“Compre um aquário com palmeira e oferecemos a tartaruga.”
Começa assim, muitas vezes. Um pequeno passo que levará, mais tarde, ao agravamento daquele que já se tornou um sério problema ambiental em muitos países.
A tartaruga mede menos de cinco centímetros, segundo o vendedor não necessita de grandes cuidados. O aquário pode manter-se com água da torneira e não ocupa muito espaço. A pequena criatura nem come muito e a comida, recomendada como ideal (mas para se obter um crescimento moderado, não por ser indicada para a espécie), encontra-se facilmente em centros comerciais e lojas de animais. Aos olhos dos pais parece o animal de estimação ideal. Com sorte dura um bocadinho mais do que os últimos dois peixinhos vermelhos e dá metade do trabalho. Afinal, é importante que o seu petiz possa ter contacto com um animal de estimação. Pode ser que lhe dê algum sentido de responsabilidade e o ensine o respeito pela natureza. Até tem umas listas coloridas no corpo, parece mesmo uma tartaruga ninja.
E assim entra mais uma tartaruga em mais um lar português.
Mas muito foi omitido aquando da venda. A pequena tartaruga começa por não ser natural do nosso território. É exótica, muitas vezes proveniente do outro lado do Atlântico ou mesmo do continente Asiático. Bom, quanto ao peixinho vermelho, a tartaruga já viveu o suficiente para enterrar umas dezenas deles. Já cá está há mais de 25 anos. E também tem um apetite voraz, olhem como ela cresceu! Mas agora não tem apenas algumas gramas, já pesa mais de 2 kg e mede cerca de 25 cm. O aquário com que veio já é demasiado pequeno. Também suja mais vezes seu habitat, dá mais trabalho. Como não há muito espaço lá em casa arranja-se um pequeno alguidar onde, de vez em quando, possa estar dentro de água. Durante o resto do tempo, vagueia pela casa.
Entretanto o petiz de tal já tem muito pouco. Foi para a universidade e já cá não mora. Os pais já não têm tempo ou disponibilidade para tomar conta da tartaruga. Há que tomar uma decisão.
Terminar a sua vida não é uma opção, não é humano e, afinal, trata-se de um membro da família. O mais indicado é libertá-lo numa pequena lagoa ou ribeira onde possa viver feliz o resto dos seus dias. E é precisamente isso que acontece, esta (já não tão pequena) tartaruga é libertada num espaço onde não tem concorrentes e onde irá ser muito “feliz”. Onde a sua maior agressividade, voracidade e determinação de (literalmente) encontrar um lugarzinho ao sol, não constitui a mínima hipótese para os seus habitantes nativos – o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa). Mas não só cágados. Comem tudo o que lhes surge à frente. Desde ovos de peixes, anfíbios, aves, ou mesmo as crias e juvenis de muitas espécies. Têm um impacto enorme nos ecossistemas onde se inserem.
Se multiplicarmos esta pequena história, com poucas variações, por algumas dezenas a cada semana, começamos a ter uma noção do problema com que Portugal (e o resto do mundo, dado que esta situação se verifica por todo o lado) está a lidar. As espécies endémicas ganharam mais uma ameaça à sua sobrevivência (a somar a todas as outras que o ser humano foi introduzindo) e estas espécies exóticas vão-se reproduzindo alegremente.
Este foi apenas um exemplo. As autoridades portuguesas já procuram controlar esta situação, através da legislação que proíbe a detenção de espécimes de algumas espécies (e.g. todas as subespécies de Trachemys scripta e da espécie Chrysemys picta). Mas o comércio de animais de estimação movimenta muito dinheiro e logo outras espécies surgiram nas lojas para ocupar os seus lugares, com uma problemática semelhante associada. Como por exemplo a Pseudemys concinna e a Graptemys pseudogeographica.
Os espaços zoológicos e o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade já fizeram uma parte importante do trabalho. Muitas das pessoas já não soltam os animais no meio natural. Mas, em contrapartida, estas instituições veem-se a braços com dezenas de animais a necessitar de um destino.
O problema está na origem. Está na necessidade de mudança do nosso comportamento. É importante que cada um de nós, ao considerar uma determinada espécie para animal de estimação, se informe muito bem das suas características, das suas necessidades de bem-estar e maneio, e pondere se terá disponibilidade e condições para assegurar tudo isso.
A aquisição de um animal de estimação não pode ser uma decisão de impulso. É uma decisão de vida. Da vida de um animal. De toda a vida de um animal. Dure quanto durar.