O JILA é um instituto criado numa parceria entre o National Institute of Standards and Technology e a Universidade de Colorado Boulder, nos EUA. Foi aqui que uma equipa desenvolveu o relógio atómico mais preciso de sempre e que pode ajudar a melhorar serviços como o sistema de localização por GPS ou a perceber como a gravidade pode influenciar o fluxo de tempo em distâncias submilimétricas.

A forma de medir o tempo com precisão é essencial para avanços tecnológicos como os lançamentos espaciais, onde frações de segundo fazem toda a diferença. Os cientistas usam relógios atómicos que funcionam ao ‘contar’ as vibrações extremamente precisas de certos átomos. O césio-133 vibra precisamente 9192631770 vezes por segundo e é essa que tem sido a duração oficial dos segundos desde a década de 1960 e esta medida é precisa ao segundo em 300 milhões de anos.

Agora, o JILA usou alguns dos recentes avanços conseguidos para desenvolver um relógio ainda mais preciso, que não usa césio, mas sim o estrôncio que vibra 429 biliões de vezes por segundo. A medição não é feita por micro-ondas, mas sim por ondas de luz visível, explica o New Atlas. Várias dezenas de milhares de átomos são presos numa rede de laser onde ‘dançam’ de forma previsível e controlada. Ao ter muitos átomos num local circunscrito, o relógio consegue ser mais preciso e fidedigno, ‘perdendo’ apenas um segundo a cada 30 mil milhões de anos.

GPS, telecomunicações e a própria Física como a conhecemos são algumas das áreas onde este relógio pode vir a ser útil.

Palavras-chave:

As entidades reguladores do mercado financeiro receberam a confirmação de que Jeff Bezos vai vender cinco mil milhões de dólares (o equivalente a 4,6 mil milhões de euros ao câmbio atual) de ações da Amazon. A notícia foi confirmada durante esta quinta-feira, depois de as ações terem registado um valor máximo de 200,43 dólares, traduzindo-se num aumento de 30% só este ano.

O pacote de cinco mil milhões de dólares representa 25 milhões de ações. Depois de a venda se concretizar, Bezos ficará ‘apenas’ com 912 milhões de ações da empresa. Em fevereiro, o empresário já tinha vendido 8,5 mil milhões de dólares (cerca de 7,8 mil milhões de euros) em ações, lembra o The Guardian.

Jeff Bezos é atualmente o segundo homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 214,4 mil milhões de dólares (cerca de 197 mil milhões de euros).

De sublinhar que o magnata norte-americana tem usado parte do dinheiro proveniente da venda das ações da Amazon para financiar a Blue Origin, empresa que opera no setor aeroespacial, o fundo de combate às alterações climática Bezos Earth Fund e também outros projetos nos quais está envolvido, como a startup de longevidade Altos Labs.

Palavras-chave:

Com a proliferação de soluções de Inteligência Artificial, cada tecnológica está à procura do melhor posicionamento e a estratégia da Google passa por ter um grande número de ferramentas incluídas nos telefones Pixel. Agora, para a próxima geração dos smartphones de marca própria, que deverão ser conhecidos como Pixel 9, a Google quer disponibilizar um conjunto completo de ferramentas de Inteligência Artificial sob a marca ‘Google AI’.

Uma fonte que trabalha na tecnológica conta ao Android Authority que o pacote vai ter uma mistura de ferramentas já existentes, como o Gemini ou o Circle to Search, ao lado de novidades como o Add Me, o Screenshots e o Studio.

Google AI Pixel

Com a Add Me, o utilizador vai poder assegurar-se de que todos ficaram bem na fotografia, permitindo, provavelmente, alterar as expressões nos rostos e até fundir diferentes versões das fotos que tenham pessoas diferentes e permita adicionar o utilizador num momento posterior. O Studio é uma variante do Creative Assistant que já foi visto e aparenta ser um gerador de imagens com recurso a Inteligência Artificial. Se assim for, é possível que a Google use as soluções que já tem vindo a desenvolver, como o Google Imagen 2.

