Não se pode dizer que o início da vida de uma tartaruga-comum (Caretta caretta) seja muito fácil. Primeiro, os ninhos que estão debaixo da areia podem ser parcial ou totalmente destruídos por predadores como as raposas, guaxinins e humanos, que os desenterram para consumir os ovos. Mesmo quando isto não acontece, estas tartarugas marinhas recém-nascidas têm muito que escavar até à superfície. E depois deste esforço, têm de percorrer um imenso areal para chegar ao mar, esquivando-se a muitos predadores terrestres e alados. Por exemplo, há gaivotas e fragatas que ficam ansiosas por conhecer mais de perto estas adoráveis pequenas tartarugas, de modo a que estas passem a ocupar um lugar especial junto ao seu coração. Esse lugar é, obviamente, o estômago destas aves.
As tartarugas que conseguem escapar, podem finalmente nadar em direção às correntes oceânicas, que as levarão em longas viagens pelo mar. Mas como é que elas sabem para onde ir? Experiências feitas em laboratório com tartarugas recém-nascidas revelaram que estas nadam de acordo com as forças magnéticas que as rodeiam. Juntando esta informação a outras, como pistas visuais ou a direção das ondas, conseguem orientar-se durante as suas deambulações marinhas. Apesar de ainda não se saber ao certo como isto acontece, supõe-se que têm perceção tanto da latitude (posição norte/sul) como da longitude (posição este/oeste) a partir do campo magnético presente no local onde se encontram. Ou seja, têm uma espécie de GPS magnético que as guia, mas sem a voz da senhora que indica o caminho e que ocasionalmente sugere virar para ruas que não existem ou que são de sentido proibido.
A tartaruga-comum tem uma ampla distribuição mundial, ocorrendo nos oceanos Atlântico, Índico, Pacífico e mar Mediterrâneo. Utiliza os poderosos músculos da mandíbula para triturar alimentos como caranguejos, moluscos, mexilhões, alforrecas e peixes, pondendo ainda consumir algas durante a fase juvenil. Apesar de estar ameaçada de extinção, é a espécie de tartaruga mais comum nas águas portuguesas, sendo um visitante regular nas regiões dos Açores e da Madeira e ocasional no continente. Enquanto nada por cá, as causas mais habituais de mortalidade são a captura acidental em artes de pesca (que incluem apetrechos abandonados) e o consumo de lixo tais como plásticos. Nos últimos anos, tem havido alguma investigação sobre o uso de redes com aberturas para tartarugas, testando também diferentes anzóis, iscos e profundidades a que se pesca, para que praticamente tudo o que vem à rede e ao anzol passe a ser peixe.
De acordo com estudos genéticos, estas tartarugas-comuns que nos visitam provêm das praias do sudoeste dos Estados Unidos da América e do México. Apanhando uma boleia da corrente do Golfo, afastam-se do continente americano abrigando-se em aglomerações de algas junto à superfície, preferindo o mar alto à proximidade da costa. Esta fase é chamada de oceânica ou pelágica e tem uma duração de seis a doze anos, correspondendo ao tempo que as tartarugas levam a atingir a maturidade. Após este período, regressam já adultas ao lugar onde nasceram, neste caso, os Estados Unidos e o México. É um pouco ingrato saber que esses indivíduos crescem por cá, mas depois para fazerem a sua vida adulta, as águas portuguesas já não servem. Mas nós também não temos grande moral para criticar, uma vez que muitos açoreanos seguiram um percurso semelhante, emigrando para o continente americano à procura de outras condições de vida.
Depois disso, reproduzem-se no mar próximo das praias onde irão depositar os seus ovos, passando a viver em águas costeiras. Historicamente, esta espécie tem sido muito afetada pela captura de fêmeas nidificantes e pilhagem de ovos por humanos, havendo outras ameaças como a destruição e/ou perturbação destas zonas costeiras, as capturas acidentais e a poluição marinha. Mas estudos recentes sobre a sua reprodução nos EUA apontam para uma recuperação das populações de tartarugas-comuns nos últimos anos. O que também são boas notícias para nós, uma vez que vamos provavelmente continuar a vê-las regularmente nos mares dos Açores e da Madeira. Os juvenis, quero eu dizer. Porque os adultos, vão e não voltam sequer para passar a velhice…
Referências bibliográficas:
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