Depois de tantos avisos e alertas, nomeadamente científicos, como os relatórios do IPCC, ou as contestações populares e as dezenas de cimeiras internacionais, parece que, finalmente, estamos a trilhar o caminho da mudança necessária para encontrar um modelo que transforme a relação da humanidade com os impactos provocados no sistema climático terrestre.
Esta mudança, apesar de tardia, advém não só da necessidade de acelerarmos para atingirmos as metas assumidas internacionalmente, como também da pressão das populações que vivem atemorizadas com as evidências climáticas, cada vez mais severas e frequentes, impactando territórios, transformando hábitos e fragilizando as próprias economias, principalmente as dos mais vulneráveis.
Inundados nos últimos tempos por diferentes formas de avaliar e medir o desempenho ambiental das organizações, é consensual a necessidade de estabelecer um conjunto de indicadores universais entre os vários países e regiões do mundo, que, a par dos indicadores económicos e demográficos, entre outros, nos deem a informação necessária para avaliar o impacto que a atividade antropogénica provoca no ambiente.
Neste capítulo, a União Europeia tem dado cartas e depois de ter aprovado a Taxonomia “Verde” com os seus atos delegados regulamentares das atividades sustentáveis, estabeleceu no final do ano passado, uma diretiva para os non-financial indicators, a começar por ser aplicada às maiores empresas. Depois de tanto greenwashing e de tanta subjetividade lançada para os olhos das pessoas e dos mercados, com os afamados ESG à lá carte, começa-se, de uma vez por todas, a caminhar para indicadores (kpi – key performance indicators) mais concretos, objetivos e credíveis, estabelecidos como os ESRS (European Sustainability Reporting Standards).
A referida diretiva CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive), ainda que longe de ser perfeita, coloca a quantificação das emissões de gases de efeito de estufa na equação, incluindo os objetivos de redução para 2030 e 2050, de forma a todos contribuírem para a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris. Isto, para além de começar por uniformizar os relatórios das organizações empresariais. Ainda assim, não foi desta que se conseguiu publicar uma fórmula ou indicador na atividade económica, que permitisse avaliar a performance ambiental das organizações, como acontece quando damos números tão simples e concretos como o PIB, o volume de negócios ou as exportações. Mas lá chegaremos.
Portugal, mais uma vez, não ficou atrás e deu o pontapé de saída para o seu mercado voluntário de carbono, estabelecendo esta métrica como um proxy de entrada, que permitirá criar uma relação entre as empresas e o ambiente.
Aliás, Portugal não tem ficado para trás em matéria de clima. Não esqueçamos que foi o primeiro país do mundo a reconhecer, em 1976, o direito a um ambiente saudável (sadio) e ecologicamente equilibrado na sua Constituição. O resto do mundo seguiu-o, e em julho de 2022, o direito a um ambiente saudável foi reconhecido como Direito Humano, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Em 2016, na COP22, em Marraquexe, Portugal foi novamente o primeiro país do mundo a anunciar o objetivo de alcançar neutralidade carbónica até 2050, seguindo a aprovação do primeiro Roteiro para a Neutralidade 2050. O resto do mundo acompanhou o exemplo. Já mais recentemente, Portugal aprovou a sua Lei de Bases do Clima, que inclui compromissos para antecipar este objetivo para 2045 e aprova metas nacionais de redução de emissões em todos os setores da sociedade, acompanhados por planos mais específicos, como a Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030).
Os mercados de carbono estão essencialmente divididos entre mercados regulados e voluntários, sendo que Portugal, por estar inserido na União Europeia, já estava incluído no CELE (Comércio Europeu de Licenças de Emissão), em vigor desde 2005, para o qual tem a obrigatoriedade de comunicar e licenciar as suas emissões. No entanto, existem muitas vantagens para criar um mercado nacional voluntário. Desde logo o de estabelecer regras próprias para um mercado nacional, que permite de forma mais eficiente, contribuir para as metas assumidas internacionalmente. Por outro, este mesmo propósito, contribui largamente para que as maiores empresas, bem como outras, contribuam voluntariamente para projetos nacionais certificados e auditados, evitando que os grandes investimentos neste setor fujam para outros países.
Além disso, esta proposta vai mais além, permitindo que sejam valorizados os projetos com cobenefícios, os quais contribuem para o bem comum, começando por dar prioridade aos investimentos de sequestro florestal de carbono, em especial nas áreas florestais ardidas e nas áreas prioritárias previstas nos Programas de Ordenamento e Gestão da Paisagem.
Ainda assim, é certo que este projeto é só o início de uma longa caminhada credível e robusta, que fará com que possamos internalizar os benefícios de preservar e restaurar a natureza, como ganhos das empresas e das organizações, através de ações de florestação, reflorestação e manutenção dos serviços dos ecossistemas, permitindo ao mesmo tempo uma comparabilidade internacional entre territórios, ao nível mundial.
Este mercado voluntário de carbono português começa bem, ao ser construído com transparência e de forma participativa, ouvindo mais de duas dezenas de organizações que têm pensado e contribuído para a área temática do clima e da sua sustentabilidade, sendo que é apresentado como um processo de melhoria contínua, aguardando-se agora a fase de consulta pública.
O mais relevante é começar por algum lado. E introduzir o carbono como um proxy starter pode ser tão importante como tudo o resto que possa vir a ser desenvolvido. Desde logo, um sistema de contabilidade que permita, não só medir a performance ambiental das empresas, mas também dos territórios (municípios). É através deste que se pode chegar à necessária remuneração dos serviços de ecossistemas e da promoção da biodiversidade, associando sistemas de financiamento mais democráticos, plurais, universais e justos e contribuindo para os objetivos nacionais para a ação climática, nomeadamente a antecipação da neutralidade para 2045.
Com este mercado voluntário de carbono e com o caminho que se abre para um futuro sistema de contabilidade, o jogo pode mudar a partir de Portugal, percebendo-se que o offsetting, jogo de soma nula, não é alternativa para conseguirmos mudar o modelo económico global. Lembrando o “corajoso”, “mais respeitado e influente cientista climático”, que partiu recentemente – Will Steffen (1947-2023) – e que juntou as várias ciências, permitindo construir esta nova visão climática, na relação do Homem com a Natureza, a partir dos 9 limites do planeta, em que disse “encontrar mecanismos para devolver o carbono às paisagens aumenta a biodiversidade. Ecossistemas mais biodiversos armazenam mais carbono, com mais segurança e são mais resilientes aos impactos das alterações climáticas”.
Este sim, é o caminho da esperança e de que a ordem global necessita, criando um novo modelo jurídico e económico, que permita investir no bem comum – o sistema climático terrestre – em vez de criar programas de financiamento como o que assistimos na última COP, para “danos e perdas” que mais não faz do que criar maiores divisões entre Norte e Sul, Países Desenvolvidos e Em Desenvolvimento e entre pobres e ricos. Um sistema que seja justo e sustentável garante não só a nossa sobrevivência, como também uma melhor distribuição dos recursos, além de melhorarmos as condições ambientais do nosso planeta – a saúde planetária.