Supõe-se que a introdução da agricultura e da pastorícia no nosso país terá sido feita por grupos de colonizadores oriundos do Mediterrâneo, que desembarcaram há cerca de 7500 anos no centro e sul de Portugal Continental. Depois disso, os nossos antepassados foram gradualmente deixando de depender da caça, da pesca e da recoleção.
Hoje em dia, os produtos da pesca são praticamente os únicos alimentos “selvagens” consumidos com regularidade nos países Ocidentais. E a pesca já não é o processo rudimentar de outros tempos, havendo inúmeras artes de pesca, GPS e sonares sofisticados que devem pôr peixes e outros seres marinhos a pensar: “Mas como é que aqueles humanos nos conseguem apanhar tão facilmente?”
Um dos riscos que corremos quando gerimos a exploração de uma espécie é a sua sobre-exploração. Ou seja, poderá haver um excesso de capturas que ultrapassa a sua capacidade de reposição, tendo em conta as suas taxas naturais de reprodução e mortalidade. E se insistirmos nesta forma de exploração durante algum tempo, essa população (ou mesmo espécie) pode extinguir-se. Um conceito conhecido como “tragédia dos comuns” explica este conflito entre o interesse privado e o interesse comum. Por exemplo, numa zona de caça sem restrições, poderá haver caçadores que matam tudo o que conseguem para aumentar o seu lucro pessoal, mesmo que seja vantajoso para todos manter um número mínimo de coelhos que assegure a sua existência a longo prazo. Ainda por cima, parece que aquela história dos mágicos conseguirem tirar coelhos das cartolas não passa de um truque. O que é uma grande chatice.
A pesca é um exemplo clássico da “tragédia dos comuns”, em que os pescadores podem levar determinado stock de peixe à exaustão. Por exemplo, isso aconteceu com o stock de bacalhau na Terra Nova (Canadá), que colapsou em 1992 devido ao excesso de pesca. Mesmo depois da implementação de várias medidas de proteção a esta espécie, o nosso fiel amigo ainda não recuperou nesta área. Estima-se, também, que atualmente 53% dos stocks pesqueiros marinhos mundiais sejam explorados nos limites da sua sustentabilidade, e que 28% desses stocks sejam sobre-explorados. Portanto, se esta situação se mantiver, é provável que este recurso natural diminua no futuro. De qualquer forma, podemos sempre pegar na cana-de-pesca e ir apanhar peixinhos da horta.
Em Portugal, também há recursos pesqueiros que são sobre-explorados, o que quer dizer que este é um mal que não aflige só os trabalhadores portugueses. Por exemplo, os stocks nacionais de lagostim e pescada foram avaliados como sobre-explorados em 2004. Apesar da União Europeia ter imposto um plano de recuperação em ambos os casos, em 2009 o estatuto dos stocks de lagostim portugueses foram considerados como “indefinidos”, e o estatuto dos stocks da pescada se mantinham-se “sobre-explorados”.
No entanto, a maioria da pesca no nosso país é artesanal e costeira, feita em embarcações de pequeno porte e pescando para consumo local. Este tipo de atividade tem impacto ambiental geralmente menor do que a pesca industrial, em que são usadas embarcações de grande dimensão e artes de pesca menos sustentáveis. A pesca em Portugal também é centrada em espécies em bom estado de conservação, o que contribui para reduzir o problema da sobre-exploração. Por exemplo, a sustentabilidade da pesca da sardinha em Portugal foi certificada em Janeiro de 2010 pela organização Marine Stewardship Council, sendo a única espécie de peixe da Península Ibérica a possuir esta distinção. Apesar das suspensões desta certificação em 2012 e 2014, tem havido um esforço para que os stocks nacionais desta espécie voltem a ser sustentáveis. E ainda bem, porque dificilmente arranjamos um peixe tão bom como a sardinha para comer no pão durante os Santos Populares.
Tendo em conta a atual situação na exploração de pescas a nível mundial e o crescimento da população humana previsto para as próximas décadas, é provável termos de lidar no futuro com problemas relacionados com a sustentabilidade dos recursos pesqueiros. Por isso, é recomendável respeitar os limites de capturas apontados pelos cientistas, para que esses recursos continuem a ser renováveis. Mas se tudo correr mal, podemos rezar por um milagre da multiplicação dos peixes e já está.
Referências bibliográficas:
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Plumer, B. 2013. Just how badly are we overfishing the oceans? Washington Post 29/10/2013. http://www.washingtonpost.com/blogs/wonkblog/wp/2013/10/29/just-how-badly-are-we-overfishing-the-ocean/. Download a 07/04/2015.