É uma pena que o Ocidente tenha desistido do Irão. Apesar de um acordo de monitorização nuclear ter visto, e bem, a luz do dia em 2015, para depois ser rasgado por Trump três anos depois, revertendo o processo de integração do Irão na economia internacional, e apesar das solidariedades que a espaços dedicamos às vagas de protestos da última década, não olhamos para a juventude maioritária naquele país com uma crença substancial. Como prova a força e a coragem dos milhares que lutam diariamente por liberdade e igualdade nas ruas do Irão, é cada vez mais uma pena que tenhamos essa abordagem.
A teocracia em camadas que define o regime dos ayatollahs tem mais brechas do que se pensa: entre a linha ortodoxa e a reformista, entre os civilistas e os teocráticos, entre os universitários urbanos e os grupos implacáveis de segurança, entre os que renegam a condição de pária e os que se vinculam ao projeto nuclear, entre os grupos étnicos e as mulheres e o edifício totalitário do regime. E é aqui que hoje estamos: numa nova vaga de reivindicação por direitos civis elementares, posta em marcha por curdos, balúchis, sunitas, árabes, fora e dentro das principais cidades, mas sobretudo por mulheres, numa descolagem factual com o edifício instaurado em 1979. Com 60% da população abaixo dos 30 anos, 25% de desemprego jovem e 42% de taxa de inflação, a era do protesto generalizado tem ainda margem para galopar. O grito que se ouvia aquando da queda do Xá – “morte ao ditador” – regressou novamente às ruas do Irão. A ânsia por direitos civis parece ter promovido o divórcio com o regime. A dúvida é se ele será ou não irreversível.