DIZ-SE QUE HEMINGWAY escreveu, certa vez, uma história em seis palavras apenas: «For sale: baby shoes, never worn.» Algo como: «Para venda: sapatos de bebé, nunca usados.» Não está sozinho. Nos EUA, a prosa com menos de mil palavras é associada ao minimalismo e denominada Flash Fiction. Raymond Carver representou o género, também apelidado de microficção, micro-história, micro-relato, nanoconto, sudden fiction ou, até, sugestivamente, de the smoke long story isto é, uma história que dura o tempo de um cigarro.
Trata-se de ficções breves, entre os 300 caracteres e as mil palavras dependendo do purismo dado ao termo. São também difíceis de catalogar, podendo oscilar entre o conto, a poesia, o aforismo. Para alguns, resume-se a contar uma pequena história com princípio, meio e fim ainda que o seu sentido tenha, por vezes, de ser desvendado pelo leitor.
Grandes escritores ensaiaram o microconto, como Kafka, Cortázar, Jorge Luis Borges, Chekov, H.P. Lovrecraft, Ray Bradbury e os portugueses Mário Henrique-Leiria com os contos curtos do Gin-Tonic, ou Jorge de Sousa Braga. Recentemente, o norte-americano Bruce Holland Rogers (editado na Livros de Areia) renovou o género e oferece até uma subscrição anual por e-mail dos seus pequenos mistérios. Juntemos-lhe, agora, estes sete escritores portugueses:
No início do ano…
NO INÍCIO DO ANO, uma donzela do Oriente diz ao seu amado esposo: Não caminhes em direcção ao Leste. Se o fizeres encontrarás a morte.
Mas o amado nada ouviu, pois, nesse momento, pensava numa outra mulher, numa mulher mais jovem, mais bela, mais inteligente.
Seguiu assim o homem em direcção a leste e não morreu. Pelo contrário, foi recebido em casa pela tal amante mais jovem, mais bela, mais inteligente.
Na manhã seguinte, ao levantar-se, a amante disse-lhe: Não caminhes em direcção ao Oeste. Se o fizeres encontrarás a morte.
Mas o homem nada ouviu, pois, nesse momento, pensava na sua esposa legítima que o esperava.
Seguiu assim o homem em direcção a oeste e não morreu. Pelo contrário, foi recebido em casa, com alegria e calor, pela sua esposa.
Na manhã seguinte, ao levantar-se, ouviu da sua amada esposa, uma donzela do Oriente: Não caminhes em direcção ao Leste. Se o fizeres encontrarás a morte.
Mas o amado nada ouviu, pois, nesse momento, pensava numa outra mulher, numa mulher mais jovem, mais bela, mais inteligente.
Seguiu assim o homem em direcção a leste e depois a oeste e depois a leste e assim sucessivamente, dias e dias, meses e meses, anos e anos e não morreu.
A morte surgiu apenas quando o homem já velho e sem forças ficou incapaz de se mover quer para leste quer para oeste.
GONÇALO M. TAVARES