Final de feira, legumes baratos, meninos mulatos enrolam nos trapos os restos dos pratos que o dia-a-dia deixou pelo chão…» E estavam os portugueses postos em sossego, já de ouvidos prontos a acolher o genérico da Dona Xepa, já a antecipar os infortúnios da velha feirante e seus filhos ingratos que o episódio daquela noite lhes reservava, quando Raul Durão lhes irrompeu pela novela adentro. E não era de ânimo leve que, nessa altura, alguém se intrometia entre os 80% de espectadores e o seu programa favorito. Está bem que se vivia a contagem decrescente de uma campanha presidencial encarniçada, entre dois sisudos generais, Soares Carneiro e Ramalho Eanes. Está bem que do ciclone revolucionário ainda sopravam algumas brisas. Mas, em 1980, a novela era sagrada. E o pior é que o semblante do locutor fazia prever «notícia ruim», como dizia a música de Maria Creuza que costumava acompanhar os prolongados beijos do enredo. E eis o que os espectadores nessa noite de 4 de Dezembro não viram: a terra a tremer nos estúdios do Lumiar; correrias pelos corredores; grande nervosismo; as certezas que não chegavam; hesitações; interromper ou não a novela antes da confirmação oficial?; a direcção a reunir à pressão para redigir, «com pinças», um comunicado; um interlúdio musical para ganhar tempo; Raul Durão a tentar arranjar uma gravata para ir dar a má notícia ao País. «Não fui a tempo, já estava no ar, desengravatado, a ler aquele comunicado bombástico», lembra.
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