1. Com os resultados das eleições de domingo passamos a ter uma flagrantemente nova realidade política: a coligação PSD/CDS, juntando todo o centro-direita e a direita, clara vencedora, mas sem atingir os 40%; os partidos que se reclamam da esquerda a ultrapassar os 50%, não obstante a derrota do PS. Sublinho esta para mim evidência por haver quem defenda que o facto da coligação ter sido a força política mais votada (também graças à eficácia de uma boa campanha, em que os nomes dos partidos foram o mais possível omitidos e os retratos dos seus líderes nem apareceram nos cartazes…) significa uma aprovação maioritária às políticas que seguiu e só será legítimo um seu, da coligação, governo. “Tese” a que naturalmente aderiu o sr. Shäuble, que, regozijando-se com os resultados, afirmou terem eles confirmado “a vontade da maioria dos portugueses em manter o rumo das reformas” (itálico meu).
2. Importa lembrar que o Presidente da República (PR), quando marcou as eleições, falou ao País da exigência do futuro governo ser de “maioria estável”. Isto é: com uma maioria assegurada no Parlamento, se necessário através de entendimentos entre “dois ou três partidos”. E até deu o exemplo da Finlândia, onde um desses três partidos é de extrema-direita.
A seguir à risca este caminho, após indigitar Passos Coelho para formar Governo, Cavaco Silva só o nomearia se previamente ele garantisse essa maioria. Não a conseguindo, indigitaria António Costa. E se este a garantisse, através de um acordo com o BE e o PCP, Cavaco teria de o nomear – e a legitimidade democrática do seu governo, aprovado na Assembleia da República (AR), seria exatamente a mesma de um governo PSD/CDS.
3. Mas creio que o PR andou mal ao anunciar aquela exigência, talvez para influir no sentido de uma maioria absoluta ou, na sua falta, uma “coligação” alargada ao PS. Não houve a primeira, não é imaginável a segunda – e entendimento entre “três partidos”, como na Finlândia, só se for entre PS, BE e PCP. Porém, não sendo ele em teoria impossível, é dificílimo e levanta problemas políticos de fundo. Implicando que BE e PCP abdicassem de querer levar à prática muito do que defendem, em contrapartida garantindo que à prática não será levado muito do que combatem.
4. Assim, Cavaco Silva deverá deixar cair tal exigência. O que não chega para a coligação conseguir governar, tendo, na AR, não rejeitado o programa e aprovado o Orçamento. Agora, a coligação vai ter que dialogar muito, negociar e ceder, ao que não está habituada: foi manifesta a sua falta de capacidade de diálogo e de procura de consensos, mesmo no que mais se impunha. Se não passar a governar de forma muito diversa, pode ser derrubado – o que aliás lhe poderá vir a ser conveniente…
Estou, porém, a adiantar-me. Para já, penso que o PS não deve inviabilizar, por princípio ou à partida, um novo Governo da coligação, mas também não o pode viabilizar se o seu programa e Orçamento representarem a continuidade da sua anterior política. E penso que numa verdadeira democracia não se pode distinguir a legitimidade de um governo por ser de esquerda ou de direita, por ter a encabeçá-lo ou não o partido mais votado – o indispensável é ter apoio parlamentar maioritário e cumprir os outros requisitos constitucionais.
5. Duas notas finais. Primeira: claro que António Costa saiu fragilizado desta derrota do PS, impensável há uns meses mas que já se vinha desenhando e as sondagens previram. Porém, Costa, que teve uma boa intervenção na noite da derrota, fez bem em não se demitir. Tem, no entanto, de submeter a sua liderança a sufrágio. E julgo que será reeleito, pois apesar deste desaire a sua experiência e as suas qualidades políticas mantêm-se e não há ninguém melhor no PS para o substituir.
Segunda: com este resultado só aumentou a importância das próximas presidenciais e do papel do futuro Presidente. Que, dado o quadro em que vai, desde a primeira hora, exercer o seu mandato, mais se exige seja alguém de inquestionável dimensão cívica, profissional, cultural – e fora de velhas lutas e tricas político-partidárias, dos bastidores do poder, de jogos de qualquer espécie.