Ainda que se cumpra a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, reduzindo as emissões de dióxido de carbono ao ponto de limitar o aumento da temperatura do ar a 1,5º C, o mar vai continuar a corroer o manto de gelo da Antártida Ocidental, ao longo deste século.
É essa a conclusão do estudo “Aumento inevitável futuro do derretimento da plataforma de gelo da Antártica Ocidental ao longo do século XXI”, publicado esta segunda-feira na Nature Climate Change. Analisados os diferentes cenários, o resultado foi sempre o mesmo: o peso do corte de emissões é nulo, ou muito perto disso. O único cenário que pode influenciar – neste caso, acelerando – a velocidade do degelo é o RCP 8.5, o mais extremo, sem qualquer limitação de emissões.
Os investigadores não encontraram quaisquer diferenças entre uma travagem a fundo das emissões e o cenário intermédio, o RCP 4.5, com um aumento de 2º C a 3º C. Neste momento, com as medidas de mitigação em curso, o planeta encaminha-se para um aumento de 2,7º C.
“Os cenários de mitigação de médio alcance (RCP 4.5) e os objetivos mais ambiciosos do Acordo de Paris (aquecimento global limitado a 1,5 °C ou 2 °C) são estatisticamente indistinguíveis em termos das tendências de aquecimento do mar de Amundsen ao longo do século XXI”, escrevem os investigadores.
A culpa é da inércia térmica do oceano – a enorme massa da água do mar reage muito lentamente às mudanças na atmosfera. O mar de Amundsen, que banha a Antártida Ocidental, vai continuar a aquecer durante largas décadas, independentemente da concentração de gases com efeito de estufa. “O rápido aquecimento dos oceanos, aproximadamente ao triplo da taxa histórica, continuará provavelmente a acontecer ao longo do século XXI, com aumentos generalizados no derretimento das plataformas de gelo, incluindo em regiões cruciais para a estabilidade das camadas de gelo”, lê-se no relatório. “Quando se considera a variabilidade climática interna, não há diferença significativa entre os cenários de emissões de médio alcance e as metas mais ambiciosas do Acordo de Paris. Estes resultados sugerem que a mitigação dos gases com efeito de estufa tem agora um poder limitado para evitar o aquecimento dos oceanos, o que poderia levar ao colapso da camada de gelo da Antártida Ocidental.”
O estudo, considerado o que mais aprofundou o impacto do aquecimento do mar de Amundsen no degelo da Antártida, aponta para um aumento da temperatura das águas na região de 2º C até 2100, face aos valores pré-industriais. Um crescimento que os autores da investigação consideram “impressionante” e um ponto de não retorno.
O resultado será uma subida lenta (demorará séculos) mas imparável das águas do mar. Estima-se que o degelo daquela região antártica venha a provocar um aumento de cinco metros do nível médio do oceano.
“O nosso estudo não é uma boa notícia – podemos ter perdido o controlo do derretimento da plataforma de gelo da Antártida Ocidental ao longo do século XXI”, disse ao Guardian a autora principal do estudo, Kaitlin Naughten, do British Antártico Survey. “É um impacto das alterações climáticas ao qual teremos de nos adaptar, e muito provavelmente isso significa que algumas comunidades costeiras terão de construir [defesas] ou serão abandonadas.”
Esta não é a primeira investigação a concluir que o manto de gelo da Antártida Ocidental está condenado. Mas é a primeira a mostrar a nossa impotência para parar o processo.
Apesar das conclusões sombrias do estudo, os autores lembram que o degelo do manto da Antártida Ocidental é apenas um de muitos impactos das alterações climáticas e que há outros efeitos igualmente importantes que podem ainda ser evitados com uma redução significativa das emissões de gases com efeito de estufa.