Há muito que nos habituámos a que as políticas de Direita se centrem somente em contas e números e não numa visão baseada na realidade de fundo e no futuro do País.
Por entre silêncios incómodos ou cortinas de fumo como as da Administração Interna e Justiça nos casos do furto de computadores e da fuga da prisão de Vale de Judeus, ou do próprio primeiro-ministro com a reação aos incêndios, e fait divers como o do ministro da Defesa e Olivença, o Governo nacional parece viver num marasmo de ideias verdadeiramente mobilizadoras e transformadoras da realidade da nossa população.
Se é verdade que por princípio o LIVRE não rejeita ou aceita Orçamentos sem os analisar, também é uma realidade que os termos em que a discussão se tem colocado e os dados preliminares apontam num sentido de praticamente impossível viabilização. Mas não se esperava diferente, considerando a tipologia de medidas que costumeiramente os partidos do governo apresentam: propostas que tendem a acentuar a desigualdade e a reforçar as barreiras ao dever de justiça social do Estado.
Dois bons exemplos são o IRS Jovem e o (potencial) descongelamento das propinas do Ensino Superior. A medida do IRS Jovem inicialmente apresentada era simplesmente inócua, ineficaz e infeliz, visto que não tinha probabilidade de produzir quaisquer resultados a não ser para uma pequeníssima margem de jovens ricos (aumentando a desigualdade), não traria mais riqueza para a grande parte das faixas etárias mais novas (o suposto alvo da medida) e por isso não auxiliaria na ascensão social pretendida ou na melhoria das suas condições de vida, e, segundo as contas dos especialistas, poderia, pelo contrário, levar ao pagamento de maior imposto com um efeito perverso cuja previsão não se percebe como escapou ao proponente. Um bom resumo é o facto de esta medida ter sido desacreditada até pelo Fundo Monetário Internacional.
Quanto ao descongelamento de propinas (tema tabu para o Ministro da Educação, mas que foi lançado em diversos fóruns para testar águas, e uma vez mais uma medida “sonante” focada meramente nas receitas que entram ou não no Estado), vem contrariar por completo a trajetória dos últimos anos, que corresponde à ambição do legislador constituinte que via na educação superior um direito da nossa população, e por isso gratuito. Para ser claro: o artigo 74º da Constituição da República Portuguesa determina ao Estado o dever de “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”. Alterando-se a trajetória, o Governo PSD-CDS passará a estabelecer progressivamente uma maior dificuldade de acesso ao grau universitário, com correspondente travão ao elevador social e elitização do Ensino Superior.
De há algumas semanas, com a novela PSD-PS sobre IRC e IRS, parece que não existem mais temas e políticas públicas em Portugal. Por isso a pergunta impõe-se: para além da discussão de impostos, há mais Orçamento? Há pois, há opções políticas e de investimento, cruciais para o futuro de um país que persiste aquém da média do índice de desenvolvimento humano da União Europeia, figurando nos últimos lugares entre os 27 Estados-Membro de acordo com o último relatório, de 2022.
Focando-me apenas em propostas que impactam áreas que têm sido muito pouco faladas desde que o Governo tomou posse, e que têm efeitos potenciadores (não apenas mas de forma extra) nas faixas mais jovens (Cultura e Desporto), o LIVRE apresenta uma série de medidas que poderiam muito bem merecer mais atenção por parte de quem governa, e que melhorariam a vida de quem nos rodeia e a atractividade do país.
Começando pela Cultura (um dos parentes pobres do Estado, que tem tantos que na verdade é toda uma família), há muito defendemos que esta área deve ser financiada em 1% do PIB nacional, deixando de se ver a Cultura como mero entretém de quem pode (em tempo e dinheiro) mas como direito universal e democratizado, e sector onde podemos dar cartas quer na formação e desenvolvimento de pessoas e projectos, quer na perspectiva de engrandecimento individual e comunitário da sociedade, enquanto actividade profissional e motivador social.
Passando ao Desporto, é necessário dar melhores condições às escolas para a prática desportiva desde tenra idade, e investir mais no desporto escolar feminino, ainda subsidiário face ao masculino. É também fulcral reforçar o apoio às Federações e Clubes de desportos com menos mediatismo (e por isso menos receitas), o que, em conjunto com uma aposta nas condições dos atletas olímpicos e paralímpicos, permitirá que deixemos de lamentar o fraco investimento (e por isso resultados menos ambiciosos do que os de países comparáveis) de quatro em quatro anos.
Ao centrarmos a vasta maioria do discurso e discussão política em números e receitas, entramos no tabuleiro dos que, com uma visão simplista, acreditam que todos os problemas de quem vive em Portugal e de quem aqui quer viver se resolvem com descidas de impostos. Numa fase em que a economia está a crescer e existem excedentes orçamentais, devemos perguntar-nos se só de impostos é feito um bom orçamento, ou se também de reforçadas políticas públicas e investimento.
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