Por fim, os Pixel Screenshots parecem ser uma versão do Recall que a Microsoft apresentou recentemente e que está envolvido em polémica. O Recall funciona no Windows 11 em exclusivo nos computadores Copilot Plus e captura automaticamente tudo o que se está a fazer e depois usa IA para ajudar o utilizador a encontrar aquilo que procura. Com os alertas de que um atacante poderia depois ter acesso a tudo o que foi feito, a Microsoft decidiu suspender o lançamento enquanto aprimora a solução. Nos Screenshots, a abordagem da Google é mais focada na privacidade, com o recurso a uma Inteligência Artificial local, presumivelmente uma nova versão multimodal do Gemini Nano.

Todas estas novidades devem aparecer primeiro no Google Pixel 9 e depois devem chegar a outros modelos Android.

Palavras-chave:

Still Wakes the Deep começa com uma sensação de grandeza. Quando vislumbramos a plataforma petrolífera Beira D, no Mar do Norte, pela primeira vez, sentimo-nos pequeninos. E a infraestrutura é reproduzida de forma tão fidedigna que, em diferentes momentos, faz-nos mesmo sentir como se estivéssemos a bordo de uma. Mas à medida que o enredo se desenrola e os minutos de jogo acumulam, a mesma plataforma parece agora muito mais pequena e claustrofóbica. Há poucos sítios para nos escondermos e poucas rotas de fuga. E isto sente-se também por dentro, nos nervos, à medida que o jogo vai ficando cada vez mais perturbador.

Still Wakes the Deep, produzido pelo estúdio Chinese Room, conta a história de Caz McLeary, um eletrecista escocês que, em 1975, comete um crime e decide que a melhor forma de lidar com as consequências disso é fugir do mundo – e que melhor sítio para ser esquecido, inclusive pela sua família, do que uma plataforma petrolífera?

Aqui partilhamos o trabalho com outros escoceses – e as múltiplas referências à nacionalidade das personagens não é inocente, pois a narração é feita por nativos e os diálogos, imaginamos, também tiveram um toque muito local. E, dentro daquilo que é a cultura popular, sabemos como são os escoceses – desbocados, pragmáticos, resmungões. E isso está tudo lá. Mesmo quando tudo começa a desabar à nossa volta, ali estão eles a mandar uns aos outros às favas. E claro, o insuportável Rennick (pode vê-lo na terceira imagem da fotogaleria), o supervisor da plataforma que quer todos a trabalhar a todo o gás mesmo que esteja a chover martelos.

Still Wakes the Deep : A força que nos consome

Durante os trabalhos de exploração de petróleo, dá-se um problema – a broca parece não conseguir perfurar e os arranjos já estão a ser feitos. Depois, um enorme abalo. Que raios se passa aqui? A partir desse momento, tudo começa a ficar estranho. Ouvem-se gritos na plataforma. Há pessoas a comportarem-se de forma aleatória. Há quem esteja desesperado e a pedir ajuda. E já há quem esteja morto. Aos poucos, o nosso McLeary tenta arranjar uma forma de tirar os sobreviventes da plataforma. E aos poucos, a própria plataforma começa a ganhar vida, ficando infestada de estruturas semelhantes a tentáculos ensanguentados.

Aqui vale a pena destacar dois elementos. Um, a muito boa qualidade gráfica do jogo, que contribui para a sensação de imersão e realismo, algo reforçado pela perspetiva na primeira pessoa. Sobretudo na forma detalhada como o interior e o exterior da plataforma estão pensados, do complexo sistema de tubagens, aos elementos que fazem parte das cabines, cantina e casa das máquinas. Isto é realçado pelo excelente trabalho de iluminação, que dá um maior dramatismo e sentido de aperto e urgência à trama.

Dois, a linearidade e simplicidade do jogo. Still Wakes the Deep é, em termos de jogabilidade, muito direto – não nos é permitido explorar a plataforma à nossa vontade, os elementos interativos são escassos e nem sequer temos de lutar. Aqui, impera o pragmatismo – temos de nos esconder, de rastejar e correr nos momentos certos, de distrair as ‘amigas’ criaturas, para conseguirmos cumprir diferentes objetivos, sempre com o objetivo de ajudarmos a restante tripulação, ou o que sobra dela, a sobreviver. Não temos superpoderes – corremos, saltamos e trepamos escadas, como um humano normal. Um movimento no momento errado e já fomos.

