A primeira edição do Campeonato da Europa de Futebol aconteceu em 1960. Nos 16 anos que se seguiram, a fase final da competição decorria apenas entre quatro seleções nacionais. A partir de 1980, passaram a ser oito participantes, subindo para 16 em 1996, até que, a partir de 2016, passaram a ser 24, número que se mantém até aos dias de hoje. Ao todo, realizaram-se 16 Europeus, nos quais Portugal conseguiu participar em metade, beneficiando não só do crescente alargamento do número de participantes mas também, e sobretudo, da melhoria e crescimento da qualidade dos seus intervenientes. Desde a estreia em 1984 até hoje, a Seleção Nacional só falhou duas edições da competição, em 1988, na Alemanha, e em 1992, na Suécia. Aqui recordamos estes 40 anos de história do futebol português, nem sempre bem-sucedidos, mas marcados por grandes jogadores, momentos dramáticos, feitos inéditos e, claro, a conquista de um título de Campeão da Europa, que todos esperam que se repita. De preferência, já no próximo dia 14 de julho, no Estádio Olímpico, em Berlim.

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Euro1984 – França
Dos milagres à desilusão

Portugal apurou-se para a sua primeira fase final de um Europeu depois de conseguir vencer um grupo de qualificação em que defrontou a Finlândia e as poderosas Polónia e URSS. Um feito que, se já existisse VAR na altura, talvez não tivesse acontecido. Muitos se recordarão do penálti “cavado” por Chalana, que foi rasteirado a um metro da área, mas conseguiu cair já bem lá dentro, enganando o árbitro e permitindo a Jordão marcar o golo que garantiu o primeiro lugar do grupo. Estava consumado o primeiro milagre de 1984. O segundo foi ver uma seleção minada por clivagens clubísticas (rezam as crónicas de que os jogadores de Benfica, Sporting e FC Porto mal se falavam), com uma equipa técnica formada por 4 treinadores para satisfazer os chamados três grandes, ser capaz de passar à semifinal do Europeu num grupo em que tinha como adversários a Alemanha, a Espanha e a Roménia. Podendo contar com a excelente forma de Chalana, Jordão e Bento, mas também com o talento de jogadores como Jaime Pacheco, Sousa, Carlos Manuel, Álvaro ou Nené, Portugal empatou com alemães e espanhóis e venceu a Roménia, marcando presença em Marselha para uma dramática meia-final contra a anfitriã, França. A Seleção Nacional entrou praticamente a perder, mas deu a volta, primeiro no tempo regulamentar e, depois, no prolongamento, graças à uma exibição genial de Chalana e a dois golos de Jordão. A inexperiência, contudo, deitou tudo a perder nos últimos 5 minutos do prolongamento, face a uma equipa de França comandada pelo fantástico Michel Platini, que viria a sagrar-se campeã, dias depois, em Paris, contra a Espanha.

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Euro1996 – Inglaterra
A primeira vez da “geração de ouro”

Depois de falhar as presenças no Alemanha88 e no Suécia92, Portugal voltou a qualificar-se para uma fase final no Euro1996 de Inglaterra, o primeiro a contar com 16 participantes. Com o selecionador António Oliveira a comandar um leque de jogadores em que pontificavam muitos dos que, em 1989 e 1991, tinham ganho dois títulos mundiais de juniores, Portugal qualificou-se com facilidade para a fase final. Mas aquela que ficou conhecida como a “geração de ouro”, da qual faziam parte craques como Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, Fernando Couto, Jorge Costa, Paulo Sousa ou Vítor Baía, acabou por não ser muito feliz. Depois de passar a fase de grupos, na qual defrontou Dinamarca, Turquia e Croácia, com relativa facilidade, obtendo um empate e duas vitórias, a Seleção Nacional acabaria por cair logo nos quartos-de-final frente à República Checa. Poucos conseguirão esquecer o “chapéu” com que Karel Poborsky (que viria mais tarde a representar o Benfica) deixou Vítor Baía preso ao chão, impotente.

