O que mais me agrada nas viagens, não são os museus, as paisagens ou a comida (embora estes dois últimos tenham muita importância): são as pessoas.
Nos últimos dias tenho tido como companhia várias viajantes com histórias de vida muito interessantes: o Bob, inglês, que foi gladiador na Grécia (as pessoas pagavam para lutar com ele), a Buquet, turca, que conhecia Pessoa e Saramago ou o Ollie, galês, que deixou o emprego para viajar e comprou um carro velho para percorrer a Europa rumo à Rússia, onde lhe negaram a entrada e a Ásia surgiu, assim, como plano b.
Mas são as conversas com os habitantes locais que mais me encantam. Em Chiang Mai, Tailândia, conversei com vários guias (embora não tenha feito qualquer atividade turística, ou o que quer que eles vendessem). Todos tinham uma experiência a fazer lembrar os vilões asiáticos que vemos nos filmes: uns de cabelos compridos e bigode, outros de cabelo rapado, mas todos com várias tatuagens. Em comum, tinham a simpatia e um humor que me pareceu volátil. Um deles, de cujo nome não me recordo, tinha duas cicatrizes que me pareceram recentes: uma no pescoço e outra na face. Mais tarde vim a saber que eram todos membros dos “camisas vermelhas”.
Devo dizer que nunca conheci povo tão simpático como no Laos. Se a simpatia dos tailandeses – e agora a dos vietnamitas – me pareceu, por vezes, uma máscara para lidar com os turistas, no Laos as pessoas são genuinamente amistosas, tanto com os turistas, como entre eles.
Aconteceu-me algumas vezes os condutores de tuk-tuk virem ao meu encontro, sorrindo e eu, retribuindo o sorriso dizer que não estava interessado, ao que me respondiam com um pedido de desculpas pelo incómodo.
À porta do meu hotel, em Luang Prabang, todos os dias juntava-se um grupo de rapazes de uns 18 anos, que conversavam, sorriam, jogavam badmington e futebol. Três deles eram surdo-mudos, o que me pareceu ser relativamente comum por aqueles lados. Quando vi uma bola de futebol, os meus olhos brilharam e juntei-me a eles. Não houve um que, depois de eu repetir a palavra Portugal várias vezes e com várias entoações, não associasse, de imediato, a minha nacionalidade ao Cristiano Ronaldo. Uns diziam Ronaldo, outros Rolando e outros algo que deduzo ser o nome do jogador. “Ah Portugal”, diz-me uma rapariga, “good football”.
O Siyasaex Phila Phong (pedi-lhe que escrevesse o nome no meu caderno) tem 20 anos e está na faculdade. Não sabe se vai acabar o curso e ser professor. A dúvida deve-se à falta de dinheiro. O governo do Laos promete uma bolsa de estudo para que os melhores alunos do liceu prossigam para a universidade mas, quando chegou a vez de o Sack (o seu diminutivo) receber a bolsa que lhe era devida por mérito, foi-lha negada por falta de fundos. Vindo de uma família pobre, do campo, o Sack não se conformou e trabalha num hotel para ter dinheiro para os estudos. Ganha o equivalente a 40 euros por mês, dos quais consegue poupar cerca de 10. Compreende-se a sua incerteza se acabará os estudos. Se o fizer, vai ganhar o mesmo que ganha agora e, no topo da carreira, chegará aos 70 euros.
O método de avaliação é curioso: o professor escreve cada pergunta num pedaço de papel e dobra-o. Os alunos vão tirando, à vez, e de forma aleatória, um pedaço de papel e respondem à questão que lhes calhar, oralmente e para a turma, durante cerca de 5 minutos.
Pelo relato do Sack sobre a vida no campo, é fácil entender que estudar é um luxo: as famílias acordam às 3 da manhã, cozinham o arroz para a o dia todo e as crianças iniciam a sua romaria ate chegarem à escola. No caso do Sack essa caminhada durava 5 horas por dia.
No hotel, o Sack dorme no hall da entrada, numa espécie de tenda, para que a porta do hotel nunca tenha que estar fechada. Pergunto-lhe se tem namorada: ” Às vezes gostava, mas não dá. Só tenho tempo para estudar e trabalhar”. “Ora aqui está uma queixa comum, a de que o trabalho rouba todo o tempo”, pensei. Mas será’ que todos os que se queixam dormem 3 horas por dia todo o ano, sendo que 3 meses são passados numa tenda improvisada no hall de um hotel? Duvido.