1. E pronto. No momento em que escrevo, estamos a poucas horas de conhecermos o novo líder da oposição. O que fica de uma campanha de três longos meses é uma semana com dois debates televisivos e um radiofónico. Vale a pena revisitar o que eles nos deram e desmistificar certos mitos.
Primeiro: as críticas de que os debates, em especial o primeiro, que decorreu na RTP, não foram esclarecedores do ponto de vista do que os candidatos pretendem para o País, falham completamente o alvo, por um erro de premissa. É que, nestes debates, não interessa nada saber o que pensam Santana Lopes ou Rui Rio sobre os problemas do País. Nestas eleições, quem vai votar não é o País, mas os militantes. O primeiro a perceber isso foi Santana. Por isso, o seu objetivo foi falar aos eleitores – aos militantes do PSD – e não aos portugueses. Neste debate, os que votam não precisam nem querem saber o que cada um defende como putativo primeiro-ministro. Em legislativas, de qualquer maneira, tanto faz: vão votar sempre no PSD. O que querem saber é qual deles será o mais combativo e, também, qual deles sente mais a camisola. É uma lógica clubística que o ex-presidente do Sporting, Santana Lopes, conhece e domina bem. Mais: ter ideias, ou explaná-las, é extremamente contraproducente: instala ruído e confusão, presta-se ao escrutínio do adversário e suscita polémicas escusadas. Disso se terá apercebido Rui Rio, quando, com meros argumentos de comentador, pouco sólidos e pouco sustentados, avançou hipóteses sobre apoios a um governo minoritário do PS. Ou relativamente à Procuradoria-Geral da República. Ou quando falou em défice zero.
Segundo: por esta ordem de ideias, Santana esmagou, no primeiro debate. Ganhou por knock out ainda no primeiro round desse combate, ou seja, nos primeiros minutos. Com métodos à Pedro Guerra – que, no caso do comentador desportivo, por alguma limitação intelectual, se viram invariavelmente contra ele, mas que, no caso do político, muito mais inteligente, deram ótimos frutos… – conseguiu a proeza de fazer parecer que figurar numa fotografia ao lado de um herói do 25 de Abril seja considerado um crime. Confundindo, deliberadamente, críticas políticas de Rio ao consulado de Passos e a si próprio com maledicência – “anda sempre a dizer mal” – Santana esqueceu-se do que fez quando Pinto Balsemão ou Mota Pinto foram líderes do partido e, respetivamente, primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro, sem que esses tempos lhe fossem recordados pelo adversário. Sobre as trapalhadas apontadas por Rio ao seu fugaz Governo de 2004, desafiou, como no inenarrável prolongamento da TVI: “Diga uma! Diga uma!”. E Rio, em vez de dar alguns exemplos, ou de se escusar a dá-los, com o argumento de que o tempo do debate não chegaria, encolheu-se, a sangrar, junto às cordas.
Terceiro: no segundo debate, na TVI, Rio re-equilibrou as coisas e terá até ganhado, por pouco, aos pontos. Sobretudo, quando conseguiu desviar a conversa para o campo da economia e ficámos sem perceber, ao certo,o que Santana defende para a área económico-financeira.
Quarto: a intervenção um pouco rasteira de Pacheco Pereira, no programa da SIC Notícias, “Quadratura do Círculo”, é, para Rio, um negócio de soma nula, e, para o comentador, um negócio de soma negativa. Dizer, sem provas nem testemunhas, que Santana o abordou, em 2011, no sentido de formar um novo partido, para concorrer contra o PSD, resulta na palavra de um contra o outro e vitimiza o candidato. Sendo uma acusação grave, é de uma ligeireza muito pouco habitual em Pacheco Pereira expô-la desta maneira. Mas pode revelar algum desespero nas hostes riosistas… Claro que, neste ponto, compete ao militante eleitor procurar recordar-se de quem, de entre os dois, mais mentiu ou mudou de posição, no passado, e acreditar num ou no outro. Mas, a não ser que as “outras pessoas” com quem Santana, segundo Pacheco, terá falado, apareçam a contar, o primeiro tem o benefício da dúvida. Com ajudas destas, Rui Rio não precisa de desajudas.
2. Há 50 anos, isto é, no tempo da “outra senhora”, uma pessoa punha uma carta no correio e, no dia seguinte, ela era entregue em qualquer ponto do País. E não havia autoestradas. Eu sei, porque os meus avós moravam na Província e nós na Grande Lisboa. E trocavam-se cartas duas vezes por semana. Mais tarde, inventaram o Correio Azul, como se fosse uma grande coisa, para fazerem o mesmo serviço por um preço mais alto. Era apenas uma forma de sacar dinheiro à malta,.Hoje, já se tenta regular o serviço, obrigando os CTT a entregarem o correio azul num prazo máximo de três dias(!) e o normal em cinco dias (úteis!). Os CTT desculpam-se, dizendo que, desde o início do século, o volume de correio caíu 50 por cento. Mais uma razão: entregar menos correio deve ser mais fácil e rápido do que entregar mais correio. Não sou eu que o digo: isto está demonstrado pelo facto de que, quando o serviço funcionava, havia sempre atrasos no Natal, exatamente porque o tráfego aumentava! Mas os CTT tornaram-se uma espécie de ONG boazinha: Natal, para eles, é todos os dias.
A propósito, faz-me espécie que a Direita, tão pressurosa a apoiar os protestos contra o fecho de balcões da Caixa Geral de Depósitos, esteja, agora, tão caladinha… Má consciência por ter privatizado uma empresa pública que era lucrativa – ou outra coisa qualquer?…
3. A revolta do “Me Too”, contra o assédio sexual, que começou nos EUA e até já chegou à China, é um avanço civilizacional. Mas o exagero, muito bem apontado por um grupo de mulheres francesas, leva-nos à seguinte pergunta: aquilo que, no meu tempo, era uma declaração de amor, ou um pedido de namoro, é hoje considerado assédio? É uma pergunta genuína e inocente, porque não sei mesmo. E estou preopupado – não comigo, que já tratei disso – mas com os que estão agora a começar: como é que vamos acasalar no futuro? Qualquer dia, os que protestam para além do bom senso querem… e não têm com quem.