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Euro2000 – Bélgica e Holanda
Muito brilho e drama

Com os heróis da “geração de ouro” a atingir idades entre os 27 e os 30 anos, com passagens pelos três grandes de Portugal e alguns dos melhores clubes de Espanha e Itália, o selecionador Humberto Coelho tinha à sua disposição uma extraordinária matéria-prima, à qual pôde juntar o talento de outros jogadores que, entretanto, tinham despontado, como eram os casos de Nuno Gomes, Sérgio Conceição, Costinha, Beto, Rui Jorge ou Pauleta. E a verdade é que todas as expectativas se confirmaram. Este terá sido o Campeonato da Europa em que Portugal praticou o melhor futebol de sempre. Venceu todos os jogos até chegar à meia-final: o 3-2 contra a Inglaterra, conseguido depois de, aos 20 minutos, estar a perder por 2-0; o triunfo sobre a Roménia, com um golo de Costinha nos descontos; a partida em que, só com os jogadores que não tinham ainda sido titulares, Portugal arrumou a Alemanha com um hat trick de Sérgio Conceição; e o triunfo mais fácil de todos, nos quartos-de-final, perante a Turquia. Mesmo na meia-final, contra a França (sempre ela…) que viria a sagra-se campeã, tecnicamente Portugal não perdeu, pois, no fim do tempo regulamentar, o resultado era um empate a um golo. Tudo se precipitou no prolongamento, a três minutos do fim, quando uma mão de Abel Xavier na área permitiu a Zidane fazer, de penálti, o golo da vitória. Logo na primeira e única edição em que o Euro se decidiu com recurso ao “golo de ouro”.

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Euro2004 – Portugal
Tragédia grega e o nascimento da lenda
Muito poucos dos que já eram nascidos em 2004 se terão já esquecido do Europeu realizado no nosso país. É impossível não recordar a paixão que se viveu, por aqueles dias de junho e julho, em torno da Seleção Nacional, comandada pelo carismático Luiz Felipe Scolari, que acabou por desperdiçar uma oportunidade de ouro para se sagrar campeã da Europa. Com uma equipa em que os últimos representantes da “geração de ouro” (Figo e Rui Costa) estavam a dar lugar aos craques do FC Porto que tinham acabado de vencer a Liga dos Campeões (Deco, Jorge Andrade, Maniche, Ricardo Carvalho e Nuno Valente) e que via nascer uma das maiores estrelas do futebol mundial do século XXI (Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro de seu nome, na altura com apenas 19 anos), Portugal só perdeu dois jogos durante toda a competição. Ambos contra a Grécia, na partida inaugural (1-2) e na final (0-1). Princípio e fim de uma autêntica tragédia que, pelo meio, no entanto, teve momentos inesquecíveis, como as vitórias sobre Espanha (1-0) e Rússia (2-1), na fase de grupos, e a Holanda (2-1), na meia-final, mas sobretudo aqueles quartos-de-final dramáticos contra Inglaterra, que terminaram empatados a 2 golos e só se resolveram nos penáltis, com o guarda-redes Ricardo a marcar um e a defender outro sem luvas. Memorável!

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Euro2008 – Suíça e Áustria
Adeus de Filipão

Com uma Seleção já totalmente comandada por Cristiano Ronaldo e na qual se afirmavam nomes como Pepe, João Moutinho, Nani, Simão Sabrosa ou Raul Meireles, Portugal voltou a conseguir (como sempre em todas as participações em Europeus) ultrapassar a fase de grupos. Venceu tranquilamente a Turquia (2-0) e a República Checa (3-1) e só perdeu com a Suíça, quando já tinha o apuramento assegurado. O balde de água fria chegou nos quartos-de-final, contra uma Alemanha fortíssima, que dispunha de craques como Ballack, Podolsky, Klose ou Schweinsteiger, e que só viria a ser travada, na final, pela superlativa Espanha, que aí iniciava o seu período de ouro e que haveria de terminar, quatro anos depois, com dois títulos europeus (2008 e 2012) e um mundial (2010). Esse jogo com a seleção germânica, que precipitaria a saída de Luiz Felipe Scolari do comando técnico da Seleção (ficou a saber-se, poucas horas após o apito final, que se tinha comprometido com o Chelsea), até nem foi mal disputado por Portugal, que esteve duas vezes em desvantagem, conseguiu reequilibrar e só perdeu (2-3) a um minuto do fim.