Se a jogabilidade pode deixar alguns jogadores a querer mais (e, em determinadas passagens, chega a ser desajeitada, p.ex., na forma como a nossa personagem corre), é importante lembrar que este é, declaradamente, um jogo de terror, não um jogo de ação ou exploração. O objetivo aqui é fazer o jogador sentir uma tensão enorme, deixá-lo sufocado na sensação de que, a qualquer momento, a cada virar de esquina, está algo que nos vai fazer a folha ou fazer o nosso coração saltar até à boca. E há, de facto, momentos assim no jogo. E de algum choque também, pela forma como os nossos antigos companheiros de trabalho vão sendo transformados em pesadelos ambulantes cuja agonia se vai fazendo sentir de forma crescente.

Para os aficionados do género, Still Wakes the Deep é garantidamente uma aventura marcante e obrigatória – pelo cenário, pelos diálogos, pelo suspense, pela forma como a história de Caz McLean se vai desenvolvendo. Para os outros, é um jogo que vai garantir umas quantas horas bem agarrado ao comando da consola.

Tome Nota
Still Wakes the Deep | €34,99 (incluído no Xbox Game Pass)

Nota final: 4

Plataformas PC, GeForce Now, PS5, Xbox Series X|S (testado)
Estúdio The Chinese Room
Editora Secret Mode

Prós
+ Tenso, eu? Naaaah, é impressão vossa…
+ O detalhe desta plataforma petrolífera impressiona
+Há um troféu de jogo para quem terminar em gaélico

Contras
– Chamem o serralheiro, 70% das portas não funcionam

Uma visita guiada aos lugares de Leonor Teles

Muitos de nós imaginamos que o Tratado de Windsor foi o primeiro da aliança luso-britânica, a mais antiga ainda em vigor — mas enganamo-nos. O pacto fundador foi o Tratado de Tagilde, celebrado nesta vila do concelho de Vizela, a 10 de julho de 1372, e reconfirmado um ano depois em Londres. Assinado tanto por D. Fernando, como pela rainha com quem acabara de casar em Leça do Balio, sim, essa mesma, Leonor Teles. Mas a maior surpresa, aquela de que ninguém nos fala, é quem era o outro “personagem” fundamental envolvido nestas negociações que tinham por objetivo derrotar o usurpador Enrique de Trastámara, rei de Castela? Pois, nada mais, nada menos do que João Fernandéz, mestre de Andeiro, em Tagilde como procurador de John of Gaunt, pai de Filipa de Lencastre, e em Londres como embaixador dos reis de Portugal. Afinal aquele que nos venderam como o “mau da fita” era o homem de confiança de D. Fernando, com muito que contar…

1. O chamado “caso das gémeas” ultrapassa todos os limites. Não só da falta de sentido da medida e das prioridades, na ação política e no Parlamento, como na ausência do mínimo exigível de sensatez, inteligências das coisas, “humanidade”. A factualidade com que foi apresentado ou sugerido, justificava alarme e impunha averiguações que permitisse formular juízos, inclusive políticos, com as consequências que deles se devessem tirar. Como aqui escrevi.

Resumo dessa factualidade: as meninas eram brasileiras, tendo conseguido, mercê de influência política, a nacionalidade portuguesa em tempo recorde, para virem para o nosso país a fim de serem tratadas, o que não haviam conseguido no Brasil, com o medicamento “mais caro do mundo”, de que não havia notícia de antes já ter sido ministrado entre nós. Ou seja, tudo configurando favorecimento ilegítimo, via  Presidente da República, a pedido do seu filho, com enorme dispêndio para o erário público.

Ora, o que de essencial hoje se sabe é: as gémeas são, por direito próprio, portuguesas (luso-brasileiras); o processo administrativo para as formalizar como tal não violou qualquer regra ou prazo; as duas meninas não foram as primeiras a ser tratadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) com aquele medicamento – nem, ao serem-no, ultrapassaram alguém que estivesse à sua frente para o efeito. Além disso, não há nada que proíba de no SNS, dadas as suas carências financeiras, serem ministrados medicamentos ou feitos tratamentos de elevado custo. 

2. Sendo assim, onde está a matéria que justifique todo o alarido com o “caso” e, sobretudo, haver uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre ele? Proposta, claro, pelo Chega, a que outros grupos parlamentares parecem ter cada vez mais dificuldade, ou menos coragem, para se oporem, pelo menos com eficácia.

