É conhecido e está estudado o fenómeno da desidentificação religiosa na Europa. A partir de meados do século passado as novas gerações deixaram de assumir automaticamente a fé dos pais e avós, passando a experimentar uma maior liberdade, ou pelo menos autonomia, em matéria de decisão quanto à sua filiação religiosa.
Para isso terão contribuído um conjunto de fatores, em especial as profundas alterações sociológicas ocorridas ao longo desses tempos. As mulheres ganharam maior dinâmica e intervenção social. Com a emergência da Grande Guerra e o envio dos homens para a frente de combate as mulheres deixaram o universo doméstico em que se moviam para irem trabalhar para as fábricas e substituir a mão-de-obra masculina. Além disso havia que produzir fardamento, rações de combate e munições. Esta tendência agravou-se ainda mais durante a 2ª guerra mundial.
Quando este conflito terminou, elas já não quiseram voltar a reduzir a sua existência ao papel de mães e donas de casa. Simultaneamente, com a descoberta da pílula anticoncecional, as mulheres puderam organizar melhor a sua vida, planear as gravidezes e investir na valorização pessoal através da participação na vida social, no mundo do trabalho, das artes e da cultura.
As mentalidades entraram em mudança acelerada. Para os jovens, as inúmeras ideologias entretanto surgidas desafiaram-nos a novos conceitos filosóficos e sociais e levaram-nos a questionar o estilo de vida e sistema de crenças até aí tidas como únicas e indiscutíveis.
Mas o grande catalisador da mudança foi, sem dúvida, o papel de boa parte das lideranças das igrejas cristãs entre guerras, que acolheram e apoiaram ideologias nazi-fascistas que contribuíram para a instalação no poder de ditaduras de direita, as quais, em conjunto com a ideologia comunista-soviética potenciaram a destruição do continente, com custos de milhões de vidas. Depois de 1945, a Europa confrontou-se com a descredibilização tanto da igreja católica como das igrejas protestantes. O erro do apoio expresso ou implícito ao nazi-fascismo requereu um preço muito alto, que ainda não acabou de ser pago.
Foi a partir daí que o evangelicalismo norte-americano ganhou espaço através de grandes eventos religiosos em estádios, pois os europeus precisavam de uma palavra de esperança que as igrejas continentais já não tinham ânimo nem moral para oferecer.
A Europa hoje é um continente pós-cristão e a fé sobrevive sobretudo graças às migrações. A média de idades dos fiéis católicos e protestantes nos Estados Unidos ronda os 55 anos. Na Europa não é melhor. Apesar do papa Francisco, as novas gerações terão as suas dificuldades com a dogmática e alguma praxis do sector católico, mas coisa semelhante sucede com as igrejas da área protestante, neste caso sobretudo pelo envolvimento político nalgumas regiões e devido a algumas posições doutrinárias das lideranças.
O coordenador desta Jornada Mundial da Juventude (JMJ) apela à participação de jovens também não-católicos pela via cultural, talvez numa tentativa de promover a adesão à vida paroquial na igreja de Roma, o que terá provocado o desagrado de setores católicos menos liberais.
A crer em estudo recentemente publicado, embora os portugueses aceitem bem a realização da JMJ em Lisboa pensam que as entidades públicas não deveriam ter investido verbas tão elevadas para a realização do evento. Por outro lado, a igreja portuguesa sai muito penalizada do escândalo da pedofilia dos sacerdotes e homens da igreja, e ainda mais em resultado das atitudes de alguns dos seus principais representantes.
Mas não se pense que as JMJ poderão transformar substantivamente a igreja católica. A expectativa da mudança estará talvez no Sínodo que está em marcha e que ainda este ano deverá concluir os seus trabalhos.
Tenhamos esperança.
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