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Euro2012 – Polónia e Ucrânia
Drama nos penáltis

Com Paulo Bento no comando técnico e ainda que Cristiano Ronaldo estivesse sempre em grande destaque, a equipa de Portugal perdera algum brilho, apesar de contar com jogadores como Nani, Quaresma, Fábio Coentrão, Rui Patrício ou Bruno Alves. Mesmo assim, com mais ou menos dificuldade, passou a fase de grupos, em que perdeu com a Alemanha (0-1), mas venceu a Dinamarca (2-3) e a Holanda (2-1). Nos quartos-de-final, chegou a hora da desforra pela derrota de 1996 frente a República Checa. Um golo de CR7 vingou o chapéu de Poborsky e colocou Portugal na rota da Espanha, que só empatara uma vez (1-1) com a Itália e que acabara de derrotar a França (2-0), nos quartos-de-final. Contra La Roja, Portugal conseguiu manter a baliza inviolada por 120 minutos, mas não foi capaz de marcar no mesmo período, pelo que tudo se resolveu através da marcação de grandes penalidades. O desempate até começou bem para Portugal, com Xabi Alonso a falhar, mas, logo a seguir, Bruno Alves imitou o espanhol. Depois, Pepe e Nani converteram, tal como fizeram Iniesta, Piqué, Sérgio Ramos e Fabregas, este último decisivo, porque, antes, João Moutinho havia permitido a defesa de Casillas. Um falhanço que levaria, quatro anos depois, à célebre frase “anda bater que tu bates bem”, com que CR7 incentivou Moutinho a marcar no desempate dos quartos-de-final do Euro2016 contra a Polónia.

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Euro2016 – França
De empate em empate até à glória final

A edição de 2016 do Campeonato Europeu de Futebol é, por motivos óbvios, aquela de que ninguém se esquece. Por menos adepto de futebol que se possa ser, ver a Seleção Nacional do nosso país sagrar-se, por fim, campeã é algo inesquecível. O curioso é que este feito inédito acabou por acontecer naquela que foi, provavelmente, a edição em que Portugal praticou um futebol menos vistoso. A equipa, orientada por Fernando Santos, conseguiu chegar à glória num torneio em que só venceu um jogo durante os 90 minutos regulamentares. Na fase de grupos, empatou com as seleções teoricamente mais fáceis, Islândia (1-1), Áustria (0-0) e Hungria (3-3), o que lhe valeu a repescagem para os oitavos-de-final (esta foi a primeira edição com 24 seleções). Aí, Portugal só venceu a Croácia no prolongamento. Na fase seguinte, a Polónia só foi ultrapassada nos penáltis. Apenas a semifinal contra o País de Gales foi categoricamente ganha (2-0) no tempo regulamentar. Na final, a desforra por tantas derrotas passadas contra a França chegou, como todos bem se lembram, no prolongamento e pelo pé do improvável Éder, que assim entrou de rompante na história do futebol português. Para memória futura, ficaram ainda o espírito de equipa e de entreajuda de uma Seleção que se viu privada, bem cedo, na final, do grande craque, mas que soube unir-se e bater o grande favorito, e a recordação dos grandes desempenhos de jogadores como Pepe, Renato Sanches (a revelação), Nani e Quaresma, o suplente de luxo!

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Euro2020 – 11 cidades da Europa
Os recordes de Cristiano

A última grande loucura de Michel Platini enquanto presidente da UEFA tinha sido criar um Europeu que se realizasse, não num nem em dois países, mas em 11 cidades de dez países europeus, de Sevilha, na Espanha, a Baku, no Azerbaijão. No “Europeu dos aeroportos”, Portugal começou a golear (3-0) a Hungria, em Budapeste. Foi depois para Munique, para ser goleado (2-4) pela Alemanha. Regressou à capital húngara para empatar (2-2) com a França. Por ter sido um dos melhores terceiros classificados da fase de grupos, ganhou o direito a defrontar a Bélgica, comandada por um tal de Roberto Martínez, nos oitavos-de-final, disputados já aqui mais perto, em Sevilha. O resultado foi uma derrota (0-1) e o regresso a casa, sem glória, do campeão em título. Apesar de contar já com alguns dos grandes executantes da nova geração de futebolistas, que brilham nas melhores equipas do mundo (Bernardo Silva, Rúben Dias, Diogo Dalot, João Palhinha, Bruno Fernandes, Diogo Jota e João Félix), Fernando Santos não conseguiu dar brilho a uma equipa excessivamente dependente e amarrada à presença de Cristiano Ronaldo. Só ele, aliás, parece ter tido motivos para festejar com este Europeu, uma vez que os cinco golos que marcou no torneio o posicionaram no topo da lista dos melhores marcadores de sempre, em fases finais da competição, como 14 golos. Um registo que pode ainda ampliar neste ano, quando se tornar o único jogador da História a participar em seis fases finais de um Europeu, acrescentando uma edição ao feito único de ter estado em cinco, que estabelecera também em 2020.