De facto, o que está em causa é só saber se o pedido que o filho de Marcelo lhe fez teve teve influência em todo o processo – e até agora nem se apurou ter havido da parte do pai alguma conduta fora dos procedimentos normais da Presidência; e saber se a teve a marcação de uma consulta através do gabinete do secretário de Estado da Saúde, “arguido”, com um médico, na investigação criminal em curso.

Investigação criminal, de que crime? Porque se houve, chamemos-lhe “cunhas”, neste caso, o que é muito provável, pelo que resulta de tudo que se conhece foi para tornar mais rápido o tratamento para salvar a vida de duas meninas. Sem prejudicar ninguém, sem ultrapassar ninguém que a isso tivesse mais direito. Deve ser isto não motivo de, pelo menos, compreensão, mas objeto de perseguição penal e política? 

3. A isto chegamos. Culminando com a CPI e a audição nela da mãe das meninas. A recordar, com inevitável comoção, tudo o que fez para as salvar. E de seguida a ser “interrogada”, na diligência parlamentar mais lamentável e degradante de que na minha longa experiência tenho memória. Política e, o que é muito pior, humanamente inadmissível. E o espetáculo da CIP lá continuará, até com inesperadas atrações, como António Costa. A ser ouvido, de novo por proposta do Chega, aprovada, pasme-se!, pelo PSD, depois de admitir que ele não iria lá fazer nada.

Chega que continua a não olhar a meios para atingir os seus consabidos fins, demasiadas vezes parece que com a conivência, por ação ou omissão de não poucos, incluindo nos media – decerto, em geral, mais por falta de inteligência das coisas e de competência do que por convicção. Chega agora a convocar polícias e outras forças de segurança para o Parlamento, com a óbvia intenção de condicionar o que nele se vai debater. Chega a tentar, e já em parte a conseguir, conquistá-las, manipulá-las, aplaudindo com entusiasmo tudo que elas, e agora já também o MP, façam e possa servir para atacar ou fragilizar o regime democrático.

Mas estamos nisto: sem o mais ínfimo fundamento acusar um Presidente da República de “traição à pátria”, nenhuma  consequência, eventual “cunha” para salvar a vida de duas meninas, uma CPI. Quando se começará a debater e tratar a sério da “legítima defesa” da democracia? 

À MARGEM

O exemplo francês

As sondagens confirmaram-se e a extrema-direita foi a força mais votada nas eleições francesas. Face a tais sondagens, a esquerda teve a visão e capacidade políticas, aliás bastava o bom senso, de se unir, apesar de todas as suas diferenças. E ficou em segundo lugar, os centristas do Presidente Macron em terceiro.

O sistema eleitoral francês, a duas voltas, permite que acordos entre os dois blocos, de esquerda e de centro, impeçam que a extrema-direita venha a vencer  e governar o país, mantendo-se um governo “republicano”. Saliento a clareza e vigor com que o jovem primeiro-ministro, centrista, apontou logo nesse sentido, enquanto o líder da esquerda, antes de o fazer, salientou antes a derrota de Macron. Não gostei… – mas espero que tudo se resolva.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Justiça – prioridade democrática e nacional

+ Alguns “sinais”

+ Como foi… E agora?

Palavras-chave:

E pronto, nada de novo no reino de Sua Majestade: as sondagens não mentiram e as previsões confirmaram-se. O advogado Keir Starmer, 61 anos, o filho da working class, como o próprio gosta de sublinhar, o primeiro membro da família a ir para a universidade, chega a Downing Street. Como a democracia tem os seus preceitos (e ainda mais uma monarquia constitucional), se tudo continuar a correr conforme o previsto, durante o dia hoje, o recém-eleito primeiro-ministro britânico falará à nação a partir do número 10 e irá conversar com o rei, ao Palácio de Buckingham. Por essa altura, Starmer já deverá ter pronta a constituição do novo governo britânico.    

Turn right ou turn left? Quando a Europa vira à direita, o Reino Unido vira à esquerda, o que na verdade só surpreende quem se esquece que, da integração europeia à condução automóvel, os ingleses sempre fizeram questão de ser do contra. Perdoe-se-me a generalização: ter um pé dentro e um pé fora; de estar com os outros, mas não estar bem com os outros; de ser como os outros, mas não ser bem igual aos outros. Assuntos que, em parte, no meu modesto entender, se resolviam no divã, mas adiante.   

