Recentemente passei por Setúbal e reparei, uma vez mais, como o golfinho é utilizado como símbolo da cidade. Em nomes de estabelecimentos comerciais, estátuas, desenhos, um pouco por toda a parte figuram representações destes carismáticos cetáceos.
Essa imagem recordou-me um episódio que se passou no ano passado, quando reparei numa pequena nota de rodapé, durante o serviço noticioso de um dos canais da televisão Portuguesa. Esta dava conta que o elemento mais novo (à data) da população residente de golfinhos-roaz (Tursiops truncatus) do estuário do Sado tinha morrido. Os dois primeiros pensamentos que me vieram à cabeça foram que não sabia, mais uma vez, que tinha nascido uma cria no seio daquela população; e que também essa cria não tinha vingado.
Esta população de golfinhos-roaz tem uma importância particular pelo facto de constituir um grupo residente, fenómeno pouco comum no planeta para estas espécies. Os elementos deste grupo visitam regularmente o estuário do Sado, onde procuram o seu alimento. O carácter residente da população, com a inerente facilidade de monitorização, atraiu tanto a comunidade científica, que aproveitou a oportunidade para alargar o conhecimento sobre a espécie; como a turística, que viu neste grupo a oportunidade de um negócio na altura em expansão, como era a observação de cetáceos no habitat natural.
Mas nós estamos habituados a olhar para o mundo natural que nos rodeia como garantido, e a verdade é que a população tem vindo a decrescer ao longo dos anos. As crias que nascem não vingam, e os poucos efectivos estão envelhecidos. A utilização agressiva das margens do rio e a poluição química têm contribuído para o declínio daquela população ao longo dos anos. Mais recentemente a pressão turística sobre os seus efectivos, com particulares e empresas a perseguirem o grupo na tentativa de um olhar mais próximo, ou a melhor fotografia, perturbam estes cetáceos aquando da sua tentativa de procura de alimento.
E a contagem vai diminuindo ao longo dos anos, em pequenos apontamentos, em pequenas notas de rodapé.
Ainda que não constitua o único, Portugal tem nesta população um pequeno tesouro faunístico. E, na realidade, cuidamos dele como se de uma pequena nota de rodapé se tratasse. Não há uma preocupação real e urgente em criar as medidas necessárias para travar o desaparecimento a que este grupo aparenta estar vaticinado.
A continuarmos por este caminho, dos golfinhos do estuário do Sado apenas restarão as estátuas, as gravuras e os nomes de estabelecimento da cidade de Setúbal.
Temo um dia mais tarde levar o meu sobrinho a passear, olhar para o estuário de um dos miradouros da Serra da Arrábida que nos dá uma vista lindíssima sobre o mesmo, e apenas poder dizer-lhe que ali um dia tinha vivido uma população de golfinhos, da qual nós assistimos ao desaparecimento sem que tivéssemos feito todos os possíveis para travá-lo.