Quando chegámos ao restaurante já havia tachos ao lume a fumegar, colheres na reserva, para depois soprar e provar; um tabuleiro com quatro pães, mais a faca de serrilha, favinha primavera pelada e cogumelos brancos.

No balcão do Marlene – restaurante aberto em 2022 no mesmo edifício do Zunzum Gastrobar, a outra casa de Marlene Vieira, mas virado para o rio Tejo – está tudo a postos para um almoço preparado à vista de todos.

A chefe de cozinha lidera a equipa com confiança e voz assertiva. A refeição seria composta por alguns dos pratos apresentados no programa Cozinha de Chef, cuja segunda temporada se estreou em março.

Marlene Vieira com a sua equipa

A primeira temporada, com aposta nos pratos icónicos feitos ao longo da sua carreira de duas décadas, correu bem, com “excelentes audiências”, 30 mil telespectadores por episódio e um alcance de 60 mil, como nos conta Diogo Alexandre, diretor do canal Casa e Cozinha. Só bons motivos para editar um livro de receitas que Marlene Vieira dedicou a todos os cozinheiros, pasteleiros, empregados de mesa, copeiros e tantas outras profissões ligadas ao serviço ao cliente.

Nos novos dez episódios de Cozinha de Chef (a partir desta segunda, 17), a cozinheira de 43 anos, natural da Maia, continua a percorrer diversas cidades do País para mostrar o que a inspira no receituário nacional, do continente e ilhas. “Chegaram a vir aqui jantar estrangeiros que viram o programa de televisão no hotel”, revela Marlene.

As novas receitas são agora empratadas sem flores, por exemplo, ou outros ingredientes que levavam algumas pessoas a desistir de fazer o prato. No entanto, mantém-se um “programa sem medo de mostrar a forma de cozinhar de um chefe profissional, com risco e atrevimento.”

TRADIÇÃO 2.0

A abordagem à receita regional é nova, mas a sua portugalidade fica intacta. Para fazer um arroz de polvo de tradição minhota, Marlene pega na receita original mas quer fazer diferente. Vai buscar técnicas novas ou outros sabores tradicionais para chegar à nova receita. “As técnicas, os utensílios, os equipamentos evoluíram, o que faz com que o receituário evolua também”, explica.

O almoço começa com finger food, um maki de Queijo São Jorge, ananás e presunto na vez da alga, uma potente e gulosa homenagem ao arquipélago dos Açores para comer à mão.

Segue-se um saltinho à Madeira, preparando um ceviche (prato de origem peruana) com o peixe-espada-preto, tradicionalmente pescado em Câmara de Lobos. Os cubos de peixe, de textura mais cremosa do que o cherne, a garoupa ou a corvina, são marinados em sumo de lima, maracujá, cebola roxa e leche de tigre. Uma entrada fresca e vibrante.

Vem aí a primeira prova de fogo, com mais um prato frio, agora da região ribatejana de Santarém. Quem tantas vezes na infância comeu contrariada língua de vaca estufada, conseguiu saborear e querer repetir a salada de língua de vaca cozinhada, fatiada finíssima como se de carpaccio se tratasse, com agrião e molho tonnato (feito com atum de conserva), em tudo semelhante ao vitello tonnato, típico prato italiano.

Na mesa, cada prato seria uma surpresa. Novo desafio para quem não aprecia as favas, ou melhor, a pele das favas. Pequenas, concentradas de sabor, servidas numa salada com tomate fresco cru e tomate assado a baixa temperatura, requeijão de ovelha e ovos de codorniz escalfados. Deliciosas, sem hesitações.

Salada de favas, tomate cru, tomate assado, requeijão e ovo de codorniz escalfado

Em cada episódio, de 25 minutos cada, Marlene Vieira partilha duas ou três receitas e mais algumas dicas, como “se não tiver um ingrediente, substitua por outro”. “As pessoas podem dar asas à imaginação”, desafia a chefe.

COMER SEM PENSAR

Se, até agora, os frios estavam cinco estrelas, a fasquia elevou-se ainda mais para os quentes. De Leiria chega à mesa o aromático arroz de marisco confecionado com delicados percebes e rosadas gambas, apaladado pela verde salicórnia e servido em louça de barro preto, que salienta ainda mais as cores. É tanto sabor!

Arroz de marisco

Também do mar e a aliar-se à tradição algarvia da serra de Monchique, as lulas recheadas com enchidos, arroz, tentáculos da lula e legumes, servidas com puré de couve-flor, cremoso.