Este artigo é exclusivo para assinantes. Para continuar a ler, clique aqui.

– Disseste que precisavas de tempo para responder.

– Sim, para responder com sinceridade.

– A pergunta era: a solidão pesa-te?

– Não se trata de pesar ou não. A solidão é mais do que um fardo que carrego, é o próprio chão que não me liberta. Um buraco negro, às vezes.

– Foi isso que concluíste?

– Não. Isso já eu sabia. A solidão pesa-te? foi uma provocação vossa. A pergunta era: as palavras – as palavras escritas, as palavras lidas – têm o poder de me suspender sobre o abismo, uma espécie de poder antigravitacional? Foi nisso que estive a pensar.

– A solidão não é nenhum abismo. É esse o perigo: as palavras escritas transformam-se facilmente num jogo, uma brincadeira fora da vida.

– Acham, então, que vivo dentro de historietas de encantar, de conhecimentos inúteis, que ando perdida num delírio? Consideram-me alienada, é isso?

– Nós é que somos os aliens, os extraterrestres, uma espécie de extraterrestres.

Riem-se muito com as suas bocas desdentadas.

*

O Círculo de Leitores presenteava os novos sócios com um livro surpresa. Calhou-me Os Extraterrestres na História, de Jacques Bergier. Li-o de supetão, mais seduzida do que receosa com as visitas de alienígenas ao nosso planeta. Levei-o para a escola e passeei-me com ele nos intervalos como fizera com outros livros não aconselháveis para a minha idade. Quase nenhum dos meus amigos gostava de ler. Os poucos que liam, faziam-no sob a supervisão de adultos que invariavelmente sugeriam o Diário de Anne Frank ou O Meu Pé de Laranja Lima. Sentia-me superior aos meus colegas por ler livros que nos eram proibidos. (Muitas vezes, a rebeldia não é mais do que a solidão disfarçada.)

Quando me viu com o livro na mão, o André, um colega de turma que tirava negativa a quase todas as disciplinas e que se vestia como se fosse um punk precoce, abordou-me: estava eu a par das marcas quadriculadas que os extraterrestres deixavam na pele daqueles que abduziam e dos círculos de terra queimada que as naves faziam onde aterravam? Reconhecendo-me iniciante na matéria, o André propôs-me uma troca: eu ajudava-o com os trabalhos de casa e ele levava-me ao Clube dos Amigos dos OVNIS de que o pai dele, o Sr. Bernardo, era o presidente. O nosso acordo teria de ser secreto pela natureza do que estava envolvido. Fiquei a saber que as reuniões decorriam aos sábados à tarde na garagem da casa dos pais do André e que o Clube contava com nove elementos. Eu podia vir a ser o décimo. O Sr. Bernardo tinha um telescópio apontado ao céu e havia noites em que se viam passar naves de um lado para o outro. O André garantia que humanoides verdes de cabeça triangular, descendentes da Atlântida, estavam a favor dos Estados Unidos da América e que outros, cinzentos com olhos de sapo, herdeiros dos construtores das pirâmides do Egito, protegiam a União Soviética. Estes dois exércitos de humanoides existiam além do que os telescópios humanos conseguiam ver e eram eles que nos mantinham a salvo de uma Terceira Guerra Mundial. Como é que vocês sabem isso?, perguntei, Evidentemente que há humanoides que vêm cá controlar o que se passa, tens de me prometer que não voltas a fazer perguntas parvas como essa, senão não te posso levar para o Clube, repreendeu-me o André, Não podemos perder tempo com parvoíces, há muita coisa em jogo, percebes?

No sábado seguinte, em troca de um trabalho de História sobre a Rota da Seda, apanhei a camioneta para a Abuxarda e fui a casa do André participar no primeiro encontro do Clube.

*

Estão ofegantes de tanto se rirem. Receio que tenham uma apoplexia, que morram de novo e eu os perca de vez. Enfrento as sete gerações que precedem a dos meus pais. Sei que são eles, apesar de só reconhecer os meus avós. Cercam-me. Quase ameaçadoramente. Falta o meu avô António.

