A 27.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27), que acaba de ter lugar em Sharm El Sheikh, tinha como mote “Together for Implementation”, isto é, o desafio da ação. De facto, e apesar de as emissões globais nunca terem parado de aumentar desde que foi assinado o Acordo de Paris, em 2015, os resultados das Conferências do Clima têm sido meramente discursivos. Assim, e a meio do caminho até 2030, nada mais oportuno do que deslocar o foco da semântica para a ação. É verdade que as COP que correram melhor – e, neste momento, a COP26 de Glasgow já parece um sucesso – ainda estabeleceram objetivos. Porém, sempre vagos e distantes, e sem se entrar no detalhe da operacionalização e da respetiva monitorização.
Se esta tivesse sido a COP da ação e a de 2023, que terá lugar no Dubai, fosse a da aceleração, talvez alcançar o Acordo de Paris ainda estivesse ao nosso alcance. Porém, nem esta foi a da ação, nem a próxima será a da aceleração, pois apesar de os diagnósticos científicos serem consensuais, e de termos as soluções necessárias e a riqueza suficiente, falta a necessária vontade política coletiva.
Desta COP27, resulta menor ambição semântica relativamente à urgência da neutralidade carbónica e, em termos práticos, apenas um acordo para que os países desenvolvidos compensem os países em desenvolvimento pelos impactes históricos das suas emissões. Porém, e ainda que seja ética e semanticamente um avanço assinalável, esse fundo para perdas e danos não ficou sequer regulado, nem capitalizado – será novamente objeto de debate na COP28.
Dias antes de começar a COP27, foi publicado o relatório State of Climate Action 2022, no qual se faz uma análise do grau de concretização dos 40 indicadores (de ação) considerados críticos para se alcançar o Acordo de Paris, isto é, para limitar o aumento da temperatura terreste a 1,5o C. Entre os 40 indicadores, encontra-se, por exemplo, o aumento do peso das energias renováveis no mix energético global, travar a deflorestação e a alteração das nossas dietas alimentares. Tragicamente, em nenhum dos 40 indicadores estamos a cumprir. Em alguns, temos de acelerar, noutros temos mesmo de travar a fundo e inverter o sentido da marcha.
Para cumprirmos o Acordo de Paris, será necessário reduzir as emissões globais para metade até 2030. Porém, neste momento a estimativa é de um aumento de 15%, por via do aumento da população e do PIB mundiais. A população mundial acaba de atingir os oito mil milhões de pessoas. Há cem anos, éramos apenas dois mil milhões de pessoas e foram precisos 33 anos para que a população crescesse para três mil milhões. Agora, em apenas 11 anos passámos de sete para oito mil milhões, o que faz com que a população mundial seja cada vez mais jovem, sobretudo na Ásia e em África. Uma em cada cinco pessoas Gen Z (nascidas entre 1997 e 2012) vive na Índia, pelo que as suas atitudes terão um impacto enorme no futuro da Humanidade. Porém, nunca participam nas Conferências do Clima.
Os setores com mais peso nas emissões – energia, construção, indústria, transportes, agroalimentar e florestas – têm de acelerar a transição para a neutralidade carbónica. Trata-se de um enorme desafio estrutural, que ficou por abordar e concretizar nesta COP. Como afirmou recentemente Andy Brown, CEO da Galp, «para alcançarmos o compromisso de 1,5oC, precisamos de descarbonizar a economia global a uma taxa de 15% ao ano – ou seja, 11 vezes mais depressa do que fizemos nas últimas duas décadas. Isto representa uma mudança estrutural fundamental.»
Provocar mudanças estruturais em locais como o Egito (Sharm El Sheikh) ou os Emirados Árabes Unidos (Dubai) será sempre muito difícil. Simplesmente, são países que, para além de não respeitarem mínimos civilizacionais fundamentais – por exemplo, os direitos humanos –, não têm ambição transformadora, nem sentido de urgência na ação.
Em Sharm El Sheikh, fiquei alojado num resort mediano, frequentado por turistas europeus de classe média, a aproveitar o mar vermelho em low season e regime pulseirinha all in. Muitos deles barrigudos, petulantes e mal tatuados, nunca tinha testemunhado tanta arrogância para com os empregados, nem tanta gente a comer tanto – as pilhas de comida amontoavam-se e quase sempre acabavam entregues aos corvos locais –, nem tanta indiferença face à beleza local – a pequena praia do resort dava para um recife de coral magnífico, porém estava quase sempre vazia, ao contrário das piscinas e respetivos bares.
Este resort em que fiquei alojado em Sharm El Sheikh podia bem ser uma metáfora algo trágica do nosso modo autocentrado, extrativo e indolente de habitar o planeta Terra. Cem anos depois da publicação do poema de T. S. Eliot “The Waste Land” e cinquenta anos depois da primeira cimeira das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável (Estocolmo, 1972), a Terra está cada vez mais devastada. Por isso, ou mudamos de vida rapidamente, ou as próximas gerações terão vidas áridas, difíceis e desoladas.