Lulas recheadas à algarvia

Subimos ao Alentejo, até Portalegre, a cada garfada na empada de perdiz com cogumelos, e a Évora na boleia doce da sericaia. Em vez de uma fatia simples, foi enrolada e acompanha com gelado de ameixa de Elvas, natas ácidas e um toque de calda de ameixa. “Não se pensa quando se está a comer. Só se saboreia”, resume Marlene Vieira.

As andanças televisivas de Marlene não são novidade, pois antes de Cozinha de Chef, já tinha participado na RTP1 nos programas Chefs Academy (2013), A História da Gastronomia Nacional – Doçaria Conventual (2019) e Masterchef Portugal (2021). E há sempre imaginação para temáticas diferentes, como uma terceira temporada centrada em pratos clássicos internacionais, como bife Wellington. Ficamos à espera.

Cozinha de Chef > Casa e Cozinha > Estreia 17 jun, seg 21h > seg-sex 21h > 10 episódios

Sem fazer os tão desalmados spoilers de nenhum dos dois episódios que nos foram dados a ver antes da estreia da segunda temporada de House of the Dragon (Casa do Dragão), podemos afirmar que a guerra que se aproxima, embora liderada por duas mulheres, tenta ser evitada a todo o custo pelas mesmas. Já o sabemos da primeira temporada. Nenhuma delas recua nas suas ambições, obviamente, e o desfecho sangrento torna-se inevitável, embora o que o precipita acabam por ser as ações de homens demasiado impulsivos para conter os seus instintos primários. Nada de novo no ecrã como na vida. 

Nesta segunda temporada – que estreia nesta segunda, 17, na Max –, vamos deixar brilhar a segunda geração da família real. E os atores que os interpretam bem fazem por merecer o brilho. Temos então o filho mais velho de Alicent e Viserys, o coroado rei Aegon II, um doido psicopata que nos faz lembrar o “saudoso” Joffrey de A Guerra dos Tronos. Ambos tentam ser controlados pelas mães, mas aquele delírio narcísico, sem uma ponta de empatia pelo sofrimento humano, escapa a qualquer controlo ou tentativa de imposição de alguma racionalidade.  

O seu irmão, Aemond, já nos tinha fascinado na primeira temporada e mostra-se um rival à altura de Daemon, o tio/marido de Rhaenyra. A sua impulsividade, ao matar o sobrinho Lucerys, segundo filho de Rhaenyra, põe em marcha, aliás, os planos de guerra. Aemond é um personagem complexo e ainda vamos ter muitas surpresas com ele.  

Em Dragonstone, temos Jacaerys, o primeiro filho de Rhaenyra, rapaz diplomático que assume o papel de herdeiro da mãe. E as irmãs Baela e Rhaena Targaryen, filhas de Daemon, que irão ter um papel importante na guerra que se avizinha.  

O que podemos esperar mais? Uma série visualmente excecional, com toda a atenção dada aos pormenores e à fotografia. Já estamos habituados. Mas este primeiro spin-off de A Guerra dos Tronos – no caso uma prequela, cuja ação se desenrola 200 anos antes – vai aproximar-se, nesta segunda temporada, da “fórmula vencedora” da série-mãe. A garantia é dada por Matt Smith, o ator cujo talento nos oferece o endiabrado Daemon. Sim, continua rebelde e rebelde o queremos.

House of the Dragon > Max > Estreia 17 jun, seg > 8 episódios, um por semana

Não poderia ser de outra forma. A paz faz-se com aqueles que estão em guerra, e se a Ucrânia quer e tem o apoio de dezenas de países e organizações para encontrar uma solução, que não a rendição, o mesmo não acontece com a Rússia de Putin, que mantém uma agressão desumana contra populações civis e indefesas. A cimeira foi um passo na direção certa, mas só no teatro de batalha é que a paz poderá ser alcançada.

Putin quer que Kiev se ajoelhe às suas imposições, mesmo que já tenha esgotado o impulso e o momento que tentou imprimir às suas forças na zona de Kharkiv. Esta cimeira coincide – é um bom sinal – com importantes avanços militares ucranianos, e só assim é que Moscovo se sentará à mesa de negociações, mesmo que por interpostos países.

Zelensky sabe que tem poucos meses para virar a seu favor a sorte das cartas militares. O ambiente político na Europa e nos EUA não o vai favorecer a médio prazo – na Grã-Bretanha e na França há sinais preocupantes – e se Novembro trouxer a reviravolta nos EUA, então tudo pode regredir e complicar-se.

