A COP28, a conferência anual das Nações Unidas para negociar um acordo global de combate às alterações climáticas, arrancou num clima de descredibilização motivada pelo facto de o sultão Al Jaber (presidente da Conferência) ser também presidente da gigante petrolífera ADNOC. É caso para dizer “à mulher de César não basta ser, há que parecer”. Mas, neste caso, até o “parecer” faltou…
A conferência, que teve lugar no Dubai, não beneficiou do facto de tanto os Emirados Árabes Unidos como Al Jaber se encontrarem intimamente associados à exploração de energias fósseis, o que parecia desde logo dificultar o fecho de um acordo climático ambicioso. Será essa a razão do entusiasmo desproporcional ao resultado final do evento?
O Acordo do Dubai assume-se como um passo, ainda que de caracol, na direção necessária e é precisamente esta lentidão que não desperta motivos de celebração. A introdução do termo de “transitar para lá” dos combustíveis fósseis não é acompanhada de garantias que nos permitam de facto “descontinuar” a utilização destes combustíveis. É, por isso, necessário tomar medidas de facto consequentes. Uma COP de sucesso teria estabelecido metas legalmente vinculativas de descarbonização em vários setores poluidores (e não só na energia renovável e eficiência energética onde a vantagem da tecnologia verde é indiscutível para os mercados se ocuparem da transição).
A diplomacia climática ocupa um papel central na negociação e mobilização dos líderes políticos para responderem às alterações climáticas (sobretudo porque já perceberam que não podem passar ao lado do tema, nem que seja apenas para cumprir um dos pontos da agenda atualmente valorizada pelo eleitorado). No entanto, à luz desta sucessiva ausência de acordos globais substancialmente vinculativos, reforçamos a nossa convicção de que precisamos cada vez mais de avançar em paralelo, liderados pela União Europeia (que é ponta de lança à escala global nesta agenda, apesar das suas falhas) no aprofundamento da cooperação e relações bilaterais com todos os governos, empresas e cidadãos empenhados em garantir uma redução de emissões e adaptação ao novo clima na ordem de grandeza necessária para nos garantir um futuro.
Por isso há a destacar com maior entusiasmo o acordo entre os EUA e a China assinado na Califórnia 15 dias antes da COP28. Apesar das divergências preocupantes nos temas militares e económicos, a Declaração de Sunnylands é o terceiro compromisso bilateral consecutivo desde a COP26 (Glasgow), materializado agora num acordo com uma importância não menos relevante que o texto final da COP28. Por um lado, um acordo bilateral com ambições de curto-médio prazo entre os dois maiores emissores é central para alcançar as metas do Acordo de Paris. É precisamente esse o compromisso de ambos: estabelecer as próximas metas de redução de emissões (as Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC – previstas no Acordo de Paris) para já nesta década reduzir em termos absolutos as emissões do setor da energia e do metano em ambos os países, acelerar as renováveis, descontinuar o carvão (sobretudo na China e já a partir de 2024) e determinar reduções em toda a economia até 2035. Este acordo colocou dois polos de influência global a convergir e a alastrar a sua influência na COP28. Por outro lado, esta mobilização para a ação concertada sobre o clima pode ser um sinal de esperança sobre a relação entre ambos, em paralelo às crescentes divergências políticas, escalada militar, e protecionismo económico. A cooperação climática entre os EUA e a China merece um destaque maior e consolida avanços substanciais. Se é possível para EUA e China, também será possível para a União Europeia com Ásia, África, Sudeste Asiatico, América Latina e Caraíbas.
É o poder da regulação que oferece garantias legais para descarbonizar o grosso das emissões globais (energia, agricultura, indústria, transportes, resíduos) o mais rapidamente possível. A ciência indica-nos que precisamos de reduzir globalmente 43% das emissões do planeta até 2030. Faltam 6 anos para 2030 e até agora só conseguirmos abrandar o crescimento das emissões globais sem as reduzirmos efetivamente. Será que o Acordo do Dubai nos aproximou dessa segurança planetária necessária até 2030? Tudo vai depender de como as promessas do Dubai se traduzirem em políticas nacionais pelo mundo fora. É também certo que não nos podemos desresponsabilizar, dado que as ambições acima apresentadas dependem de cada um de nós, mas essa é outra conversa…
Outra celebração desproporcional foi a “solidariedade” dos países desenvolvidos em contribuir com 655 milhões de dólares para o Fundo de Perdas e Danos recém-criado na COP27. Perdas e Danos dizem respeito às consequências já sofridas pelos países mais pobres e vulneráveis perante o clima extremo atual. O ano de 2023 foi, por si só, um ano marcado por múltiplos eventos extremos. Todos devemos ter gelado perante as imagens, não só de destruição, mas também de falta de capacidade de resposta perante as cheias sem precedentes, por exemplo na Líbia, Paquistão, Honduras ou a fome e migração em massa no Corno de África ou em Madagáscar. O bolo de 655 milhões de dólares não é mais do que a combinação dos dez maiores salários existentes no mundo do futebol, à escala global. Vamos mesmo celebrar?
Investir na cooperação, isto é, na solidariedade climática não é apenas um imperativo moral. Se reconhecemos que a geopolítica atual é menos multilateral e mais polarizada, e que a UE e os EUA têm vindo a perder influência perante as autocracias da Rússia e da China, então torna-se evidente que investir em cooperação e desenvolvimento na resposta às alterações climáticas aproxima a UE de novos parceiros, apoiando-os perante os impactos já sofridos. Esta aliança é necessária para apoiar a adaptação desses países ao novo clima, apostando num desenvolvimento sustentável livres da dependência fóssil que caracterizou o desenvolvimento do Ocidente. Mas é também um caminho fundamental de liderança geopolítica da UE enquanto parceiro internacional que lidera todos aqueles no mundo que desejam um futuro pautado pela ação climática, democracia, direitos humanos e Estado de Direito. Afinal, se a crise climática é um desafio global, deve também ser vista como uma oportunidade de maior cooperação à escala global.
Dentro de seis meses, todos seremos chamados a pronunciarmo-nos sobre o futuro que queremos para o projeto Europeu, que é acima de tudo o nosso futuro. É hora de as eleições Europeias em Portugal deixarem de ser tratadas como uma mera simulação das eleições nacionais e passarem a ser o momento onde os eleitores fazem questão de se mobilizar para o voto por reconhecerem que é nestas eleições que dizem que Europa querem, que projeto as representa no mundo na defesa da paz, da democracia e na prossecução da sustentabilidade.
A liderança europeia na ação climática global não é uma garantia. O crescimento por toda a Europa de uma direita radical desinformada, egoísta e que desacredita a ciência e a conservação do planeta são um risco para o planeta. Cabe-nos esclarecer a importância da UE em liderar na sustentabilidade dentro e fora da União, mas também mobilizar todos para o voto e, sobretudo, o voto nos partidos que defendem uma UE líder no mundo.
As alterações climáticas são a maior oportunidade de colaboração global que nos aproxima do sonho de paz global (o acordo EUA-China até pode ser sinal disso mesmo), de sustentabilidade e de uma globalização bem sucedida. Tudo isto é possível e é um sonho que a democracia europeia nos pode proporcionar, já em seis meses.