– Eis os últimos analfabetos da família. Espera-se que sejamos os últimos.

Mais risos.

– Histórias e conhecimentos. Então é por isso que te isolas nos livros, Dulcinha?

Reconheço a ironia.

– Isolar não será a palavra certa.

– Também nós, enquanto vivemos, precisámos de histórias e de conhecimentos – úteis ou inúteis – tanto quanto tu e os teus contemporâneos. Tivemo-los em quantidade bastante, que histórias e conhecimentos não têm de estar escritos para existirem. Passavam de boca em boca, vindos sabe Deus de onde, das profundezas da criação. As terras onde andávamos à jeira existiam com dono, mas as palavras pertenciam a todos por igual. Só sabíamos de onde vinham as que o padre dizia na missa: palavra do Senhor!

– Graças a Deus!,

respondem os outros, em uníssono.

– Nem livros nem autores. Bastávamo-nos uns aos outros. Em pessoa. Cada um ajeitava o que ouvia a seu modo e passava-o a quem quisesse.

– Era ainda assim com as anedotas quando eu era nova,

deixei escapar. Não resisti ao lamento,

– Já ninguém entretém os amigos a contar anedotas.

– As redes sociais também acabaram com isso. Nunca se leu nem escreveu tanto quanto agora, e as pessoas talvez nunca tenham estado tão sós. Vivem acompanhadas por uma infinidade de ausentes.

– Redes sociais?

– Escusas de fingir estranheza. Nós somos tu a pensar-nos. Conhecemos tudo o que tu conheces. Já o contrário não é verdadeiro: o passado visto do presente é omnisciente do presente que desconhece em grande parte o passado. Por isso podemos falar de aliens e de redes sociais.

Rimo-nos todos.

– Já estamos juntos há tempo bastante para podermos dizer o que nos apetece sem estarmos sempre a embrulhar tudo para oferta.

– Que não passe a ideia de que por termos sido analfabetos fomos mais felizes ou menos sós. Claro que gostaríamos de ter sabido ler e escrever.

– A vara que um homem estende a outro homem tanto serve para mantê-lo à distância como para guiar um em direção ao outro até as mãos se tocarem, até as bocas se beijarem.

Digo,

– O autor chega, arranca-me do quotidiano, chama-me para um encontro privado, íntimo, só ele e eu, como se não tivéssemos corpos estanques. Depois, devolve-me, diferente, ao sítio onde me apanhou. Coscuvilho o sucedido como quem inconfidencia proezas de amantes.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ O nosso segredo e a turba insurreta

+ Campos pintados, quem vos pintou?

+ Foto #9: A trôpega velhinha

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

O primeiro-ministro britânico eleito, Keir Starmer, declarou que “a mudança começa agora” para o país, depois de ter conquistado 410 deputados com assento parlamentar. “Tenho de ser sincero, sabe bem. Quatro anos e meio de trabalho, a mudar o partido. Foi para isto que o fizemos, um partido transformado, pronto a servir o nosso país, pronto a recuperar o Reino Unido ao serviço dos trabalhadores”, admitiu num discurso proferido em Londres.

“Em todo o nosso país, as pessoas vão acordar com a notícia, aliviadas pelo facto de um peso ter sido retirado, um fardo finalmente removido dos ombros desta grande nação”, continuou, referindo ainda que o mandato dado ao partido acarreta uma “grande responsabilidade” e que “as vitórias eleitorais não caem do céu, são conquistadas com esforço e com muita luta”.

“Há muito a aprender e a refletir”

Já Rishi Sunak, considerado o grande derrotado da noite eleitoral, reconheceu a vitória do Partido Trabalhista e pediu desculpa aos Conservadores. “Hoje, o poder vai mudar de mãos de forma pacífica e ordeira, com boa vontade de todas as partes. Isso é algo que nos deve dar a todos confiança na estabilidade e no futuro do nosso país”, disse.

O ainda primeiro-ministro demonstrou que este foi “o veredicto sóbrio” e que “há muito a aprender e a refletir”. “Assumo a responsabilidade pela derrota dos muitos candidatos conservadores que trabalharam arduamente e que perderam esta noite, apesar dos esforços incansáveis, do historial local de resultados e da dedicação às comunidades. Lamento”, declarou.