Todos os aliados da Ucrânia já perceberam que o tempo jogará a favor de Putin. E é por isso que estão cada vez mais ousados e empenhados numa ofensiva vitoriosa de Kiev, aceitando para isso que o poder militar russo seja degradado e danificado no seu próprio território. É urgente dar tudo o que os ucranianos precisam. Agora.

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Mais de 40 anos de experiência em terapia de casal chegam e sobram para José Gameiro, 74 anos, descomplicar a vida a dois. Numa entrevista a propósito do lançamento do Manual de Infidelidade (Avenida da Liberdade Editores, €17), o psiquiatra mostra como tudo pode ser mais fácil do que aquilo que imaginamos.

O título deste seu novo livro é enganador, não é?
É irónico. Quero desfazer o mito de que a infidelidade destrói as relações e mostrar que gosto muito de trabalhar com casais infiéis. Os casais com trinta anos de conflitos têm um prognóstico muito mau, mas os que têm uma crise (a infidelidade é a causa mais frequente) são os melhores porque estão ali fresquinhos, prontos a trabalhar.

Portanto, não ensina o leitor a ser infiel.
Não [risos], ainda que explique como as coisas se passam normalmente, os meios que as pessoas usam hoje em dia e como são apanhadas.

Dá ideias!
Ah, as pessoas já sabem as ideias todas. Mas a fidelidade e a infidelidade não são lineares. Já ouvi ene pessoas que foram infiéis dizerem “Nunca me passou pela cabeça.” E isso independentemente das confissões religiosas, que às vezes complicam as coisas. Dizem genuinamente “Pensei que nunca me ia acontecer. Tenho um casamento que corre bem, meti-me nisto e agora estou com dificuldade em sair.”

Escreve que a fidelidade é uma regra sagrada dos casais.
Noventa e nove por cento das pessoas não aceitam a infidelidade. Encontrei duas ou três vezes os chamados casais abertos, e sempre com uma das pessoas a aceitar a abertura contranatura, numa posição a que chamo de pseudomutualidade. “Aceito só para não te perder.” Ao fim de um tempo, aquilo dá para o torto, claro.

Afinal, do que falamos quando falamos de infidelidade?
O conceito genérico é “Tenho uma relação com outra pessoa fora do casamento e vou para a cama com ela.” Depois, há as relações platónicas, as relações digitais e até as relações de amizade que são sentidas como infidelidade. “Vais contar pormenores da nossa vida a outra pessoa. Estás a ser infiel ao nosso casamento.” Mais raramente, há casais em que o homem (porque é sobretudo ele) tem mais satisfação erótica com a masturbação a ver pornografia do que na relação.

Isso é sentido como infidelidade?
“Estou com um homem que tem mais prazer sexual a ver umas senhoras nuas ou a fazer sexo, na televisão ou no computador, do que comigo, e portanto está a trocar-me.” É complicado de tratar, porque quando o foco erótico está centrado na masturbação com a pornografia, torna-se difícil mudá-lo. O prazer na relação não se compara, nunca é tão forte.

A traição também é sentida de maneira diferente entre homens e mulheres?
Para os homens, tendencialmente, a questão física é a mais importante, ainda que eu não acredite que haja relações de infidelidade só físicas. A maior parte das pessoas ou é infiel crónico, que anda a saltar de cama em cama, e aquilo é uma coisa como beber um copo de água, como diz uma amiga minha, ou, depois de algum tempo, por muito frias que as pessoas sejam, criam-se laços. As mulheres têm mais tendência para relações também afetivas. Não é geral, mas continua a ser uma diferença de género, embora elas estejam a mudar e a ter comportamentos mais parecidos com os masculinos.

Tudo isto evoluiu muito. Estamos longíssimo do Flaubert a dizer, no tribunal “A Madame Bovary sou eu”, quando lhe perguntam “Afinal, em quem se inspirou?”
Era a ideia de que as mulheres são menos infiéis com os homens, o que é uma ideia falsa, porque os homens não são infiéis só com senhoras solteiras [risos]. As pessoas mentem nos inquéritos, mas quem estuda estas coisas acredita que andamos perto do fifty-fifty. As mulheres são é muito melhores a esconder.

