Nesta crónica, apresenta-se uma peça da silly season em três atos. Meu querido mês de agosto…
I ato
A geminação do CDS com o MPLA. Declarações livres ou miseráveis. Quando uma líder sorri e acena.
O deputado do CDS, Helder Amaral, declarou que o seu partido está agora muito mais próximo do MPLA, com quem tem pontos em comum. Inebriado pelos ares tropicais, depois de ter representado os centristas no congresso do partido de José Eduardo dos Santos, o parlamentar do CDS fez jus ao dito popular de que “o mundo dá muitas voltas”. José Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS, classifica estas declarações de “miseráveis”: afinal, o MPLA era o partido apoiado pela União Soviética e nunca abandonou, explicitamente, a sua filiação comunista e ideologia marxista. Para não falar da hegemonia do tipo partido único e das restrições impostas pelo regime angolano às liberdades cívicas. Mas Ribeiro e Castro é um bota de elástico. Mais progressista, a atual líder, Assunção Cristas, inscreve estas declarações no espaço próprio da “liberdade e pluralismo” que se vive no CDS. Isto é: em vez de comentar, aprovar ou desautorizar o deputado Amaral, Cristas faz como os pinguins dos filmes da saga Madagáscar: “Sorrir e acenar, rapazes, sorrir e acenar!” Já Helder Amaral, conhecido por “Obama de Viseu”, segue um passo à frente do seu sósia americano, que reatou relações diplomáticas com Havana: “Voltem, tropas cubanas, estão perdoadas”.
II ato
Geringonça arrependida. Vira o disco e toca o mesmo. A esferográfica na cassete.
Os mais antigos lembram-se de que, para rebobinar uma cassete cuja fita estivesse larga, usava-se uma esferográfica Bic: punha-se a caneta no orifício de uma das roldanas onde se enrolava a fita e rodava-se até ajustar. Terá sido isso mesmo em que pensou António Costa quando ouviu, reiteradamente, Jerónimo de Sousa a ameaçar recusar um orçamento de Estado que tenha algum cheirinho a austeridade ou a bramar contra a projetada venda do Novo Banco. A cassete do PCP está a ficar distorcida, o congresso dos comunistas aproxima-se, Jerónimo precisa de apresentar trabalho e não vai facilitar. Nem que Costa lhe dê com uma Bic.
Digno mesmo de um agosto onde nada acontece, é a polémica em torno da entrevista de Catarina Martins ao Público. Arrepende-se “todos os dias” da geringonça. “Faz parte”, acrescenta, ao mesmo tempo que se explica a seguir, concluindo-se que, embora o arrependimento faça parte do dilema, a tal da “geringonça” se justifica em nome de um “bem maior”. Mas a frase estava dita, e foi título. Sem outro entretenimento, os comentadores atiraram-se à declaração e as redes sociais, fazendo jus à época de incêndios… incendiaram-se! Para apagar o fogo e não se arrepender segunda vez, Catarina veio reiterar que o Público fez uma reprodução fiel do seu pensamento. Seja lá ele o que for.
Já Passos Coelho, acusado por António Costa de ter um discurso de “vira o disco e toca o mesmo”, teve uma ininteligível frase na festa do Pontal, sobre “o que é difícil fazer e fazer mais do que é difícil, porque o difícil não será mais do que o PSD consegue fazer…” Resumindo: não é fácil. O único facto relevante foi o líder do PSD ter conseguido sair dali ileso, sem dar um nó cego na própria língua.
III Ato
O terceiro mundismo voltou. Retificar a retificação. É a Caixa, com certeza.
De repente, o que parece é que o governo estava só à espera de um pretexto para retificar a garantia de que não haveria um orçamento retificativo. A desculpa surge com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, sem que se tenha explicado porque não pode ser ela recapitalizada no próximo Orçamento. Será que não tem dinheiro para pagar ordenados?… Só se forem os novos salários dos administradores…
A Caixa descobriu a careca a um tique terceiro mundista que julgávamos poder disfarçar melhor: confrontado com o facto de a lei portuguesa não permitir a composição idealizada pelo Governo para o (gigantesco) conselho de administração pretendido, o Ministério das Finanças chegou a ponderar… mudar a lei! Vá lá, que o primeiro-ministro percebeu a tempo que não estamos no País do General Alcazar, e mandou recuar nessa intenção. Mas o engenho tuga não tem limites: “Faz-se já aqui ao lado”, como dizia António Silva, na Canção de Lisboa, quando confrontado com uma prova real aritmética. Vai daí, inventa-se um Conselho Consultivo para a Caixa, paralelo à administração, e assim se garante o tacho para a malta preterida. Já agora, refira-se que o aumento do salário dos administradores é inversamente proporcional aos lucros da Caixa. Quanto mais falido o banco público está, mais ganham os seus dirigentes. E depois dizem que a Caixa não precisa de recapitalização…
Será que a silly season nunca mais acaba?