Como se sabe grande parte dos cientistas, investigadores, intelectuais, artistas e outros intervenientes sociais que desde sempre ganharam o Prémio Nobel eram de origem judaica. Por isso não resistimos a ensaiar um raciocínio teórico sobre que mundo e que sociedade teríamos hoje se acaso o Holocausto não tivesse manchado a história da Europa em meados do século vinte.
Boa parte das invenções que contribuíram para o progresso da vida moderna foram geradas na cabeça de judeus. Partindo da lista dos nobilizados e considerando toda a espécie de inventos e desenvolvimento que proporcionaram à humanidade, podemos perguntar que mundo teríamos nós hoje nas ciências, nas artes, na economia, na medicina, na inovação e nas finanças no caso da “solução final” não ter existido.
Mas também no mundo artístico e na cultura. Que obras-primas, que elevação de espírito perdemos enquanto espécie humana ao fazer desaparecer da face da terra todo o potencial humano que se esvaiu nas câmaras de gás? A pergunta é inquietante.
Não esqueçamos, porém, que muitos foram também os que podiam ajudar a desenvolver a moral e o melhor que há no ser humano não fora a sanha sanguinária da loucura nazi, como é o caso dos homens e mulheres com significativo potencial espiritual e mesmo líderes religiosos como Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), o pastor e teólogo luterano, entre muitos outros. Bonhoeffer integrava a resistência alemã que combatia o nazismo e contou-se entre os fundadores da Igreja Confessante, em 1934, a ala da igreja evangélica que se opôs à política de Hitler através da Declaração de Barmen, tendo-se envolvido mais tarde nos planos da Abwehr com vista ao assassínio do Fuhrer.
O teólogo influenciado por Kant, Karl Barth, Hegel, Max Weber e Ernst Troeltsch era uma esperança da igreja protestante na Alemanha. Bonhoeffer sofreu influência de Gandhi, do evangelho social mas também das ideias pacifistas do seu colega francês Jean Lasserre, tendo então despertado para o mundo político e as questões da paz no mundo, e esteve presente na origem do que viria a ser o Conselho Mundial de Igrejas.
No artigo “A igreja e a questão judaica” (1933) defendeu a ideia de que a Igreja se devia opor à injustiça política, económica e social, explicando que, se o Estado praticar a injustiça, então compete à Igreja a tarefa incondicional de defender as vítimas, mesmo que elas não pertençam à comunidade cristã. Proibido de dar aulas manteve-se como professor na clandestinidade, tendo sido expulso de Berlim em 1938, pela Gestapo, proibido de falar em público, em 1940 e de publicar obras de sua autoria, em 1941. Preso em 1943 foi executado num campo de concentração perto do fim da guerra.
A obra “Sonda o meu coração no meio da noite” (ed. Guerra e Paz, 2021) reúne um conjunto de cartas de despedida escritas por dezenas de cidadãos alemães sacrificados no altar do Terceiro Reich. Trata-se de testemunhos impressionantes de resistentes à loucura nacional-socialista, tanto de religiosos como civis. Bonhoeffer tinha-se colocado na linha da frente para tentar evitar o desastre da Alemanha: “Se presenciar um louco de carro a acelerar a toda a velocidade pelas ruas, eu não posso, como pastor, apenas consolar ou enterrar quem for atropelado, mas tenho de saltar para o meio da estrada e pará-lo”.
O médico do campo de concentração, Hermann Fischer-Hüllstrung, contou mais tarde: “Pela porta entreaberta de uma sala no prédio do quartel, vi o pastor Bonhoeffer ajoelhando-se em profunda oração com seu Senhor Deus. Fiquei profundamente chocado com a oração desse homem extraordinariamente simpático. Ele também ofereceu uma breve oração no local da execução e então, com coragem e calma, subiu a escada para a forca. A morte ocorreu depois de alguns segundos. Em meus quase cinquenta anos de actividade médica, dificilmente vi um homem morrer com tanta devoção.”
Que falta fez esta gente ao mundo.
Quando um povo se dispõe a aniquilar outro povo alguma coisa de muito errado está a suceder. Liderado por um louco, o nazismo alemão procurou conquistar o mundo enquanto erradicava os judeus da face da terra. Mas a História surpreende e espanta-nos constantemente. Neste momento o governo de Israel parece empenhado em varrer os palestinianos da face da terra (pelo menos os de Gaza), depois de lhes andar há anos a roubar paulatinamente as terras, à revelia do direito internacional.
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