Para as mulheres é importante saber se o parceiro ama ou amou a outra pessoa, enquanto para os homens é importante saber como foi a prestação sexual?
Saber como foi a prestação é importante para ambos e é uma das coisas que tento cortar imediatamente. A primeira parte da terapia de casal é muito dura, porque é quando a vítima faz perguntas sucessivas: como foi, onde foi, se foi por trás ou pela frente, desde quando… E eu, no respeito que ela tem de fazer perguntas e na dificuldade que a outra tem em responder, porque se sente culpada ou porque quer proteger a intimidade da chamada terceira pessoa (termo que me irrita), tento cortar. Costumo dizer “Olhe, nunca vai saber o que se passou, porque não esteve lá. E, quanto mais souber, mais na sua cabeça ficam fantasias catastróficas, o que vai dificultar o processo.” Também tento cortar uma coisa que acontece mais nas mulheres, que é quererem ir falar com a outra.

Ah! Elas vão pedir batatinhas?
Isso é frequente. A primeira coisa é saber quem é a outra, e, mesmo que o marido não diga, às vezes descobrem e querem ir falar com ela, o que é de altíssimo risco.

Porquê?
Porque a outra não é controlável. Desde poder mostrar mensagens até dizer que aquilo ainda continua ou “Nem pense que o seu marido tinha prazer consigo, comigo é que tinha.” A outra pode estar muito magoada com o facto de a relação ter acabado… Tento evitar isso, porque é devastador.

Isso acontece quando?
É na fase mais difícil da terapia de casal, que são as primeiras sessões, quatro, cinco, seis sessões. É aquilo que eu chamo a Via Sacra, em que tento controlar as conversas. Digo-lhes “Você precisa de falar, respeito isso inteiramente. O seu marido ou a sua mulher não quer, mas vai ter de conversar alguma coisa. Vão falar duas vezes por semana, durante meia hora ou três quartos de hora.” E, normalmente, as pessoas cumprem.

Sem reservas?
Balizo aquilo. Explico “Vai ter de dizer alguma coisa, como se sentia, o que sentia. É importante que fale, mas, as coisas factuais, se calhar tem direito de reserva. Portanto, tente negociar.” Após essa fase, que não passa de repente, a necessidade de saber tudo vai diminuindo. O interrogatório policial vai, então, baixando e começam a acontecer encontros do casal. E esses encontros são tórridos.

O pós-infidelidade é espetacular?
Não é sempre [risos], mas é muitas vezes, porque se está em competição com a outra pessoa. “Ai, ela/ele fazia-te isto? Eu também faço!” Aliás, basta imaginar que fazia.

Após a infidelidade, a relação fica mais próxima, mais cuidada, mais afetiva na sua expressão. E, sexualmente, é habitual melhorar bastante

A infidelidade é sempre um perigo?
A infidelidade tem um tempo em que pode ser muito ameaçadora para o casal, e esse tempo não é longo. Há um dos elementos que começa uma relação de infidelidade, está apaixonadíssimo e genuinamente disposto a separar-se. Mas, se as coisas não se resolvem nos primeiros seis meses a um ano, se não sai de casa, a relação acaba ou cronifica. Equilibra-se naquela instabilidade. Do outro lado, pode acontecer a mesma coisa, se a pessoa também for casada. E ainda há outra situação complicada, que é quando ambos combinam separar-se, um deles consegue, mas o outro borrega, como dizemos em aviação.

Quando vão ter consigo, a infidelidade já acabou?
Ou vai acabar. Só trabalho com casais que decidiram que a relação que está fora tem de acabar. Faço entrevistas individuais no início e já fui aldrabado, mas a maior parte das vezes não sou enganado. Se foi ele o infiel, tento perceber se aquilo está mais ou menos resolvido e, depois, pergunto à mulher “Então, e consigo, como foi?” Muitas vezes, ela responde “Comigo houve uma história, mas foi só de uma noite.” Porque há quase sempre histórias [risos].

E a questão de contar ou não contar?
A maior parte das pessoas foi descoberta, raramente conta. Deseja contar, mas vão adiando.

Contar parece-me egoísta, só para aliviar a consciência.
É uma espécie de cloaca, é mandar a porcaria para cima do outro.

Não é pela necessidade de ser honesto?
Pode ser, mas não é tão linear. Estou a lembrar-me de um casal em que ele contou que tinha tido uma aventura forte sete anos antes. Não aguentava viver assim e abriu uma crise no casal, que se resolveu. O que costumo dizer aos meus amigos que vêm falar comigo (nesses casos, posso ser diretivo) é “Tens duas hipóteses: ou esperas que sejas apanhado, e a crise rebenta nessa altura, ou falas neste momento, vais ter uma crise, e a crise é dura. Mas, se queres continuar com ela/ele, não é por isso que vai separar-se de ti.”

