A magistratura do Ministério Público tem andado nas bocas do mundo especialmente na última década, e não pelas melhores razões. A forma como tem vindo a utilizar a sua proclamada autonomia resultou no desastre que se conhece.
O último episódio, que deixou o país de boca aberta, foi o facto de, depois de uma operação hollywoodesca atendendo à espectacularidade, e de manter detidos três cidadãos madeirenses – um destacado autarca e político e dois empresários – durante longos vinte e um dias, o juiz de instrução ter decidido libertá-los considerando não lhe terem sido apresentados indícios de um único crime relativamente a qualquer deles…
Antes já tinha havido a operação “Influencer” e aquele parágrafo assassino que levou o primeiro-ministro (PM) à demissão, o governo a cair e à marcação de eleições, tendo o presidente da república optado pelo disparate de manter um governo de gestão meses a fio, originando a inevitável instabilidade social que daí decorre. Mas o facto judicial que está na origem de tudo isto não terá conhecido novos desenvolvimentos. Pelo caminho há um político que terá sido alvo de escutas durante anos, o que constitui um manifesto abuso, o caso das anunciadas buscas a casa de Rui Rio e à sede do PSD, ou a absolvição do ex-secretário de Estado Adjunto do PM, Miguel Alves, entre outros fiascos do MP.
Mas a saga começou com José Sócrates, cujo processo kafkiano às mãos do MP só não provocou um repúdio generalizado porque a figura se tornou politicamente tóxica, em parte devido ao seu temperamento irascível, e que ainda hoje continua sem o julgamento a que devia ter direito e que o país merece.
E tudo isto sucedeu com avisos prévios a canais de televisão, de forma a promover o MP através de propaganda encomendada, além das correspondentes fugas cirúrgicas recorrentes para os tabloides, sempre a reforçar as teses do MP e a destruir o direito constitucional de qualquer suspeito ao princípio da inocência. O MP continua a prender para investigar em vez de fazer o inverso, e aproveita para manipular a opinião pública eventualmente com o objectivo de obter ganhos de causa perante os juízes de instrução.
Mas o que faz correr estes procuradores? A ideia justicialista de dar um empurrão à máquina da justiça mesmo à custa de espezinhar princípios éticos, normas legais e os direitos dos cidadãos? Já chegámos ao Brasil de Sérgio Moro e Dallagnol? Fala-se em judicialização da justiça. A verdade é que algumas das acções do MP parecem levar a essa conclusão, quer pelo espectáculo encenado, quer sobretudo pelo momento escolhido para cumprir as diligências.
Mas há outra hipótese. A de que os procuradores serão homens e mulheres de muita fé. Ou seja, eles acreditam que os cidadãos em causa são culpados, e mesmo sem provas querem privá-los da liberdade e levá-los a julgamento na esperança de que as provas apareçam algures pelo caminho. O autor da Epístola aos Hebreus define fé desta forma: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem” (11:1).
Temos, portanto, procuradores do MP cheios de fé em vez de se aterem à razão dos factos, crentes de que trilhar o caminho do justicialismo é compensador, nem que para isso se tenha que influenciar e manipular a opinião pública a favor das suas teses, em vez de se limitarem a servir a justiça de forma isenta, imparcial e profissional.
Para coroar tudo isto ainda temos uma Procuradora-Geral da República que se declara publicamente irresponsável (“eu não me sinto responsável por coisa nenhuma!”, disse a propósito da demissão do PM), como se os seus actos não tivessem consequências políticas. A Procuradoria-Geral da República não é uma vaca sagrada. Sempre aprendi que a uma maior liberdade corresponde uma maior responsabilidade. Se o MP quer esta autonomia e liberdade tem que ser responsável, e a senhora procuradora-geral deve explicações de viva voz ao País.
Caso contrário fica no ar a convicção geral de que existirá uma campanha organizada para atacar o regime democrático, através dum putativo ataque dirigido contra o pessoal político, os partidos e as instituições democráticas, em particular os que se movimentam nas áreas do poder. E essa ideia só interessa mesmo à extrema-direita populista, radical e extremista, que pretende inserir-se no regime para o destruir.
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