Os cientistas dizem que conhecemos melhor a lua do que o mar, apesar dos milhões de euros já investidos na exploração do oceano. Esta realidade pode estar prestes a mudar com o desenvolvimento dos gémeos digitais.
Um gémeo digital é uma representação digital de um objeto físico ou sistema, que inclui todas as suas componentes e processos. Enquanto conceito, os gémeos digitais nasceram no contexto industrial, como ferramenta de monitorização e melhoria de processos produtivos. Hoje, o conceito é usado nas ciências da Terra para simular, com um detalhe sem precedentes, o funcionamento do sistema terrestre, incluindo o oceano e as suas interações com a atmosfera e rios.
Como qualquer gémeo digital, o do oceano pretende ser uma ferramenta que combina observações multidisciplinares – temperatura, correntes, ondas, salinidade, clorofila medidos diretamente no oceano ou por satélites no espaço – com ferramentas de modelação numérica, inteligência artificial, machine learning e supercomputação.
O objetivo é claro: aumentar significativamente o conhecimento sobre o oceano para prever com precisão o seu comportamento e resposta a alterações a curto, médio e longo prazo. Um gémeo digitaldo oceano aborda-o como um todo, incluindo as suas complexas interações físicas e biogeoquímicas.
Dois anos depois do arranque da construção do European Digital Twin of the Ocean (EU DTO), estamos prestes a assistir à apresentação do primeiro protótipo. A demonstração inaugural terá lugar em junho no 2024 Digital Ocean Forum e servirá para mostrar como diferentes iniciativas europeias – como o Copernicus Marine Service (CMEMS) e a European Marine Observation and Data Network (EMODnet) – alimentarão o EU DTO com os dados mais completos e recentes sobre o que se passa no oceano, zonas costeiras e rios. O potencial de revolucionar a forma como estudamos, utilizamos e protegemos os ambientes marinhos é imenso.
O EU DTO abrirá a simulação do mar a qualquer pessoa com acesso à internet. Cientistas poderão ir mais além nas suas investigações. Governantes poderão tomar decisões com maior segurança sobre os problemas do oceano e o impacto das alterações climáticas. Indústrias ligadas à economia azul – pesca, aquacultura, energias renováveis marinhas, transporte marítimo ou o turismo costeiro – poderão preparar-se atempadamente para eventos extremos, como ondas de calor marinhas ou temporais no mar.
Parte da construção do EU DTO é feita por dois projetos europeus: EDITO-Infra e EDITO-Model Lab. O primeiro está a construir a sua espinha dorsal, integrando os serviços europeus de dados numa única plataforma digital. O segundo está a desenvolver a próxima geração de modelos numéricos que permitirão simular uma panóplia de cenários. Ambos estão a dar prioridade à conceção conjunta com os utilizadores, sejam decisores políticos, instituições públicas e privadas ou até cidadãos, de forma a garantir que o EU DTO responde às suas necessidades reais.
Portugal, com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) vinte vezes superior à área terrestre, é responsável por uma parte significativa do Atlântico Nordeste. A utilidade do EU DTO para um país com as ambições e responsabilidades marítimas desta magnitude é evidente. Contudo, a gestão e a articulação entre as entidades públicas podem melhorar.
Uma melhor colaboração e rentabilização dos dados permitiria uma contribuição e interligação mais efetiva de Portugal ao EU DTO. É possível criar um gémeo digital do oceano para a nossa ZEE garantindo e articulando os sistemas de monitorização do oceano, incentivando a prática de dados abertos, facilitando o acesso a infraestruturas de supercomputação e assegurando um financiamento contínuo para manter os programas de observação do oceano que alimentam os modelos numéricos que permitem tirar o máximo proveito do que sabemos sobre os ambientes marinhos.
Com o seu gémeo digitaldo oceano, Portugal poderá navegar em direção ao desenvolvimento sustentável, cumprindo as suas metas ambiciosas para o mar.