Lá está: a infidelidade não leva obrigatoriamente ao divórcio.
E, provavelmente, sai um casal melhor depois disso, mas é uma aventura dolorosa.

A via sacra de que falava há pouco é um caminho de grande sofrimento.
Tenho sinais de que a pessoa está a começar a dar a volta quando há intervalos livres em que não pensa muito naquilo, em que se consegue aproximar do outro, até fisicamente. Mas, às vezes, é tão duro que tenho de lhe dar um antidepressivo. Dou isso in extremis, ao fim de seis meses.

Porquê seis meses?
Porque, se não resolvem aquilo nos primeiros seis meses, a pressão é tão grande que pode pôr em causa o casal. Não por causa do que se passou, mas por causa da tensão criada durante aqueles meses todos e do atirar sistematicamente culpas. Há uma altura em que atirar culpas tem de parar, porque o elemento que foi infiel diz “Estou arrependido, mas não posso voltar para trás e, portanto, não passes a vida a culpar-me, porque senão isto não avança.” E tem razão. Senão, gera-se uma tensão tão grande que o casal começa a desfazer-se.

Também escreve que a crítica sistemática, essa sim, pode ser…
É o pior indicador a prazo, está estudadíssimo. Se antigamente era aceite os homens criticarem as mulheres todo o tempo e elas calarem-se, hoje isso acabou.

Porque as críticas são destrutivas?
Há níveis de crítica, mas elas podem ir num crescendo e, ao fim de um tempo, a autoestima das pessoas vai… [faz um gesto de algo a cair]. Se estou com alguém que passa a vida a chamar-me burro, atrasado mental ou…

Ou seja, colocamo-nos, a nós, em causa na relação.
A pessoa que está connosco, ao fim de uns anos, conhece-nos cirurgicamente. E vice-versa. Sabe onde há de atingir, onde há de atirar a seta perfeitamente.

Como é que se avalia o amor?
O amor não se avalia. Não tenho nenhum medidor de amor, nem quero ter. Sei do meu e já não é mau [risos]. Eles é que têm de perceber se ainda gostam do outro. Vamos fazer uma caricatura: as pessoas chegam e dizem “Achamos que isto está no fim, já não gostamos um do outro…” Aí, provoco-os: levanto-me e digo-lhes “Vamos embora, é?”

E o que acontece quando aparecem os sentimentos de uma forma mais genuína?
As pessoas dizem uma de duas coisas: “Já não quero discutir mais contigo, mas também não quero mais estar contigo”, e, aí, o amor claramente desapareceu, ou então “Vamos a isto, porque ainda sinto alguma coisa.”

Disse que, uma vez ultrapassada a crise, o casamento pode tornar-se uma coisa melhor. Quer explicar?
Existem duas características que normalmente ficam. Para começar, a confiança nunca é completamente readquirida ou demora muitos anos a sê-lo. A parte positiva é que, pelo menos nos primeiros tempos, a relação fica mais próxima, mais cuidada, mais afetiva na sua expressão. E, sexualmente, é habitual melhorar bastante.

Começa o interesse e o cuidado?
Mesmo que a relação antes fosse boa, porque há infidelidades em casamentos que funcionam e a ocasião faz o ladrão. Mas, após a crise e passada uma fase inicial em que o contacto é complicado, as pessoas ficam mais próximas fisicamente.

Também por causa das fantasias, como conta no livro?
Essa é uma história clássica minha, a do homem, já de uma certa idade, que arranjou uma história no Brasil, com um filho, e aquilo rebentou tudo… Quando o casal me apareceu, a senhora vinha com um ar deprimido, mas, à terceira ou quarta sessão, parecia uma jovem, toda apinocada. E, no fim, ele disse-me “Ela agora quer todos os dias, porque diz que com a outra devia ser uma vez por dia ou mais, e eu não aguento isto. Já tenho meia-idade e conheço-a há 40 anos, o dr. dá-me alguma coisa?” E eu lá lhe dei uns comprimidos.

Neste JL, Os Festivais de Música Clássica e de Jazz. Os novos romances de Rui Cardoso Martins e Rui Couceiro. O perfil de João Paulo Esteves da Silva. Reportagem: em busca da Arte no Rio Mira. Camões na Educação. Os premiados do Global Teacher Award Portugal.

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