Os ciclos mediáticos têm uma natureza que a razão desconhece. Passámos de ininterruptas horas, sucessivos dias, intermináveis semanas em volta de uma guerra para um momento de terror numa outra geografia; virámos totalmente o ângulo e mergulhamos novamente em ininterruptas horas, sucessivos dias e intermináveis semanas, esquecendo totalmente o conflito anterior. Tem sido assim entre a Ucrânia e Gaza. No entretanto, dedicamos um total de zero horas a guerras civis ainda mais trágicas, como as que ocorrem no Iémen e no Sudão, ou a massacres cometidos nos últimos seis anos sobre a minoria rohingya (muçulmana) às mãos dos militares da Birmânia, responsáveis por mais de um milhão de deslocados nos países vizinhos, como a Tailândia, a Malásia, a Índia e, sobretudo, o Bangladesh, onde está hoje situado o maior campo de refugiados do mundo.
Uma das perceções criadas em redor da substituição mediática da Ucrânia por Gaza é de que a guerra no Leste europeu teria deixado de ser prioritária para os países que a tinham feito sua, no último ano em meio, e de que, portanto, Kiev estaria condenada a um abandono que lhe seria fatal no prolongamento da resistência à invasão russa. Lá está, como deixara de ser tema noticioso, deixaria também de ser tema político para os decisores ocidentais. A verdade é que esta perceção está longe da realidade.