de plástico de utilização única seja reduzido significativamente. Vão também ser aplicadas restrições ao uso de microplásticos, que estão a entupir os oceanos e a pôr em risco a sobrevivência de várias espécies marinhas.
Vender a granel?
A 1 700 quilómetros de Ovar, na fábrica da Nestlé em Lausanne, na Suíça, um novo instituto abriu portas em setembro do ano passado para “dizer ao mundo que é possível” fazer mais e melhores embalagens, amigas do Homem e do ambiente, afirmava Bertrand Picard. O psiquiatra e balonista, que foi o primeiro a dar a volta ao mundo em balão sem paragens, discursava na inauguração do Instituto Nestlé para a Ciência das Embalagens, onde dezenas de cientistas procuram, todos os dias, encontrar soluções mais sustentáveis para as embalagens que protegem os produtos da multinacional. “Este é o maior instituto de investigação da indústria alimentar”, salientava Isabelle Bureau-Franz, diretora da Nestlé Investigação, destacando ainda o compromisso da empresa em garantir que a qualidade dos alimentos continua a ser a mesma com as novas embalagens. Estas podem ser desenvolvidas com outro tipo de matérias-primas ou com material mais simplificado, com base de papel e polímeros biodegradáveis ou compostáveis, por exemplo. As explicações foram dadas por um dos vários investigadores que falaram à Imprensa durante uma visita às recém-inauguradas instalações, acomodadas entre montanhas e paisagens de cortar a respiração.
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A Nestlé comprometeu-se a, até 2025, eliminar dos seus produtos, ao nível mundial, todos os plásticos que não sejam recicláveis ou cuja reciclagem seja difícil, de forma que nenhuma das suas embalagens termine o seu ciclo de vida em aterros, oceanos ou cursos de água. No mesmo sentido, está a testar dispensadores que permitem vendas a granel em marcas como a Purina (alimentação animal), Nescafé e Milo em vários países do mundo. Nos EUA, a multinacional está a experimentar embalagens de gelado reutilizáveis para a marca Häagen-Dazs, revela-nos outra das investigadoras.
Uma das inovações mais visíveis da Nestlé, em Portugal, são as novas embalagens do chocolate para o leite Nesquick, que foram redesenhadas e são atualmente feitas de papel. “Estamos a tentar dar ao papel algumas características do plástico, para garantir a qualidade e durabilidade das embalagens, mas mantendo a sua capacidade de ser reciclado”, explica um outro investigador, antes de assegurar que os novos pacotes de Nesquick podem mesmo ir para o ecoponto azul. Nos laboratórios, várias experiências estão a acontecer enquanto os diferentes grupos de jornalistas espreitam pelas largas janelas de vidro: há novas formas de “esferovite” a serem inventadas, papel que parece plástico mas tem origem vegetal, modelos de reutilização a serem testados, novas máquinas de filtragem de água a serem experimentadas.
A grande surpresa, entretanto, é o facto de não haver qualquer plano para que haja alterações na composição das cápsulas de café Nespresso. Em declarações aos jornalistas, o CEO da Nestlé, Mark Schneider, admitiu que “dificilmente as cápsulas serão alteradas”. “Nas cápsulas, o desafio é reciclar o alumínio para que possa ser reutilizado, garantindo a qualidade do produto desde a prateleira até ao consumo. Ainda não sabemos exatamente como o fazer, mas deverá passar por reduzir as camadas que o complexificam”, explicou o responsável, na mesma ocasião. E, em jeito de exemplo sobre como se podem mitigar os efeitos da utilização daquela matéria-prima, a Nestlé ofereceu aos jornalistas uma caneta produzida com alumínio reciclado a partir de cápsulas de café. Na ocasião, Schneider mostrou-se particularmente otimista com o desenvolvimento de novos produtos no recém-inaugurado centro de investigação, mas recusou-se a revelar o valor do investimento alocado à nova unidade.
“Temos de criar valor para o acionista mas também para a sociedade”
Mark Schneider CEO da Nestlé
Recorde-se que as grandes empresas multinacionais – sobretudo as cotadas – têm estado a ser pressionadas pelos investidores para repensarem as suas estratégias de forma a diminuir o impacto que têm no aquecimento global. E se as petrolíferas e indústrias semelhantes têm sido o principal alvo destes exércitos de investidores verdes, organizações com a dimensão da Nestlé (que registou receitas na ordem dos 84 mil milhões de euros em 2018) ou da Bosch (que globalmente teve receitas de 78 mil milhões de euros no mesmo) estão na mira quando se fala de dar o exemplo. Numa altura em que o ambiente, finalmente, saltou para o topo das prioridades, estes casos de compromisso podem ser um bom farol a seguir.
Por um mundo melhor
Alguns dos números da luta contra as alterações climáticas
10 anos
Mais de 190 países assinaram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que prevêem que, até 2030, sejam tomadas medidas de proteção do planeta, incidindo sobre o consumo e a produção sustentáveis, o combate à mudança climática e a gestão dos recursos naturais
7,6%
Até 2030, o mundo tem de reduzir anualmente 7,6% das suas emissões de gases de estufa para que se consiga atingir o objetivo de manter o aumento da temperatura abaixo dos 1,5 graus
350 mil milhões de dólares
O Fundo Monetário Internacional assumiu recentemente que a quebra de produtividade e os problemas de saúde provocados pelas alterações climáticas têm um impacto anual negativo em cerca de 350 mil milhões de dólares