As alterações climáticas representam, inequivocamente, o maior desafio que determina os nossos tempos. Os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas), grupo coordenado pelas Nações Unidas, referem-se a questões que variam desde a adaptação das comunidades e dos territórios às alterações climáticas, à análise do estado da situação a nível global. Têm deixado diversos alertas que convergem na mesma consideração: é preciso agir já.[1]
A urgência na reestruturação das nossas sociedades de modo a colocar a vida e o cuidado no centro não deve, no entanto, ser confundida com a manutenção do status quo (o tal business as usual) e, por isso, das suas desigualdades estruturais. Entendê-las, analisá-las e respondê-las devidamente almejando igualdade social representam as responsabilidades para qualquer ativista que reconheça que a luta por justiça climática é inerentemente uma luta pela justiça social.
Quando exploramos a história do movimento climático internacional, passamos a compreender que a sua história remonta a muito antes dos relatórios lançados pelo IPCC ou por outros cientistas climáticos do Norte Global. Descobrimos uma diversidade de povos indígenas que encontravam na preservação do seu ecossistema uma filosofia de vida, de um equilíbrio holístico entre a Humanidade e a Natureza. Na verdade, ao relermos a carta do cacique Seattle, chefe indígena, enviada ao presidente dos Estados Unidos da América (Francis Pierce) em 1855[2] quando o Governo tinha dado a entender que queria comprar território aos índios, encontramos as seguintes questões:
“É possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Tal Ideia é estranha para nós. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como podem comprá-los? “
Perder algum tempo nesta ideia é importante. Esta ideia estranha para Seattle era natural para os colonizadores desses territórios e, consequentemente, para as suas estruturas sociais e económicas.
Observando a sobreposição entre as lutas indígenas pelos territórios e pela preservação da vida, começamos a entender as fraturas que se estabeleceram na passagem para a modernidade.
Malcom Ferdinand, no seu livro “Une écologie décoloniale” [3] aborda esta primeira fratura que se demarcou entre a Humanidade (que se pensa quase sempre através da figura do Homem branco ocidental) e a Natureza. Esta fratura é evidenciada através dos discursos técnicos, científicos e económicos sobre o domínio da Natureza.
A primeira conceptualização desta fratura terá sido popularizada através do termo “Antropoceno”, muito conotada a Paul Crutzen, vencedor do prémio Nobel da Química em 1995, que se refere a uma nova era geológica na qual as atividades humanas passam a tornar-se uma das mais poderosas forças com impacto nos ecossistemas da Terra de uma forma duradoura. Segundo as palavras de Naomi Klein, autora reconhecida internacionalmente no tema das alterações climáticas, esta filosofia implica uma “atitude mental expansionista e extrativa que há tanto governa a nossa relação com a natureza”. [4]
O movimento climático mainstream reconhece que instrumentalizamos e capitalizamos absolutamente a nossa relação com o meio ambiente. No entanto, falha ainda em reconhecer a instrumentalização de pessoas que se banalizou através dos sistemas coloniais. Esta fratura cimenta uma divisão entre a forma como contamos a história colonial do mundo e a história ambiental.
Observa-se, igualmente, a fraca presença de pessoas racializadas nos espaços de produção de discursos entendíveis na esfera pública como discursos climáticos. Por exemplo, um estudo realizado nos Estados Unidos em 2014, demonstrou a forma como as minorias estão sub-representadas tanto em ONG’s como em organizações governamentais, nas quais as posições de liderança são predominantemente ocupadas por homens brancos de classe média, com formação académica. [5]
Assim sendo, como é que se alienam comunidades das lutas pelas suas próprias vidas? Como é que se perpetua a manutenção do custo de vida ocidental à custa da exploração do Sul Global? Como se vive uma ecologia que existe em constante rejeição do mundo e das expressões culturais do Outro?
A esta perspetiva exclusivista do mundo dá-se muitas vezes o nome de habitação colonial. É reconhecida como caracterizada pela subordinação de um espaço geográfico a outro (a colónia é submetida à metrópole); baseia-se na exploração das terras e dos territórios e recusa a habitação coletiva com o sujeito entendido como diferente da figura normativa (a mulher indígena, a pessoa racializada, etc).
A distância entre o movimento ecológico e o movimento antirracista é marcante atualmente, apesar do facto de alguns assuntos entre os movimentos se interseccionarem (nomeadamente o da migração climática). Reparamos que, por um lado, encontramos o silêncio da fratura colonial e a manutenção dos seus racismos. Por outro, encontramos um movimento pós-colonial capaz de analisar e reagir à violência racial, abandonando pelo caminho os problemas ambientais.
Vê-se a dificuldade em entender esta dupla fratura e apresentar-lhe uma crítica adequada, capaz de pensar e de materializar o que significa habitar a Terra e viver em conjunto.
E esta dimensão é importante. O desafio não se prende exclusivamente com a importância de derrubar (verdadeiramente) coletivamente o sistema que nos encaminha para uma tempestade moderna mas também com responder à seguinte questão: Como é que subvertemos a nossa relação com a Natureza e aprendemos a viver uns com os outros?
[3] Ferdinand, M., n.d. Une écologie décoloniale.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.