“Daqui a dez anos, terei 30. E só estou a pedir os básicos: um tecto sobre a minha cabeça, ser capaz de comer confortavelmente, sem me preocupar com o dia seguinte. E, se tiver filhos, não quero ter de me preocupar com a alimentação deles ou deixar de comer durante o dia para lhes dar comida”. Jamie-Lea não vive num país em guerra, não está numa parte do mundo em desenvolvimento, não é racializada, não é migrante. Vive em Leigh, no Reino Unido, um antigo bastião industrial, a poucos quilómetros de Manchester.

É a primeira da sua família a chegar à Universidade, mas para conseguir estudar tem de ter três empregos, que lhe ocupam 40 horas por semana. Sonha com a Suécia, um país aonde nunca foi. “Se tiver uma família, não quero que seja neste país, porque não os quero pôr nessa situação”, diz a Helen Pidd, jornalista do The Guardian, a quem conta estar há anos a tentar aprender sueco sozinha. Para o ano, se conseguir juntar dinheiro suficiente, vai finalmente conhecer o país que lhe parece hoje à distância uma promessa de prosperidade, tal como a consegue conceber quem vê como privilégio a garantia da sobrevivência.

Helen Pidd foi a Leigh em busca de perceber como é que o “último tijolo na parede vermelha” que sustinha o Partido Trabalhista iria votar quatro anos depois de ter guinado à direita, dando uma inédita vitória aos conservadores. Mas o que revela esta viagem é muito mais do que um sentido de voto.

Uma e outra vez, a jornalista encontra pessoas que lhe falam da dificuldade em alimentar-se a si e aos seus filhos e de como desejam ter de “deixar de pedir” para sobreviver. Há uma tensão no ar. E Helen Pidd tem dificuldade em encontrar votantes trabalhistas, apesar do desencanto total com o Partido Conservador. É mais fácil tropeçar em apoiantes do partido de extrema-direita Reform UK de Nigel Farage.

Porquê Farage? Porque não?, perguntam-se os eleitores desencantados de tudo, fartos de viver numa incerteza constante, atomizados nas suas indignações, desconfiados daqueles com quem possam vir a ter de ser obrigados a partilhar as suas migalhas.

O discurso é semelhante quando se ouvem as reportagens sobre as eleições francesas. Não é incomum aparecer um eleitor que confessa a impossibilidade de comer carne, a dificuldade de chegar ao fim do mês, a luta para se aquecer.

Há um fosso fundo entre a imagem projetada deste velho continente e o dia a dia concreto de muitos dos seus habitantes. “Nós construímos um jardim. Tudo funciona. É a melhor combinação de liberdade política, prosperidade económica e coesão social que a humanidade foi capaz de construir – as três coisas juntas”, dizia em 2022 o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, num discurso construído para alimentar a ideia de que este “jardim” deve ser protegido da “selva” do resto do mundo, com muros se preciso for.

O que é interessante é perceber o quão longe estão deste idílico jardim muitos daqueles que votam em quem quer construir os muros. A sua escolha não é, contudo, completamente irracional, ela decorre de uma narrativa poderosa que elude do discurso e das práticas a solidariedade e o sentido colectivo.

Os habitantes de Leigh estão a defender o seu jardim, mesmo que ele esteja cheio de pedras e ervas daninhas, porque é tudo o que têm, enquanto sonham com outras paragens mais verdes, sem contar com a cerca que outros por lá poderão construir para os afastar.

Estas classes empobrecidas, precárias, que se tentam agarrar aos escombros do que foram em tempos poderosos estados de bem-estar, são quase invisíveis para todos, menos para os que lhes oferecem no ódio um escape para o ressentimento. A sua luta diária pela sobrevivência não faz parte da imagem que temos dos europeus. A sua experiência está tão longe das bolhas políticas e mediáticas que nos parece grotesca e exagerada. Ela contraria as estatísticas oficiais de progresso, a ideia de mérito, a própria noção que temos daquilo que é a Europa. E, no entanto, eles existem. E, no entanto, eles votam.

Temos estado a ignorá-los. Em breve talvez seja impossível continuar a fazê-lo.

MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Os de baixo contra os de cima, os de cima contra os de baixo